Cidades

Segunda-Feira, 20 de Dezembro de 2021, 22h13

IMPERÍCIA MÉDICA

Justiça condena médica e hospital por erro que fez grávida perder bebê em Cuiabá

Obstetra “confundiu” hemorragia no fígado com gastrite em gestante de 37 semanas

DIEGO FREDERICI

Da Redação

 

A obstetra Caroline Costa Soares Paccola vai pagar uma indenização de R$ 612 mil (mais juros e correção monetária) a uma mulher em Cuiabá que perdeu o bebê na 37ª semana de gravidez, além de ter ficado 48 dias na UTI do Hospital Israelita Albert Einsten, em São Paulo (SP), após um diagnóstico errado. A Femina prestadora de serviços médico/hospitalar dividirá o pagamento com a profissional de medicina.

A decisão é da juíza da 8ª Vara Cível de Cuiabá, Ana Paula da Veiga Carlota Miranda, e foi proferida no último dia 16 de dezembro.

O processo que tramita no Poder Judiciário de Mato Grosso revela como uma única decisão equivocada, aparentemente óbvia mesmo às pessoas leigas, de não realizar um exame de ultrassom numa gestante de 37 semanas que reclama de dores abdominais, muda o destino de toda uma família.

De acordo com os autos, a paciente, que tinha 39 anos na época dos fatos, em 2013, dirigiu-se à clínica Femina, na capital, após orientação de sua obstetra, Caroline Costa Soares Paccola, reclamando de fortes dores abdominais. A médica, ao contrário de solicitar um exame de ultrassom para tentar investigar os motivos das dores abdominais, receitou um medicamento denominado Tramal (um forte analgésico que age no sistema nervoso central, indicado para pacientes com dores graves).

A paciente conta que após a aplicação do Tramal, seu bebê, uma menina, começou a se “contorcer descomunalmente” no útero. “Ao chegar no pronto atendimento, a autora relata ter sido deitada em uma maca e submetida a coleta de amostras de sangue. Como a dor estava expandindo para o braço direito e região da nuca, a ré lhe prescreveu o analgésico Tramal. Nesse momento, sua bebê passou a contorcer-se descomunalmente em seu ventre, mas com a dor aumentando, recebeu doses maiores de Tramal, fazendo com que perdesse a consciência por algumas vezes”, diz trecho do processo.

A paciente acabou recebendo alta sob a justificativa de que estaria acometida de uma gastrite que estaria evoluindo para úlcera, de acordo com a obstetra Caroline Costa Soares Paccola, que recomendou a procura de um especialista. No dia seguinte à consulta, porém, a mulher continuava sentindo fortes dores, tentou tomar seu café da manhã, mas acabou vomitando – e desmaiando em seguida.

Ela retornou à clínica Femina onde a primeira tragédia foi constatada por outro médico – seu bebê não apresentava mais batimentos cardíacos. “Ao retornar na clínica Femina, o médico plantonista que a atendeu não mais conseguiu ouvir os batimentos cardíacos de sua bebê, fato este em seguida confirmado pela ré Caroline Paccola, que compareceu ao local a seu pedido. Realizada ultrassom, foi confirmado que o bebê não tinha mais vida”, revelam os autos.

O calvário da mulher que tinha acabado de perder a única filha, no entanto, estava apenas começando. Ela foi enviada ao centro cirúrgico para a realização de uma cesariana para retirar o bebê morto, sendo posteriormente transferida ao hospital Amecor, onde recebeu diversas transfusões de sangue.

Nos autos, a vítima de imperícia médica relata que seu problema de saúde era, na verdade, uma doença chamada Síndrome de Hellp – uma complicação obstétrica grave, que pode causar a morte tanto da mãe quanto do bebê, e que atinge principalmente o fígado. Nestes casos, a literatura médica recomenda a realização de uma cesariana.

A Síndrome de Hellp acarretou numa hemorragia do fígado da paciente, que também a fez desenvolver pneumonia, sendo necessário a realização de uma traqueostomia para que ela conseguisse respirar. A vítima também teve que ser submetida a uma laparotomia exploradora, procedimento médico onde “abre-se” o abdômen para encontrar a origem de hemorragias internas, por exemplo.

Em razão da evolução do quadro de saúde, a família optou por transferir a vítima ao Hospital Israelita Albert Einsten, em São Paulo, mesmo com o risco de morte no trajeto. Na unidade de saúde particular paulistana, constatou-se que 60% do fígado da paciente já estava necrosado, que também sofreu septicemia – quando bactérias “invadem” a corrente sanguínea, causando infecção generalizada. Ela passou 48 dias na UTI antes de receber alta.

No processo, a vítima lamenta que não pode sequer enterrar sua filha. “Além de ter perdido sua filha Helena, não ter conhecido o rosto da mesma e nem podido velar seu corpo, lhe causou e eternamente lhe causará profunda angústia. Por toda a exposição ao tratamento invasivo de saúde e profunda dor causados pela perda de sua filha, bem como pela perda da única chance de ser mãe, postula o pagamento de indenização por dano moral em valor a ser arbitrado pelo Juízo. Também requer indenização pelos danos estéticos sofridos, especialmente em virtude das cicatrizes deixadas em seu corpo”, diz ela.

