A juíza da 11ª Vara Cível de Cuiabá, Sinii Savana Bosse, condenou no dia 24 do mês passado o ex-vereador por Cuiabá, Ralf Leite (PV), a pagar R$ 30 mil ao policial militar Uanderlei Benedito da Costa. A condenação é referente a danos morais.
Uanderlei é um dos policiais que abordou Ralf na região do “Zero Quilômetro”, em Várzea Grande, no dia 6 de fevereiro de 2010. Na ocasião, de acordo com os PMs, o então parlamentar cuiabano estava praticando atos libidinosos em companhia de um travesti menor de idade.
Na petição em que pediu ressarcimento moral, Uanderlei deu detalhes do dia do fato. "Realizava rondas pela região do Zero Quilômetro quando flagramos um veículo Pajero Full parado em condição suspeita. No carro, o policial encontramos o ex-vereador com a calça abaixo do joelho e com a genitália a mostra sem CNH e apresentando sinais de alcoolismo”, comenta.
Uanderlei relatou que, diante da situação, encaminhou Ralf Leite ao 4º Batalhão. No local, o ex-vereador ameaçou e chamou o policial para a briga.
Pelo constrangimento, o policial pediu R$ 465 mil por danos morais a honra, dignidade e imagem pessoal. Já Ralf Leite representou contra o policial na Corregedoria da Polícia Militar.
Ele alegou que o flagrante foi armado pela guarnição comandada por Uanderlei. O então parlamentar contou que estava trafegando pela avenida da FEB quando foi abordado pela viatura.
Na sequência, ele foi encaminhado a região do Zero Quilômetro, onde foi colocado uma prostituta e um travesti no veículo. A equipe policial teria pedido R$ 600 para poder liberá-lo da situação.
ANGÚSTIA E TRISTEZA
Na decisão em que condenou Ralf Leite, a magistrada destaca que a Corregedoria da PM absolveu o soldado da denúncia de Ralf Leite. "Foi concluído a inexistência de indícios de crime de natureza militar ou comum em face do sindicado e tampouco houve o cometimento de transgressão disciplinar militar que lhe possa ser atribuída", destaca.
Sinii Savana Bossi também comenta que a postura de Ralf Leite"trouxe danos irreparáveis ao autor, demonstrando claramente que o réu agiu com a intenção de macular a imagem e a honra do policial, causando-lhe angústia e tristeza, além de dissabores no seu cotidiano". Ela optou por julgar parcialmente a indenização, pois reduziu o pedido inicial de R$ 465 mil para R$ 30 mil.
Diante do flagrante com travesti, Ralf Leite chegou a ser cassado em agosto de 2009. No entanto, em 2012, uma decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) determinou que ele reassumisse o cargo.
ÍNTEGRA DA DECISÃO
Uanderlei Benedito da Costa, qualificado nos autos, ajuizou Ação de Indenização por Danos Morais em desfavor de Ralf Rodrigo Viegas da Silva, igualmente qualificado, alegando que é servidor público da Polícia Militar do Estado de Mato Grosso e, estava fazendo diligência noturna na região do Posto Zero – Bairro Potiguar, Várzea Grande, no dia 6.2.2008, quando se deparou com o veículo Mitsubishi Pajero Full e verificou que no interior do carro havia duas pessoas, o menor Daivid (travesti) e o requerido, este flagrado com a calça abaixada pela altura do joelho e com a genitália á mostra, sem a CNH, apresentando sintomas de alcoolismo. Se apresentou como soldado do Corpo de Bombeiros e, ao verificar que a documentação estava sendo checada via Ciosp e o Auto de Infração sendo confeccionado, alterou-se e passou a ameaçar a guarnição.
