Opinião Sexta-Feira, 30 de Maio de 2025, 15h:36 | Atualizado:

Sexta-Feira, 30 de Maio de 2025, 15h:36 | Atualizado:

Adriane do Nascimento e Ederaldo José

Mato Grosso lidera as recuperações judiciais

 

Adriane do Nascimento e Ederaldo José Pereira

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adriane ederaldo

 

Segundo dados do Serasa Experian (2025), Mato Grosso é o Estado que apresenta o maior número de Recuperações Judiciais (RJ) para o setor do agronegócio desde 2021 – conforme demonstrado nos gráficos 1 e 2. Os dados do estudo realizado pelo Serasa Experian compreendem o período de 2021 ao primeiro semestre de 2024. Entre 2021 e 2022, cerca de 15 empresas entraram em recuperação judicial, em 2023, cerca de 40 empresas e, até o segundo trimestre de 2024, mais de 100 firmas.

Essa tendência de alta nos pedidos de recuperação judicial no agronegócio está diretamente relacionada a um conjunto de fatores que têm acentuado a vulnerabilidade econômica do setor. Entre os principais elementos, destacam-se o encarecimento do crédito, impulsionado pelas altas taxas de juros e pela restrição no acesso a financiamentos, especialmente para médios e pequenos produtores.

Além disso, a elevada alavancagem e o endividamento acumulado comprometem significativamente a sustentabilidade financeira das operações rurais, tornando a gestão do fluxo de caixa e o cumprimento de obrigações financeiras um desafio constante. Essa fragilidade é particularmente sensível em empreendimentos familiares, onde predominam práticas de gestão financeira informais ou pouco estruturadas, dificultando a previsibilidade e o planejamento estratégico. Agrava-se esse quadro com a crescente incidência de estratégias jurídicas oportunistas, nas quais a recuperação judicial é, por vezes, utilizada não como instrumento legítimo de reestruturação, mas como mecanismo para postergar ou inviabilizar o cumprimento de dívidas, desvirtuando sua finalidade.

Diante desse cenário, torna-se evidente a urgência de políticas públicas específicas e de reformas legislativas que contemplem a realidade do produtor rural contemporâneo.

É possível identificar em consulta ao Serasa Experian com os dados publicados que o Mato Grosso correspondeu a mais de 34% dos pedidos de recuperação judicial do agronegócio por pessoa física de 2021 ao primeiro semestre de 2024. Ademais, nota-se que a região Centro-Oeste também lidera tais pedidos.

A recuperação judicial é um instrumento jurídico previsto na Lei nº 11.101/2005 que visa a preservação da atividade econômica e a superação da situação de crise financeira enfrentada por empresas ou produtores rurais. Uma vez deferido o processamento da recuperação judicial, ocorre a suspensão automática das ações e execuções em curso contra o devedor pelo prazo de 180 dias, o chamado stayperiod.

Com o estabelecimento da nova Lei de Falências e Recuperação Judicial (Lei 14.112/2020), os produtores rurais passaram a figurar como as únicas pessoas físicas legalmente autorizadas a requerer recuperação judicial, ao lado das empresas. Essa possibilidade, entretanto, está atrelada à comprovação de pelo menos dois anos de atividade agrícola formal, a partir da apresentação de documentação como livro-caixa, registros contábeis e demais demonstrativos financeiros.

É importante destacar que nem todas as dívidas contraídas por produtores rurais estão sujeitas aos efeitos da recuperação judicial. Um exemplo notório são as Cédulas de Produto Rural (CPR), tanto aquelas com liquidação física (entrega do produto) quanto financeira (pagamento em dinheiro), as quais, por sua natureza específica, muitas vezes são excluídas do rol de créditos sujeitos à recuperação. Essas cédulas funcionam como instrumentos de financiamento vinculados à produção agropecuária, com garantias que podem ser extraconcursais.

Ao se analisar o panorama nacional, os dados relativos à recuperação judicial no agronegócio evidenciam um cenário particularmente preocupante. De acordo com levantamento da Serasa Experian, divulgado em abril de 2025, o número de pedidos de recuperação judicial no setor agropecuário — considerando tanto pessoas físicas quanto jurídicas— passou de 534 registros em 2023 para 1.272 em 2024, o que corresponde a um crescimento expressivo de 138% em apenas um ano.

O recorte específico das pessoas físicas acende um sinal de alerta ainda mais intenso. Nesse grupo, a quantidade de solicitações subiu de 127 casos em 2023 para 566 em 2024, configurando um crescimento de 345%. Tal elevação indica não apenas o agravamento das dificuldades financeiras enfrentadas por produtores individuais, mas também uma mudança estrutural no perfil do endividamento rural, sugerindo que a crise atinge diretamente a base produtiva da agricultura brasileira — muitas vezes composta por médios e pequenos produtores, menos protegidos frente à volatilidade de preços, às adversidades climáticas e à retração no crédito rural.

Diante de dados tão expressivos, o que permanece para a sociedade são questionamentos inquietantes: estamos, enquanto país, diante de uma crise estrutural?Que, embora não oficialmente declarada, se manifesta nas estatísticas, nas execuções judiciais e no colapso financeiro de milhares de produtores, afetando diretamente a base do modelo econômico que sustenta parte expressiva do PIB nacional. A recorrência e a intensidade dos pedidos de recuperação judicial podem ser tratadas como fenômenos pontuais e/ou isolados?Ou serem diagnosticadas como sintomas de um sistema produtivo exaurido e de políticas públicas desconectadas da realidade rural.

