Opinião Segunda-Feira, 20 de Julho de 2020, 13h:46 | Atualizado:

Segunda-Feira, 20 de Julho de 2020, 13h:46 | Atualizado:

Dênis de Oliveira e Leonardo Vieira

Da dificuldade à oportunidade: a modernidade forçada e a eficiência no serviço público

 

Dênis de Oliveira e Leonardo Vieira

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Atribui-se a Albert Einstein o pensamento de que no meio da dificuldade encontra-se a oportunidade. Imaginamos que a atual situação mundial traz uma oportunidade de ajuste ao gestor público.

A pandemia realçou um novo modo de se viver em todos os ramos e realidades. A necessidade de distanciamento social, para conter os avanços do vírus, determinou que todos os atores sociais se adequassem à expressão da moda: o “novo normal”.

Empresas privadas intensificaram os serviços de delivery, as reuniões on-line, o e-commerce. As festas passaram a ser pelo YouTube, com as famosas lives de artistas que, ao que dizem, têm faturado mais agora que antes da pandemia. Os encontros familiares têm acontecido por chamadas de vídeo.

A nova realidade também escancarou uma verdade: muitos ofícios podem ser realizados sem prejuízo da eficiência daqueles que estão submetidos ao trabalho no chamado home office.

A iniciativa privada regula-se pelas leis de mercado. A competição estimula as empresas a buscar, cada vez mais, a facilitação de sua atividade. A ideia é, a cada dia, produzir mais, mais rápido, com menos custo. O resultado é o maior lucro. Essa é a lógica do capitalismo.

A questão é que, no serviço público, não se busca o lucro, mas sim o bem comum da sociedade. A “mão invisível” do mercado de Adam Smith acaba por não ter tanta força de estímulo, por assim dizer, como ocorre no caso das empresas privadas. O público tende, pela história, a atrasar-se um pouco mais em mudanças dessa natureza.

Antes, se já ocorriam, por exemplo, audiências por videoconferência, sem dúvida foi a pandemia que, em verdade, acelerou a difusão desse processo. Atos administrativos antes praticados por servidores lotados em determinado local agora são praticados on-line; reuniões são feitas por aplicativos que permitem o encontro digital entre as pessoas, com imagem e som de qualidade; os documentos são assinados digitalmente; votações do Legislativo ocorrem virtualmente; os advogados despacham com os juízes por chamadas de vídeo.

Até mesmo prova de concurso público foi realizada na rede recentemente, como aconteceu com o Ministério Público de Minas Gerais, cuja fase oral foi realizada virtualmente e transmitida numa live na internet.

Nenhuma dessas tecnologias é verdadeiramente nova. A tal modernidade sempre esteve aí.

O que havia era a resistência do ser humano em mudar. 

Alterar o modo de viver e trabalhar não é fácil. Exige esforço. Nossa sociedade, como um todo, estava acostumada aos encontros e reuniões presenciais, aos atos em repartições públicas, enfim, a toda a sorte de práticas que exigiam a presença física das pessoas, ainda que as tecnologias como a videoconferência já estivessem ali, ao alcance de grande parte da sociedade.

Esse dificuldade de evolução as práticas no serviço público já havia sido percebida pelo legislador. A ausência desse estímulo (como ocorre com a competitividade no setor privado) dificultava, e ainda dificulta, as mudanças necessárias.

Foi de olho nisso que se editou a Emenda Constitucional nº 19/98, que promoveu reforma administrativa do país. Na tentativa de superar o modelo burocrático de Administração Pública, substituindo-o pelo gerencial, inseriu-se o princípio da eficiência no art. 37 da Constituição.

Por esse princípio, norteador da atividade administrativa, o gestor público deve atuar sempre de modo tal que busque a eficiência do serviço público, que pode facilmente ser traduzida na ideia de alcançar os objetivos sociais/públicos no menor tempo possível e com o menor custo possível.

No entanto, assim como muitos dos princípios da Constituição, o princípio da eficiência figurou mais como uma promessa do que efetivamente como um princípio a nortear as ações administrativas.

A pandemia do COVID-19 parece ter trazido à tona, em relação ao poder público, o mencionado estímulo que a iniciativa sofre pela competitividade: a necessidade imperativa de mudar, de se adequar, de se adaptar.

A modernidade, enfim, foi imposta. A própria realidade a impôs.

