Defender a preservação ambiental, por um lado, ou priorizar os interesses do agronegócio, por outro, não é a única diferença entre deputados federais ambientalistas e ruralistas que disputam as eleições de 2022. Além de mais endinheirados, os políticos que atuam a favor do agronegócio na Câmara enriqueceram sete vezes mais que os ambientalistas nos últimos quatro anos.
Os 20 deputados que mais votaram contra o meio ambiente e os povos tradicionais na atual legislatura declararam à Justiça Eleitoral um crescimento patrimonial de R$ 10,6 milhões ao todo desde 2018, enquanto os 20 mais favoráveis à agenda socioambiental enriqueceram R$ 1,5 milhão no mesmo período. Na média, cada deputado ruralista acumulou R$ 532 mil nos últimos quatro anos, ante R$ 74 mil dos ambientalistas.
Para considerar os 20 deputados mais ruralistas e os 20 mais ambientalistas, a reportagem usou como base o Ruralômetro 2022, ferramenta desenvolvida pela Repórter Brasil que analisa a atuação dos parlamentares diante de votações e projetos de lei que impactam, positiva ou negativamente, o meio ambiente, trabalhadores rurais, indígenas e outras comunidades tradicionais.
O patrimônio total dos 20 deputados ruralistas é de R$ 28 milhões (R$ 1,4 milhão na média), enquanto o dos 20 ambientalistas é de R$ 12,2 milhões (R$ 614 mil na média)
As profissões informadas por esses políticos também se diferem entre os dois grupos. Metade dos 20 deputados mais mal avaliados pelo Ruralômetro são servidores da segurança pública, como policiais e militares. Já no outro grupo as principais ocupações são professores, advogados e agricultores.
Acompanhar a evolução de bens é importante para o eleitor conhecer os candidatos, dizem especialistas ouvidos pela Repórter Brasil. Um dos pontos de atenção é observar se os ganhos ficam muito acima dos salários pagos pela Câmara, pois isso pode indicar que os negócios particulares e as aplicações financeiras do deputado são mais importantes financeiramente do que sua atuação parlamentar.
“Se for uma variação patrimonial muito acima daquilo que recebeu, dá pra ter a percepção da movimentação financeira que o político fez nos quatro anos”, diz Luciano Caparroz, advogado especializado em direito eleitoral.
O salário de um deputado federal é de R$ 33.763, totalizando ganhos de R$ 1,5 milhão ao fim do mandato, fora os benefícios.
“No Brasil, quanto mais dinheiro você tem, mais você faz. Mas quem é que multiplica seu patrimônio numa crise dessa?”, questiona Carmela Zigoni, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).
O ruralista e o assentado
Em critérios de multiplicação de bens, ninguém se destaca mais do que o deputado Alceu Moreira (MDB-RS), que já foi presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária e é um dos deputados mais antiambientais da Câmara, segundo o Ruralômetro. Entre 2018 e 2022, seus bens saltaram de R$ 2,7 milhões para R$ 7,8 milhões – avanço de R$ 5,1 milhões, o maior dentre os 40 parlamentares analisados.
Mais de 42% de seu patrimônio se concentra em participação societária na empresa AMS Holding LTDA, que ainda está em constituição, não aparece na base da Receita Federal e cujo ramo de atuação o parlamentar não informa, mesmo após ser questionado pela Repórter Brasil.
Moreira declarou ao TSE também a posse de imóveis, terrenos e aplicações financeiras, mas deixou de informar sua sociedade na RL Construtora Incorporadora, que tem sede em Osório (RS) e capital social de R$ 60 mil. As informações constam do site da Receita Federal e foram obtidas por meio do Cruzagrafos, plataforma de dados da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).
O deputado disse à reportagem, inicialmente, que seus “bens e recursos são todos legais, adquiridos com o trabalho e declarados”. Após novo questionamento, sua assessoria afirmou que a declaração prestada “não está correta” e que ajustes foram solicitados à Justiça Eleitoral. Além disso, informou que a sociedade na empresa RL Construtora e Incorporadora ocorreu este ano, por isso não consta na base de bens do candidato. “Não foi por omissão ou por não ter declarado.”
Nos últimos meses, o deputado foi um dos nomes mais atuantes na defesa do biodiesel, setor que lhe rendeu doações de R$ 90 mil, ao todo, de dois empresários do ramo. A Repórter Brasil perguntou ao candidato se as doações recebidas têm relação com sua atuação no setor, mas o deputado respondeu apenas que “as doações foram espontâneas”.
Enquanto Moreira, autodeclarado comerciante, registrou ganhos milionários em quatro anos, o deputado João Daniel (PT-SE), por outro lado, informou ao TSE não possuir qualquer patrimônio neste ano.
Com atuação considerada positiva para a agenda socioambiental, Daniel declarou em 2018 R$ 48 mil em bens, a maior parte referente a um carro. Procurado pela reportagem, o deputado não respondeu o que aconteceu com seus recursos pessoais.
Conhecido por sua atuação sindical, Daniel é filho de pequenos agricultores, ajudou a fundar o Movimento Sem Terra em diversas partes do país, inclusive em Sergipe, estado que o elegeu, e é assentado rural. Em todas as eleições que concorreu, o candidato apresentou um patrimônio baixo. Em 2010, o candidato declarou 6 hectares em um assentamento, no valor de R$ 1, e, em 2014, não declarou patrimônio.
