O corregedor-geral do Ministério Público de Mato Grosso (MPMT), João Augusto Veras Gadelha, publicou uma recomendação que pode beneficiar réus que foram condenados na Justiça Penal com acordos mesmo sem confissão. Segundo a recomendação conjunta 001/2025/CGMP/PJCE, aqueles que foram condenados na justiça, cujos processos ainda não transitaram em julgado - quando a possibilidade de recurso é ainda mais limitada -, poderão realizar Acordos de Não Persecução Penal (APP).
Os APPs são uma medida que beneficia os réus em troca de penalidades “mais brandas”, desde que cumpridos certos requisitos, como não cometer infrações penais com violência ou grave ameaça, com pena mínima inferior a 4 anos. Na recomendação, o corregedor-geral do MPMT cita entendimentos dos tribunais superiores, STF e STJ, que admitem a possibilidade do APP em ações penais que não tenham transitado em julgado, mesmo iniciadas antes do ano de 2020.
O marco temporal de 2020 refere-se ao “Pacote Anticrime” (Lei nº 13.964/2019), com vigência a partir de 23 de janeiro de 2020, que implementou diversas mudanças no Código Penal, entre elas, a previsão de acordo de não persecução penal. “Observem as diretrizes fixadas pelo Supremo Tribunal Federal no HC 185.913 e pelo Superior Tribunal de Justiça no Tema 1.098 no sentido de que é cabível celebração de Acordo de Não Persecução Penal nos processos penais que se encontravam em andamento quando da entrada em vigor da Lei nº 13.964/2019, mesmo se ausente confissão do réu e desde que o pedido seja feito antes do trânsito em julgado”, diz trecho da recomendação do MP.
Especialistas veem com cautela as mudanças trazidas para os APPs, principalmente na “avalanche” de recursos que podem ser ingressados em milhões de processos que já possuem condenação. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), um levantamento produzido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a pedido do STF mostra que quase 1,7 milhão de ações penais podem ser afetadas pela decisão que garantiu retroatividade aos ANPP.
Na primeira instância do Judiciário, 1.573.923 processos iniciados antes da entrada em vigor da lei se enquadram nos requisitos do acordo e ainda aguardam sentença. Há ainda 101 mil processos na segunda instância do Judiciário e 20.117 processos tramitando perante os Tribunais Superiores.
Não há dados disponíveis sobre o número de processos que podem utilizar a retroatividade dos acordos de não persecução penal no Poder Judiciário de Mato Grosso.
RECOMENDAÇÃO CONJUNTA Nº 001/2025/CGMP/PJCE
Assunto: Dispõe sobre celebração de Acordo de Não Persecução Penal nos processos penais em andamento quando da entrada em vigor da Lei nº 13.964/2019.
O Corregedor-Geral do Ministério Público do Estado de Mato Grosso e titular da Procuradoria de Justiça Criminal Especializada, no uso das atribuições que lhes são conferidas pelo artigo 37, inciso VIII, da Lei Complementar Estadual nº 416/2010 e artigo 4º, IX, da Resolução nº 236/2022-CPJ;
CONSIDERANDO que a Lei nº 13.964/2019, conhecida como "Pacote Anticrime", inseriu no Código de Processo Penal o art. 28-A, que disciplina o Acordo de Não Persecução Penal - ANPP, com vigência a partir de 23.01.2020;
CONSIDERANDO que o Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal no julgamento do HC 185913/DF, datado de 18/09/2024, decidiu ser "cabível a celebração de Acordo de Não Persecução Penal em casos de processos em andamento quando da entrada em vigência da Lei nº 13.964, de 2019, mesmo se ausente confissão do réu até aquele momento, desde que o pedido tenha sido feito antes do trânsito em julgado";
CONSIDERANDO que na mesma decisão o Supremo Tribunal Federal assentou que nos processos penais em andamento na data da proclamação do referido julgamento nos quais, em tese, afigure-se cabível a celebração de ANPP, " se este ainda não foi oferecido ou não houve motivação para o seu não oferecimento, o Ministério Público, agindo de ofício, a pedido da defesa ou mediante provocação do magistrado da causa, deverá, na primeira oportunidade em que falar nos autos, após a publicação da ata deste julgamento, manifestar-se motivadamente acerca do cabimento ou não do acordo";
