Como a conclusiva decisão de Odin, deus nórdico, a justiça infere que o ex-governador, acusado de uma sorte de desmandos, não deve ser retido no presídio do Carumbé, pois correria risco de retaliações de presos - principalmente envolvidos por problemas com drogas. No final da construção de motivos, a juíza Selma de Arruda, carimba o epígrafe: cumpra-se. É essa a ordem, como de um deus, que só pode ser reformada por um deus superior. E tem sentido: juízes, vez por vezes, costumam passar a sociedade a concepção de que são deuses, aliás, que são aquele onisciente, justo e impávido Deus, o do Abraão.
Na sua erudição, na comum e extrema prática de prolixidades gramaticais, a juíza – e a justiça, pela ordem – dá ao ex-governador, e tem dado a tantos e tantos mais – o tratamento diferenciado, na contramão do que insculpe as letras sobre a nossa paridade perante a lei. Neste interim, Silval Barbosa, um dos milhares de exemplos da aplicabilidade frouxa e estulta da justiça – está bem conservado por bombeiros, agentes especialistas na salvo-guarda, na proteção, na prevenção de sinistros ... É uma estranha prisão: glamorosa, chique, havemos de convir. Nesse mesmo aposento esmerado, onde poderá em sossego mental contabilizar o vil metal retirado dos contribuintes, já esteve a sua esposa, Roseli Barbosa, também acusada de ser amiga do alheio, acudida por bombeiros virtuosos por alguns poucos dias, até ver raiar a liberdade no horizonte do Estado.
A justiça (?) tem suas razões nessa abstrata leitura de interpretações no que concerne a diferenciação de estirpes, entre o Barbosa e os “Silva”, que aos montes se apinham, pretos, putos, pobres ou desvalidos, nas celas dos Carumbés da vida. Enquanto um tal delinquente purga por ter subtraído uma bolsa com celular e algumas notas de vinte, Silval rouba [ou roubou] vidas, pelo desvio na saúde, rouba sonhos pelos desvios das verbas da Educação, rouba orgulho, pelas obras da Copa sobreprecificadas, rouba a tranquilidade pelo nada na segurança pública. Silval, a dona Selma e os Silva são o modelo maior e diferenciado dos que nascem pro nada e dos que nascem pro tudo.
Os Silva presos e agoniados nos insalubres metros quadrados das cadeias e os Silval sob o zelo de guardiãs herméticos são a mais justa falta respeito, como é isso tudo a mais justa das injustiças.
Jorge Maciel é Jornalista em Cuiabá
Thiago Jose
Sexta-Feira, 18 de Setembro de 2015, 13h38