As alegações apresentadas pelo médico pediatra Afonso Carlos Vilela, morador de Rondonópolis (212 km de Cuiabá), relatando ser idoso, doente e sem condições físicas para trabalhar, não comoveram a juíza Célia Regina Vidotti, responsável por julgar procedente uma ação civil pública pedindo a nulidade de atos que efetivaram o médico como servidor público do Estado e permitiram que ele se aposentasse em outubro de 2019. Buscas efetuadas na internet sugerem que o médico continua atendendo na área de pediatria em Rondonópolis, em consultório particular.
A magistrada declarou nulos os atos de enquadramento, progressão, transposição ou incorporação na carreira e aposentadoria e mandou o Estado suspender o pagamento ao ex-servidor. Mas, na prática, isso só será efetivado quando a sentença transitar em julgado, o que pode demorar vários anos diante de uma série de recursos que o médico poderá interpor em diferentes instâncias do Poder Judiciário até chegar ao Supremo Tribunal Federal (STF).
O ato concedendo aposentadoria por tempo de contribuição ao médico foi publicado pelo governador Mauro Mendes (DEM) e pelo diretor-presidente do MT Prev, Elliton Oliveira Souza, em 7 de outubro de 2019. Conforme o documento, o servidor foi “estabilizado constitucionalmente” no cargo de profissional técnico de nível superior –servidor da Saúde SUS. Também foi informado que Vilela contabilizou 35 anos, 11 meses e 8 dias de tempo de contribuição, contados até o dia 7 de outubro de 2019.
A ação foi ajuizada pelo Ministério Público Estadual (MPE) em novembro de 2019 pedindo a declaração judicial de nulidade absoluta dos atos administrativos eivados de inconstitucionalidade que beneficiaram o servidor contratado pela primeira vez, pelo Instituto de Previdência do Estado de Mato Grosso (Ipemat) em 30 de outubro de 1984, para o cargo de médico, na agência de Rondonópolis.
Depois, ele obteve a estabilização extraordinária, e conseguiu a transposição do cargo de profissional de nível Superior do SUS, para o cargo “profissional técnico de nível superior de Serviços de Saúde do SUS. “Percebe-se que jamais poderia ser agraciado com a estabilidade extraordinária, uma vez que, quando da promulgação da Constituição Federal, em 05.10.1988, não contava com mais de cinco (05) anos de efetivo exercício no serviço público, o que não permitiria a sua estabilização extraordinária. Ainda, se não bastasse a estabilidade ilegal, o requerido Afonso foi agraciado com progressão na carreira, por meio transposição de cargo, o que é permitido apenas para servidores que ingressaram no serviço público, mediante concurso público”, sustentou o MP na peça inicial.
Em outro trecho da ação, o Ministério Público enfatizou que de de igual forma, declarada a nulidade do processo de estabilização e ausente os requisitos para tanto, a aposentação do servidor no cargo de profissional técnico de nível superior de Serviços de Saúde do SUS, resta também contaminada.
DEFESAS
O Estado e o servidor, ambos réus na ação, apresentaram defesa e pediram que fosse julgada improcedente. O Estado citou a impossibilidade de anulação do ato que concretizou a aposentadoria do médico. Afirmou ainda que eventual anulação da aposentadoria acarretará o enriquecimento ilícito do erário, na medida em que o servidor, embora estabilizado no serviço público de forma contrária à Constituição Federal, efetivamente, contribuiu com a previdenciária própria durante mais de 30 anos.
Afonso Vilela afirmou que o ato de estabilização foi decorrente de regular processo administrativo, não sendo ele quem deu causa ao alegado erro, mas sim, o “poder público”, que permitiu que ele continuasse trabalhando por 34 anos.
Discorreu acerca do princípio da segurança jurídica e da ausência de dano ao erário, que obriga a convalidação dos atos administrativos questionados. E por fim, pontou que já se encontra aposentado, acometido por sequelas devido a “Síndrome de Guillain-Barré”, sem condições físicas para exercitar a função de médico, ou qualquer outra capacidade laboral.
APOSENTADORIA ANULADA
Em sua decisão, assinada no dia 2 deste mês, a juíza Célia Vidotti deu razão ao Ministério Público. “No tocante a alegação do requerido Afonso Carlos Vilela de que é idoso, enfermo, sem condições físicas para trabalhar, sendo a pensão recebida a sua única fonte de renda, infelizmente, apesar de delicada a sua condição, esta não pode servir de amparo à manutenção de ato ilegal e inconstitucional, declaradamente nulo, uma vez que este não pode ser convalidado”, contrapôs a magistrada.
“Diante do exposto, julgo procedentes os pedidos iniciais para, diante da flagrante inconstitucionalidade, declarar a nulidade do Decreto nº. 439, de 13/06/2011, que concedeu indevidamente, a estabilidade extraordinária no serviço público ao requerido Afonso Carlos Vilela e ainda; declarar nulo os atos administrativos subsequentes, que lhes concederam enquadramento, progressão, transposição ou incorporação na carreira, especialmente o Ato Administrativo nº 4.301/2019, que culminou com a aposentadoria do requerido no cargo Profissional Técnico de Nível Superior de Serviços de Saúde do SUS”, consta na decisão.
Vão devolver as contribuições?
Sexta-Feira, 13 de Agosto de 2021, 14h57