CONSIDERANDO que a Suprema Corte definiu ainda que o teor do julgamento em tela "não afeta, em nenhuma medida, as decisões já proferidas e, ainda, que a deliberação sobre o cabimento, ou não, do ANPP deverá ocorrer na instância em que o processo se encontrar";
CONSIDERANDO que em perfilamento à aludida decisão do Supremo Tribunal Federal, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça ao analisar o Tema 1.098 dos recursos repetitivos, fixou as teses de que o ANPP constitui negócio jurídico instituído por norma de natureza processual, mas que também possui caráter material em razão da previsão de extinção da punibilidade de quem cumpre os deveres nele estabelecidos, e que diante dessa natureza híbrida, ao ANPP deve se aplicar o "princípio da retroatividade da norma pena benéfica (art. 5º, XL, da CF), pelo que é cabível a celebração de Acordo de Não Persecução Penal em casos de processos em andamento quando da entrada em vigor da Lei n. 13.964/2019, mesmo se ausente confissão do réu até aquele momento, desde que o pedido tenha sido feito antes do trânsito em julgado da condenação";
CONSIDERANDO que no mesmo julgamento, o Superior Tribunal de Justiça fixou a tese de que "nos processos penais em andamento em 18/09/2024 (data do julgamento do HC n. 185.913/DF, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal), nos quais seria cabível em tese o ANPP, mas ele não chegou a ser oferecido pelo Ministério Público ou não houve justificativa idônea para o seu não oferecimento, o Ministério Público, agindo de ofício, a pedido da defesa ou mediante provocação do magistrado da causa, deverá, na primeira oportunidade em que falar nos autos, manifestar-se motivadamente acerca do cabimento ou não do acordo no caso concreto";
CONSIDERANDO os princípios do duplo grau de jurisdição, da ampla defesa e do contraditório, e ainda a necessidade de implementação de atuação institucional uniforme;
CONSIDERANDO que a Corregedoria do Ministério Público do Estado de Mato Grosso é o órgão da administração superior encarregado da orientação e fiscalização das atividades funcionais e da conduta de seus integrantes, nos termos do art. 32 da Lei Complementar nº 416/2010, e que a Procuradoria de Justiça Criminal Especializada tem atribuição de recomendar providências e baixar orientações sem caráter normativo aos órgãos de execução, RESOLVE:
Art. 1º. Recomendar a todos os membros do Ministério Público do Estado de Mato Grosso que:
I - Observem as diretrizes fixadas pelo Supremo Tribunal Federal no HC 185.913 e pelo Superior Tribunal de Justiça no Tema 1.098 no sentido de que é cabível celebração de Acordo de Não Persecução Penal nos processos penais que se encontravam em andamento quando da entrada em vigor da Lei nº 13.964/2019, mesmo se ausente confissão do réu e desde que o pedido seja feito antes do trânsito em julgado;
II - Nos feitos que se amoldarem à situação referida no inciso "I" e que se encontrem em curso na primeira instância ou ainda na segunda instância em sede de competência originária, manifestem, na primeira oportunidade em que falar nos autos, motivadamente sobre o acordo de Acordo de Não Persecução Penal, oferecendo-o ou justificando seu não oferecimento;
III - Nos feitos que se amoldarem à situação referida no inciso "I" e que se encontrem na segunda instância em sede recursal, manifestem, na primeira oportunidade em que falar nos autos, motivadamente sobre a viabilidade, em tese, do Acordo de Não Persecução Penal, com a adoção de providências para que o membro que oficia perante a primeira instância, ofereça o Acordo de não Persecução Penal ou justifique seu não oferecimento;
Art. 2º Esta Recomendação entrará em vigor na data de sua publicação
Cuiabá, data da assinatura digital.
JOÃO AUGUSTO VERAS GADELHA
Corregedor-Geral do MPMT
Titular da Procuradoria de Justiça Criminal Especializada