Assegura que ao verificar a complexidade do caso, ele e seu parceiro imediatamente informaram a situação ao seu oficial superior, tendo este determinado o encaminhamento até a guarnição do 4º Batalhão da PM, onde o réu se recusou a fazer o teste de alcoolemia, tendo ele tentado inverter a situação constrangedora em que havia se envolvido, chamando a GU para a briga e, diante da situação e presença do genitor do réu e advogados, o comandante do 4º Batalhão, via telefone, ordenou o encaminhamento ao Cisc do Parque do Lago, onde foram efetuados os procedimentos.
Aduz que sofreu danos à imagem, honra e dignidade, inclusive pela publicidade da difamação, calúnia e injúria, pelo que requer seja o requerido condenado ao pagamento de 1000 salários mínimos, equivalente a R$ 465.000,00 (quatrocentos e sessenta e cinco mil reais), por danos morais á honra, dignidade e imagem pessoal e ainda, ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios.
Com a inicial vieram os documentos de fls. 21//86.
À fl. 87 foram concedidos os benefícios da justiça gratuita.
A contestação e documentos foram apresentados (fls. 93/112), tendo a parte ré afirmado que no dia 6.2.2009, aproximadamente às 4h40min, quando trafegava pela Avenida da Feb, Várzea Grande, foi abordado pela viatura da Polícia Militar do Estado de Mato Grosso, sendo que o policial Fabio pediu que saísse do carro para que pudesse ser revistado, solicitou a carteira de habilitação e o autor, usando de termos/gírias, solicitou R$ 600,00 (seiscentos reais) para liberá-lo, denominando-o de "Playboy".
Assevera que apesar de explicar que era um ex-policial militar e vereador do Município de Cuiabá, os policiais o levaram para o 4º Batalhão da Polícia Militar da cidade de Várzea Grande, sendo que nesse local presenciou a abordagem de outra pessoa que não soube identificar se era uma prostituta ou um travesti, que também foi conduzida na viatura da polícia para o Cisc do bairro Parque do Lago, naquele Município.
Assegura que os policiais tentaram tirar proveito da situação tentando extorquir-lhe, porém, diante da negativa de pagamento da extorsão, armaram uma situação dizendo que teria sido “pego” com o travesti e em prática de sexo oral em via pública, pugnando pela improcedência da ação, com a condenação do autor ao pagamento de despesas processuais e honorários advocatícios.
A impugnação à contestação veio às fls. 116/123.
A audiência de instrução e julgamento foi realizada (fls. 164/166), ocasião em que foi colhido o depoimento de uma testemunha arrolada pelo autor e dispensada a prova requerida pelo réu, concedendo prazo às partes para a apresentação de memoriais.
As alegações finais foram juntadas às fls. 167//168 e 169/183.
É o relatório.
Decido.
Uanderlei Benedito da Costa pretende ser ressarcido por supostos danos morais ocasionados por Ralf Rodrigo Viegas da Silva, cingindo-se a controvérsia em saber se houve danos à imagem, honra e dignidade do requerente.
O autor afirma que em razão de proceder à abordagem do requerido, no dia 6 de fevereiro de 2008, quando fazia diligência noturna na cidade de Várzea Grande, foi acusado pelo réu de praticar extorsão por lhe pedir dinheiro para se liberado, conforme se vê do boletim de ocorrência de fls. 24/25.
Verifica-se que em razão do episódio foi instaurado procedimento disciplinar contra o autor, pela instituição da Polícia Militar, a fim de se apurar o cometimento de eventual crime (fls. 30/34, 64/67, 74/79 e 82/86), além serem os fatos divulgados em sites da internet e jornal (fls. 36/54), dando conta de suposta ilicitude cometida pelo autor.
O procedimento disciplinar militar foi finalizado, tendo o Corregedor-Geral da Policia Militar concluído sobre a inexistência de indícios de crime de natureza militar ou comum em face do sindicado e tampouco houve o cometimento de transgressão disciplinar militar que lhe possa ser atribuída (fls. 64/66).