11.000% mais rico
Dentre os candidatos analisados, Nelson Barbudo (PL-MT) teve o maior crescimento percentual de patrimônio. Nas eleições de 2018, quando se elegeu pela primeira vez para a Câmara, o deputado declarou apenas uma carreta reboque de R$ 2.500. Agora, Barbudo informa R$ 285 mil em bens – com casa, aplicações financeiras e empréstimos, além da carreta –, um crescimento acima de 11.000%.
Apesar de se declarar produtor agropecuário e ser atuante na bancada ruralista da Câmara, o candidato não tem empresa rural em seu nome. Nas eleições de 2012, o parlamentar declarou uma propriedade rural, mas afirma que a vendeu. “Hoje eu só tenho terra debaixo da unha”, disse à Repórter Brasil.
Apesar disso, um irmão de Barbudo admitiu em 2018 que o deputado tinha uma fazenda estimada em R$ 4 milhões no início daquele ano. Em entrevista à TV Cidade Verde, Norberto Previdente afirmou que a propriedade não era mais do deputado, pois a havia vendido, mas depois ele se corrigiu e informou que “o negócio foi desfeito”. Porém, a fazenda não apareceu na declaração de bens do político na eleição passada. O parlamentar foi questionado sobre o assunto, mas afirmou que a última propriedade rural em seu nome foi vendida em 2006. Em outra reportagem da Repórter Brasil, informou outro ano de venda, 2009.
Hoje, a maior parte do patrimônio de Barbudo está concentrada em um empréstimo de R$ 140 mil concedido pela Agropecuária Netinho Ltda., empresa de bovinos para corte e produção de leite criada um ano após ser eleito deputado, cujos sócios são o irmão e duas filhas do candidato.
Carmela Zigoni, do Inesc, afirma que é comum os candidatos doarem seus bens para cônjuges, filhos ou outros membros da família por dois motivos: não passar a impressão de ser muito rico e, assim, poder se aproximar do eleitorado, ou então evitar que todos seus bens sejam bloqueados, caso sofra alguma ação judicial.
“Se você me pesquisou, você sabe porque que meu patrimônio aumentou. Eu recebo R$ 33 mil [por mês]. Eu não sou petista ladrão, você entendeu? Essa pergunta você não podia nem ter me feito”, esbravejou Barbudo, ao ser questionado sobre seu patrimônio. Ele diz usar parte do salário para fazer investimentos.
O deputado lidera o ranking de pior avaliação no Ruralômetro. Na atual legislatura, o parlamentar apresentou ao menos oito projetos de lei desfavoráveis ao meio ambiente e votou de forma desfavorável aos direitos dos povos indígenas, tradicionais, trabalhadores rurais e causas ambientais em 19 de 24 votações cruciais para a agenda socioambiental.
Mais fazendas
Outro deputado que acumulou ganhos superiores ao salário como parlamentar foi Lucio Mosquini (MDB-RO). Entre 2018 e 2022, registrou um crescimento patrimonial de R$ 1,7 milhão, passando de R$ 4,1 milhões para R$ 5,8 milhões em bens.
A principal diferença entre os patrimônios foi a compra de três lotes rurais, avaliados em mais de R$ 2,4 milhões. Segundo sua assessoria, o salário na Câmara não é a única fonte de renda do deputado. “Ele é produtor rural. Na área de cria, recria e engorda de bovinos e planta lavoura de arroz e milho”. Além disso, afirmou que a evolução se deve também a investimentos em máquinas agrícolas financiadas pelo banco, “conforme declaração do imposto de renda”. Diferentemente do apresentado em 2018, não foi possível localizar financiamento ou cabeças de gado em sua declaração de bens ao TSE neste ano.
Mosquini é o segundo pior candidato para a agenda socioambiental, segundo o Ruralômetro, além de membro atuante na bancada ruralista. Ele é autor do projeto 195/2021, que pode permitir a agricultores familiares a extração de madeira de suas reservas ambientais anualmente sem necessidade de autorização.
Em campanha estadual
Um dos 20 parlamentares ruralistas e outro do grupo de 20 ambientalistas tentam se eleger governadores neste ano. Além de uma atuação parlamentar distinta quanto a temas socioambientais, seus patrimônios declarados também são.
Considerado pelo Ruralômetro o 5º deputado mais antiambiental da Câmara, Major Vitor Hugo (PL-GO) informou patrimônio de quase R$ 1,5 milhão agora, um salto de R$ 156 mil comparado a 2018. Ele é o candidato de Bolsonaro para o governo de Goiás.
Já o deputado Marcelo Freixo (PSB-RJ), candidato apoiado por Lula ao governo do Rio de Janeiro, declarou R$ 79 mil em bens este ano, um acúmulo de R$ 65 mil nos últimos 4 anos. Sua evolução patrimonial foi 59% menor em comparação à de Vitor Hugo.
Líder do governo na Câmara até 2020, Major Vitor Hugo foi beneficiado com pelo menos R$ 137 milhões em emendas do orçamento secreto, enviadas para aliados em Goiás. O deputado também era crítico ao aumento do fundo eleitoral para R$ 5 bilhões, mas decidiu usar R$ 7 milhões na campanha. O candidato teve 18 votos contrários ao meio ambiente, causas indígenas e trabalhadores do campo na atual legislatura, segundo o Ruralômetro. Ele foi procurado pela reportagem, mas não atendeu o pedido de entrevista.
Também em seu primeiro mandato na Câmara dos Deputados, Freixo foi autor de 22 projetos considerados positivos para a agenda socioambiental, como a iniciativa que prevê responsabilizar causadores de incêndios florestais e que suspende os efeitos de um decreto do governo federal que simplificou o registro de agrotóxicos no Brasil.
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