Opinião Terça-Feira, 26 de Maio de 2020, 18h:04 | Atualizado:

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Leonardo Vieira

Moratória fiscal: o judiciário é o caminho das empresas na pandemia?

 

Leonardo Vieira

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Para os que não sabem, moratória é o instituto jurídico por meio do qual o Estado concede ao contribuinte uma dilação de prazo para pagamento dos seus débitos tributários.

Na onda da judicialização da crise, decorrente da pandemia do coronavírus, surgiram alguns questionamentos interessantes do ponto de vista jurídico.

Se os próprios entes públicos estão ajuizando ações e obtendo decisões judiciais favoráveis à suspensão do pagamento de débitos com outros entes, públicos ou privados, o mesmo direito não deveria ser concedido às pessoas jurídicas de direito privado? Afinal, não é a atividade econômica que gera renda e culmina com a tributação que preenche os cofres públicos? Não se deve preservar as empresas para progresso da nação?

Para responder a essas perguntas, é preciso esclarecer alguns pontos de como têm se comportado os entes federados no que tange à tributação.

A União, por diversos atos normativos, suspendeu prazos de processos administrativos tributários, suspendeu medidas de cobrança e negativação dos devedores, permitiu transação extraordinária com diferimento do pagamento da primeira parcela, prorrogou o prazo para entrega das declarações e escriturações de tributos federais, prorrogou o vencimento de contribuições previdenciárias, reduziu a zero alíquotas do IPI sobre insumos utilizado no combate à COVID-19, reduziu a zero alíquotas de IOF em caso de empréstimos e abertura de créditos, simplificou a solicitação de créditos junto a bancos públicos, suspendeu o recolhimento do FGTS pelos empregadores de março a maio de 2020, prorrogou prazo de validade de certidões de regularidade fiscal e prazo para adesão a programa de parcelamento.

Essas são apenas algumas das medidas com reflexos tributários implementadas pela União.

O Estado de Mato Grosso postergou o pagamento de IPVA, suspendeu prazos de processos administrativos tributários, isentou o ICMS nas doações de produtos para prevenção e combate à COVID-19, prorrogou prazo de vencimento das certidões de regularidade fiscal, prorrogou a data de entrega da escrituração fiscal digital, declaração de substituição tributária, diferencial de alíquota e antecipação, prorrogou o vencimento da parcela do ICMS no âmbito do SIMPLES, isentou de ICMS consumidor de baixa renda até 220kwh, suspendeu negativações de devedores.

Se as medidas são suficientes ou não, tudo indica que dependerá bastante de cada empresa, de cada ramo de atividade, da reação do mercado e da evolução da pandemia no Estado.

No Judiciário, já há diversas ações em que empresas sustentam ter direito à chamada moratória fiscal judicial. Por meio de decisão judicial, buscam o diferimento do pagamento dos tributos devidos ou mesmo de parcelamentos anteriormente efetivados.

Algumas liminares foram deferidas no Estado de São Paulo, por exemplo, mas logo foram suspensas pelo presidente do Tribunal de Justiça daquele Estado.

Do ponto de vista jurídico, detecto alguns percalços para êxito desse tipo de demanda judicial:

1) a moratória é um favor legal, instituído pelo ente público, não podendo o Judiciário decidir sobre as melhores opções legislativas;

2) a diminuição da atividade econômica, por si só, já gerará diminuição da arrecadação do ente público, pois, se as empresas faturarem menos, a tributação obrigatoriamente também será menor;

3) as moratórias eventualmente concedidas a empresas específicas pelo Poder Judiciário tem o condão de causar desequilíbrio no setor econômico, pois possibilitam que empresas em situações semelhantes sejam tratadas de modo distinto, umas sem ter que pagar tributos e outras com tal obrigação mantida (por isso que cabe ao Legislativo atuar nesta seara);

4) as medidas favoráveis ao Poder Público, em casos supostamente semelhantes, beneficiam a todos, universalmente, já que se resguarda a saúde financeira do ente federado;

5) não se pode dizer que os entes públicos têm sido omissos na questão tributárias, diante das medidas exemplificativamente acima expostas da União e de Mato Grosso.

Como base nessas premissas é que o Presidente do STF, Min. Dias Toffoli, em 11 de maio de 2020, suspendeu decisão judicial proferida pelo TJ/SP que diferia o pagamento de IPTU e ISS do Município de São Paulo. O ministro disse o seguinte:

“(...) não se ignora que a situação de pandemia, ora vivenciada, impôs drásticas alterações na rotina de todos, atingindo a normalidade do funcionamento de muitas empresas e do próprio poder público, em diversas áreas de atuação. Mas, exatamente em função da gravidade da situação, exige-se a tomada de medidas coordenadas e voltadas ao bem comum, não se podendo privilegiar determinado segmento da atividade econômica em detrimento de outro, ou mesmo do próprio poder público, a quem incumbe, precipuamente, combater os nefastos efeitos decorrentes dessa pandemia. Assim, não cabe ao Poder Judiciário decidir quem deve ou não pagar impostos, ou mesmo quais políticas públicas devem ser adotadas, substituindo-se aos gestores responsáveis pela condução dos destinos do Estado, neste momento.”.

O ministro do STF afirmou ainda que "não cabe ao Poder Judiciário decidir quem deve ou não pagar impostos, ou mesmo quais políticas públicas devem ser adotadas, substituindo-se aos gestores responsáveis pela condução dos destinos do Estado, neste momento".

O Presidente do TJ/SP proferiu decisão semelhante, argumentando, inclusive, que a intenção dos magistrados que proferiram as liminares teria sido a melhor possível, mas ratificando que a coordenação, a ser exercida pelo Poder Executivo, é imprescindível (Processo nº 2066138-17.2020.8.26.0000).

É importante destacar, ainda, que realmente cabe ao Judiciário corrigir eventuais distorções em face da insuficiência da prestação estatal nos deveres de proteção, mas isso não significa que se deve exigir do Estado a melhor prestação possível. A subjetividade dessa percepção, por si só, já afasta a possibilidade de o Judiciário se tornar o responsável por tal definição.

Para finalizar, deixo uma pitada de pimenta no debate.

Já há, em Mato Grosso, empresas requerendo judicialmente a concessão do diferimento do pagamento de tributos estaduais, mesmo tendo vivenciado aumento nos seus resultados comerciais, notadamente pelo incremento do e-commerce, setor beneficiado com a pandemia e o isolamento social.

As medidas do Estado, apesar de amplas, podem até ser criticadas, melhorias podem ser questionadas, mas a busca pelo Judiciário, em vez de trazer pacificação social com justiça, pode conduzir à acentuação do desequilíbrio econômico.

Afinal, até na pandemia, sempre alguém se acha mais esperto...

Leonardo Vieira é Procurador do Estado, advogado, professor de Direito Tributário, mestrando pela UFMT e pela Universidade de Lisboa.

 





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