Em sua decisão, a juíza Ana Paula da Veiga Carlota Miranda revelou que uma perícia realizada constatou o erro médico, dizendo que um simples ultrassom poderia até mesmo salvar a vida do bebê. A magistrada considera que a vítima experimentou a dor em seu estado mais “puro”.

“No que diz respeito aos danos morais, o caso em discussão envolve-os de forma pura, ou seja, danos que se esgotam na própria lesão à personalidade, na medida em que estão ínsitos nela, pois, não há maior dano do que a perda de um filho ocasionada pelo ato ilícito, verificado pela imperícia, negligência e imprudência do causador do dano”, reconheceu a juíza.

A indenização será composta por R$ 312 mil a título de gastos com internação e cirurgias, R$ 200 mil por danos morais, além de R$ 100 mil por danos estéticos em razão das cicatrizes deixadas pelos procedimentos médicos. A paciente pretende lançar um livro sobre o ocorrido.

 

Comentários (14)

  • Bruna |  21/12/2021 20:08:18

    Eu me pergunto sempre quando leio isso o que passou pela cabeça dessa médica? Essa vítima foi mais uma vítima? Ela quase entrou pra as estáticas de estar morta por síndrome de help. Quase matou uma mulher e matou o filha ! Imprudência que fala? Erro grotesco ?? Apenas deveria perder o CRM e voltar novamente a estudar ! Mas é casada com vereador ,tem classe social boa .

  • Angela  |  21/12/2021 18:06:26

    Que sofrimento dessa mãe e que força para brigar por justiça diante de uma situação tão difícil.

  • Flávia Migliozzi  |  21/12/2021 17:05:55

    Chocante que temos erros tão grotescos cometidos por ?médicas? dentro de hospitais que causam enorme sofrimento a famílias inteiras. Certamente é motivo para perder o CRM. Deveria ter maior alcance e publicidade esse erro médico para evitar que outros profissionais despreparados comentam o mesmo erro. E o mínimo que se espera dessa médica é que mude de profissão e vá carpi um lote?

  • Marlene |  21/12/2021 17:05:33

    Indignação é a palavra....pois nenhuma indenização do mundo minimizara a dor indescritível dessa mãe....justiça seja feita...e q os irresponsáveis paguem pelos danos....Deus acima de tudo !!

  • Leila |  21/12/2021 16:04:53

    Gostei muito da reportagem, colocou de forma muito clara o ocorrido e fez muitíssimo bem de expor o nome da médica protegendo a população gestante de novas tragédias como essa ocorrida. Achei baixo o valor da indenização frente a tudo que a paciente enfrentou. Espero que essa médica tenha um dia humildade de reconhecer que errou e se arrependa de toda dor que causou a paciente.

  • Ju França |  21/12/2021 16:04:49

    Quanto sofrimento foi passado por essa gestante, por essa família! Valor nenhum pagará e apagará essa dor! Que Deus nos livre de profissionais despreparados! Parabéns pela matéria, até então desconhecida pela sociedade.

  • paloma spiguel |  21/12/2021 16:04:45

    A justiça foi feita ?

  • Deise Lima |  21/12/2021 16:04:00

    finalmente uma matéria em que expõe o nome do profissional vinculado à veracidade dos fatos.

  • Alicia - Copamil |  21/12/2021 13:01:48

    Jornalista ponta firme! gostei. Mata a cobra e mostra o pau. Parabens. Achei só o valor da indenização muito baixo pelo que essa mulher passou.

  • Joana |  21/12/2021 12:12:55

    e a medica que atropelou o verdureiro e fugiu quando será julgada?

  • Henrique |  21/12/2021 09:09:57

    O suposto jornalista tem alguma bronca com o sobrenome da médica ? Quando a polícia prende bandidos, advogados e outras figuras, é proibido expor fotos e nomes. Expor o nome repetidas vezes é crime.

  • Luiz Antônio de Carvalho  |  21/12/2021 05:05:44

    Parabéns pela matéria!!! Principalmente por nos informar o nome dessa profissional. Minha esposa está de 23 semanas.

  • Alexandre Ebert |  18/05/2022 15:03:20

    Se essa noticia ou qualquer outra tivesse revelado o nome dessa "médica" antes não teria tanta informação na internet que conduzisse pessoas a ela, pesquisamos pelo seu nome na web, ela era referenciada como excelente médica, então optamos por ela, e caímos no que de pior aconteceu em nossas vidas, se revelou uma pessoa cruel e negligente, isso custou a vida de meu filho Davi Alexandre, perfeito, saudável que teve um pré-natal sem intercorrências mas que nos dias para o "parto des-humanizado" mostrou a verdadeira face cruel dessa senhora, levou meu filho e quase de minha esposa por vaidade excessiva não atendeu meus pedidos assim como o hospital que serviu de local para esse crime cruel. Parabéns repórter por trazer o nome dessa pessoa, hoje sabemos de vários casos dela que estão correndo na justiça, e isso tem resultado de salvar vidas para quem procura esse tipo de atendimento.

  • Daniele |  08/05/2024 20:08:47

    ?Parto humanizado?, isso nunca me pegou. Existe muita fantasia e vaidade em torno disso. Tive meus filhos por cesariana, sem marido, sem fotógrafo, sem cachorro? tem muita gente, que quer fazer do parto um espetáculo; e parir, é coisa séria. Nada é mais seguro que um hospital pra ter filho.

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