Os impactos da presença humana no habitat das onças-pintadas no Pantanal mato-grossense chamaram a atenção da pesquisadora americana Natalie Bever, 24. Aluna de mestrado em Antropologia Ambiental, nos Estados Unidos, ela está no Brasil desenvolvendo uma pesquisa de campo sobre os conflitos entre comunidades locais e a vida selvagem, com foco na região de Porto Jofre, em Mato Grosso.
Em entrevista, a estudante explicou que seu interesse pelo Pantanal surgiu após as aulas do professor Rafael Chiaravalloti, que também já realizou pesquisas na região. “Após conversar mais com ele, fiquei sabendo dos conflitos de comunidades tradicionais com onças-pintadas na região de Porto Jofre e me interessei muito por esse tipo de trabalho”.
Com o apoio do pesquisador Fernando Tortato e da Organização Não Governamental (ONG) Panthera, ela conseguiu estruturar o projeto e realiza atualmente entrevistas e observações de campo com apoio da base da instituição na localidade. O estudo busca entender como o comportamento das onças, em decorrência da presença humana, especialmente por conta do ecoturismo, tem impactado os moradores locais, pecuaristas e trabalhadores do setor turístico.
“Muitos moradores passaram a trabalhar direta ou indiretamente com o turismo. Mas também há desafios, como o medo de ataques ou a perda de animais de criação”, afirma a pesquisadora.
Segundo a pesquisadora, os relatos dos pantaneiros mostram uma relação cada vez mais próxima entre as pessoas e os felinos. Moradores relatam um aumento nos avistamentos de onças nos últimos 20 anos.
“Isso não significa que a população está superpopulosa. Na verdade, elas quase foram extintas dessa área cerca de 30 anos atrás. Hoje, com os esforços de conservação, estão retornando e reequilibrando o ecossistema ao controlar populações de presas naturais como capivaras e jacarés”, explica. Com isso, moradores também notam mudanças no comportamento dos animais.
“Ouvimos dos moradores que capivaras, antes comuns às margens da Transpantaneira, agora são menos frequentes, o que provavelmente se deve à presença mais constante das onças”, diz a estudiosa. Ela também destaca que a exposição dos felinos a barcos e veículos turísticos tem contribuído para que se tornem mais acostumadas à presença humana. “A cada ano, mais onças se habituam, e isso pode ter consequências, inclusive para os animais domésticos”.
Em uma das entrevistas, Natalie conheceu um cachorro que sobreviveu a um ataque de onça.
“Ele tinha marcas visíveis no crânio e cicatrizes profundas. Foi um exemplo claro de como essa convivência pode ser arriscada". Com 19 entrevistas realizadas até agora, ela conta com o apoio de João Roberto, biólogo e tradutor de Mato Grosso, que a acompanha nas visitas às comunidades.
Além de fazer a tradução durante as entrevistas, ele também ajuda a conduzir os diálogos. “Minha experiência trabalhando com a Natalie tem sido incrível. Além de aperfeiçoar meu inglês, estar em contato com a comunidade ribeirinha tem sido muito proveitoso. O conhecimento que muitos pantaneiros têm para compartilhar sobre esse bioma agrega muito à minha carreira profissional”, relata João, que conheceu Natalie por meio de Fernando Tortato, da Panthera Brasil.
“Ela me chamou para ajudá-la com as traduções e no contato com os moradores, já que eu já conhecia alguns dos entrevistados por trabalhos anteriores na região", explicou.
Experiência no Pantanal
Natalie contou à reportagem que viveu uma experiência marcante em sua estadia no Pantanal. “João e eu saímos de quadriciclo para uma entrevista e, logo ao deixarmos a base, uma onça apareceu na estrada, bem na nossa frente. Ficamos surpresos com a proximidade. A onça simplesmente atravessou calmamente e entrou no mato, sem sequer nos olhar. Um exemplo claro de como estão se acostumando à presença humana", conta.
A pesquisa de Natalie segue até o fim de julho e deve resultar em um trabalho acadêmico com contribuições para o debate sobre conservação, turismo sustentável e o papel das comunidades tradicionais na proteção da biodiversidade.
“Estou muito feliz por ter decidido fazer minha pesquisa aqui. É um lugar único, e tenho aprendido muito com cada pessoa que me recebe para conversar. Sou extremamente grata à Panthera e aos moradores do Pantanal.”