Essas perguntas, ainda que provocativas, são legítimas frente à escalada do endividamento, à judicialização em massa e à ausência de políticas públicas eficazes de prevenção e recuperação. O cenário demanda não apenas reflexão, mas ação concreta,coordenada e estrutural, sob pena de comprometer não só a sustentabilidade do agronegócio, mas a própria estabilidade econômica e social do país.

Por fim, é pertinente indagar se parte da crise enfrentada por propriedades rurais — muitas delas registradas em nome de pessoas físicas e administradas por estruturas familiares tradicionais — não decorre também de modelos de gestão obsoletos, resistências à modernização e, em alguns casos, práticas de gasto excessivo ou descontrole financeiro. Em um contexto de transformações rápidas no mercado agropecuário, tais grupos familiares, enraizados em métodos antigos, podem estar enfrentando dificuldades não apenas externas, mas também internas, resultando na deterioração gradual do próprio negócio

Naturalmente, a interpretação desse cenário pode variar conforme o ponto de vista do leitor — alguns identificarão falhas estruturais; outros, questões econômicas (efeitos inevitáveis de um sistema econômico instável). No entanto, independentemente da perspectiva adotada, o resultado concreto é o mesmo: a perda recai sobre a sociedade como um todo, pois o agronegócio — com todas as suas virtudes e contradições — continua sendo um dos principais motores econômicos do país, influenciando diretamente a balança comercial, o emprego, a arrecadação fiscal e o abastecimento interno.

Nestes dados disponíveis no Serasa experiam, pode se ter os dados consolidados dos pedidos de recuperação judicial no Brasil em 2024, com destaque para os dez estados com maior número de solicitações. Chama atenção, de forma disparada, a posição do Estado de Mato Grosso como líder em número de pedidos, o que suscita diversas questões e hipóteses interpretativas. A partir do segundo semestre de 2024, tornou-se recorrente no estado o fenômeno “quebra de safra”, o que tem sido apontado como uma das principais justificativas para o colapso econômico de diversas propriedades rurais.

Contudo, surge uma pergunta econômica essencial: como pode o maior produtor de grãos do Brasil — e que, se fosse um país, estaria entre os dez maiores exportadores de grãos do mundo — sofrer uma quebra de safra a ponto de comprometer a sustentabilidade financeira de tantas unidades produtivas? A resposta exige uma análise multifatorial, que envolva desde eventos climáticos extremos, falhas logísticas, endividamento estrutural, até aspectos ligados à gestão financeira deficiente e à dependência de monoculturas e mercados externos voláteis. O caso de Mato Grosso, nesse sentido, ilustra o paradoxo de um setor altamente produtivo, mas economicamente vulnerável a choques e desequilíbrios sistêmicos.

Com isso, retornamos às perguntas anteriormente levantadas: estaria faltando modernização na gestão das unidades familiares rurais? É admissível que propriedades que movimentam milhões — e até bilhões — em exportações permaneçam à deriva de políticas públicas instáveis, variações econômicas e decisões de governo? Um setor dessa magnitude precisa ter mecanismos próprios de proteção, governança e planejamento estratégico, que o tornem menos vulnerável aos ciclos políticos e às crises conjunturais.

Fica evidente, à luz de uma análise mais aprofundada e dos dados disponíveis, que diversos fatores contribuíram para o aumento expressivo dos pedidos de recuperação judicial no agronegócio mato-grossense. Embora a dimensão política não possa ser ignorada, ela não é, por si só, suficiente para explicar o fenômeno. De fato, o aspecto político talvez se manifeste mais fortemente na ausência de planejamento e estrutura de gestão nas unidades produtivas, refletindo falhas no campo econômico, contábil e jurídico.

O agronegócio brasileiro, historicamente mais resistente às crises nacionais e muitas vezes celebrado como o "ouro do Brasil", precisa compreender que sua sustentabilidade futura depende, cada vez mais, da adoção de práticas sólidas de governança agrícola. Planejamento estratégico, gestão de riscos, conformidade legal e transparência contábil não podem mais ser vistos como exceções ou exigências pontuais — devem constituir os pilares estruturantes da administração das propriedades rurais. Mais do que produzir em larga escala, é necessário administrar com eficiência, transparência e visão de longo prazo. A profissionalização da gestão rural, aliada à inovação tecnológica e à educação financeira dos produtores, pode ser o diferencial entre a continuidade sustentável e a falência repetida. Afinal, um país que tem no campo uma de suas maiores fortalezas não pode permitir que esse pilar desmorone por ausência de estrutura interna.

Autores:

Adriane A. B. do Nascimento é advogada e sócia-administradora da Sociedade de Advocacia Simões Santos, Nascimento e Associados. Especialista em Direito Societário, Direito do Trabalho e Direito Tributário, é Mestra em Economia, Políticas Públicas e Desenvolvimento pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), em Brasília/DF. É também registrada no Conselho Regional de Economia sob o nº 0001/MT..Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/8342944870714997.

Ederaldo José Pereira de Lima, Contador, Professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Mestre em Ciências Contábeis, registrado no Conselho Regional de Economia 2155/MT. Doutor em Ciências em Administração e Ciências Contábeis e Phd em Economia em andamento. Currículo Lattes: https://lattes.cnpq.br/8472740514304186.





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