O isolamento social forçou, como já se disse, a intensificação da digitalização de processos judiciais e administrativos; mostrou ser possível e eficiente reuniões on-line entre os agentes públicos, envio de ofícios, prática de uma quantidade de atos corriqueiros e necessários ao desenvolvimento da atividade estatal.

Tudo isso tem sido realizado de forma (até mais) eficiente, célere e desburocratizada. 

E o melhor: de forma mais econômica. 

Não que isso não pudesse ser visualizado antes pelos agentes estatais, já que as tecnologias que permitiram esses avanços já existem há anos; faltava, contudo, o estímulo para mudar.

A título de exemplo, para participar de uma audiência ou reunião no interior do Estado, o ente público precisava despender carro, combustível, motorista e o dia útil do agente público ou dos agentes públicos envolvidos, que, dependendo da distância para a prática do ato, passavam o dia inteiro sem laborar, embora estivessem recebendo salário normalmente. Em algumas ocasiões ainda era necessário o gasto com diárias, já que era possível ter que dormir em local diferente da sede original de trabalho.

Esses custos, hoje, mostram-se absolutamente desnecessários, já que a maioria dos atos poderiam ser realizados por webcam, com recursos de internet, tecnologias bastante acessíveis há muitos anos no Brasil. Enxuga-se a máquina pública, sem demitir servidores; mantém-se a produtividade, reduzindo custos, aumentando a celeridade.

Levando-se em consideração que o princípio da eficiência deve nortear os atos da Administração Pública, bem como que o dinheiro público é finito, além da necessidade sempre interessante de “enxugar” a máquina pública (leia-se, economizar) é consequência lógica considerar-se que o gestor é obrigado sempre a buscar formas de gerir mais eficientes, aí inclusa a ideia de alcançar os fins públicos no menor tempo possível e da maneira mais barata possível.

Parece-nos que, diante do que observamos hoje, sequer existe discricionariedade ao gestor público neste caso: entre dois caminhos a seguir, existe obrigatoriedade de escolha pelo mais eficiente.

Em nosso sentir, portanto, os agentes estatais não deveriam apenas tolerar as novas tecnologias e o trabalho em home office. Em verdade, em respeito à Constituição, há verdadeira obrigação em incentivar o uso dessas tecnologias de um modo geral.

A presença física e os atos presenciais é que parecem dever ser a exceção, mesmo após a pandemia.

Isso porque esses tempos difíceis escancararam de forma irrefutável todas as benesses do trabalho virtual: maior eficiência dos servidores, celeridade dos atos estatais (sejam administrativos, sejam judiciais), maior economia para o Estado, com menos ônus aos cofres públicos.

Portanto, parece-nos que a lógica aponta no sentido reverso do que ocorre hoje: não é o trabalho em home office que deveria ser autorizado em casos específicos; é o trabalho presencial que assim o deveria ser, tratado em verdade como exceção e desde que devidamente justificado, pois, ao permitir o trabalho de forma presencial, está-se permitindo gasto de dinheiro público, o que invariavelmente necessita de justificativa plausível para tanto.

Nassim Taleb, filósofo contemporâneo, no livro “Antifrágil”, constrói a ideia de “antifragilidade”, característica de um objeto imaginário que, submetido a agente estressores, não só não se desgastaria/lesionaria/prejudicaria, mas, em verdade, seria beneficiado por ele, evoluindo, a partir do caos. 

Para Taleb, são os momentos de estresse, desde que até certo nível, que permitem o ser humano crescer/desenvolver/evoluir. A pandemia, por exemplo, mostrou-se, nesse aspecto, um forte agente estressor, forçando a sociedade a adaptar-se e tornar-se mais eficiente; assim como o deve fazer o Estado.

Que o “novo normal”, quando tudo isso passar, traga-nos de volta os abraços e contatos presenciais de que tanto sentimos falta hoje, mas também nos deixe os benefícios e as oportunidades que a dificuldade e o caos nos evidenciaram como as ferramentas da modernidade em prol da eficiência no serviço público.

Dênis Lima de Oliveira - Procurador do Estado, MBA em Direito Tribuário pela FGV.

Leonardo Vieira de Souza  - Procurador do Estado, Mestrando em Direito pela UFMT e pela Universidade de Lisboa, Diretor da Escola da Advocacia Pública de Mato Grosso, Vice-Presidente da Comissão do Advogado Público da OAB/MT, advogado.

 





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