Em princípio, não dá ensejo à responsabilização por danos morais o ato daquele que denuncia à autoridade policial atitude suspeita ou prática criminosa, porquanto tal constitui exercício regular de um direito do cidadão, ainda que, eventualmente, se verifique, mais tarde, que o acusado era inocente ou que os fatos não existiram.
No entanto, configura-se o ilícito civil indenizável, se o denunciante age com dolo ou culpa, e seu ato foi relevante para a produção do resultado lesivo.
O artigo 5º, X, da Constituição Federal estabelece que “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito de indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”
No mesmo sentido o artigo 186 do Código Civil dispõe que “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outro, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
Fabio Gomes de Oliveira, ao ser ouvido em juízo, confirma os fatos narrados na inicial, ressaltando que após a abordagem do réu, em via pública, tanto ele, como o autor, foram ameaçados pelo réu de ser mandado embora da polícia e além de dar entrevista na televisão e divulgar na internet que foi abordado por “ladrão fardado” que lhe pediu dinheiro.
O conjunto probatório demonstra que além do requerido pugnar pela instauração de procedimento disciplinar em desfavor do autor (fls. 30/35), supostamente sem que estivesse imbuído do exercício regular de cidadão, o que por si só, trouxe danos irreparáveis ao autor, também levou a público os fatos ocorridos (fls. 26/29), demonstrando claramente que o réu agiu com a intenção de macular a imagem e a honra do policial/autor, causando-lhe angústia e tristeza, além de dissabores no seu cotidiano.
Desse modo, restando evidenciado o nexo causal entre o ato ilícito e o dano ocorrido, impõe-se o dever de indenizar.
No que tange ao valor da indenização, diante da notória dificuldade em arbitrar o valor para indenizações por dano moral e também da ausência de critérios legais objetivos, a doutrina tem lançado mão de certos parâmetros.
A fixação do dano moral deve atender ao binômio “reparação/punição”, observada a condição pessoal dos litigantes, e o elemento subjetivo do ilícito, arbitrando-se um valor que seja, ao mesmo tempo, reparatório e punitivo, não sendo irrisório e nem se traduzindo em enriquecimento indevido.
Ao lecionar sobre o dano moral, Maria Helena Diniz refere que:
“Na avaliação do dano moral, o órgão judicante deverá estabelecer uma reparação equitativa, baseada na culpa do agente, na extensão do prejuízo causado e na capacidade econômica do responsável.
Na reparação do dano moral, o magistrado determina, por equidade levando em conta as circunstâncias de cada caso, o quantum da indenização devida, que deverá corresponder à lesão e não ser equivalente por ser impossível tal equivalência”. (in Indenização por Dano Moral. A problemática jurídica da fixação do quantum, Revista Consulex, março, 1997, p.29-32).
Em face do que consta dos autos e atenta aos vetores já citados, entendo que a quantia de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) atende a estes critérios, reparando o dano sofrido sem acarretar enriquecimento indevido.
De acordo com a Súmula 54 do STJ os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, por se tratar de responsabilidade extracontratual.
Posto isso, com fundamento no artigo 269, I, do Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na Ação de Indenização por Danos Morais promovida por Uanderlei Benedito da Costa em desfavor de Ralf Rodrigo Viegas da Silva, para condenar a ré ao pagamento de danos morais no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) que deverá ser corrigido monetariamente pelo INPC, a contar da data da sentença, acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, desde a data do evento danoso.
condeno o réu ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes que fixo em 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação, com fundamento no artigo 20, § 3º, do Código de Processo Civil.
Preclusa a via recursal, aguarde-se em cartório o prazo de 30(trinta) dias, nada sendo requerido pelas partes, arquivem-se os autos com as baixas e anotações de estilo, sem prejuízo de posterior desarquivamento (CPC, § 5º, do art. 475-J).
Publique-se. Intimem-se.
Roberto
Quarta-Feira, 07 de Outubro de 2015, 15h55Edson Palma
Quarta-Feira, 07 de Outubro de 2015, 15h22