Terça-Feira, 19 de Novembro de 2024, 17h28
CONSCIÊNCIA NEGRA
Palestrante desmistifica democracia racial e fala de branquitude
Da Redação
Na véspera do Dia da Consciência Negra no Brasil, 20 de novembro, o Ministério Público do Estado de Mato Grosso (MPMT) promoveu a palestra virtual “Consciência negra, máscaras brancas: debate contemporâneo sobre necropolítica e antirracismo”, ministrada pela doutora em psicologia e coordenadora-geral do Núcleo de Consciência Negra da Universidade de São Paulo (USP), Andreone Teles Medrado. O evento, voltado ao público interno e externo da instituição, foi transmitido ao vivo pelo canal do MPMT no YouTube.
A iniciativa foi idealizada pela Procuradoria de Justiça Especializada na Defesa da Cidadania, Consumidor, Direitos Humanos, Minorias, Segurança Alimentar e Estado Laico, em parceria com o Centro de Apoio Operacional (CAO) de Defesa dos Direitos Humanos, Diversidade e Segurança Alimentar. A palestra teve o objetivo de promover uma reflexão crítica sobre como o racismo afeta as relações interpessoais, o modo como as políticas públicas são estruturadas, os direitos são garantidos e a violência é legitimada, e como o antirracismo pode ser uma ferramenta de resistência e transformação, reconhecendo e valorizando a luta histórica da população negra.
“É com muita satisfação que iniciamos o que certamente será nosso último evento do ano com a temática Direitos Humanos e Diversidade. Agradeço todo o apoio que o Ministério Público de Mato Grosso nos dá para a realização de eventos, ações e na nossa conduta diária”, considerou o promotor de Justiça Carlos Rubens de Freitas Oliveira Filho, coordenador-adjunto do CAO Direitos Humanos, na abertura. Ele ainda discorreu sobre a campanha “Atitudes Vencem o Racismo” promovida pela instituição no Mês da Consciência Negra, por meio do projeto Diálogos com a Sociedade, que contempla vídeo institucional e entrevistas semanais sobre o tema.
Andreone Teles Medrado incialmente agradeceu ao convite e ao espaço no meio jurídico para abordar esses temas e estimular a conscientização. Diante do argumento de que falar de consciência negra e de máscaras brancas é um debate quase sem fim no país, a palestrante apresentou um panorama histórico das mudanças que ocorreram no Brasil em relação à população negra, desde a colonização. Apontou a escravização de pessoas africanas a partir de 1500, a lei que regulamentava a educação de 1837 que proibia negros de irem para a escola, a lei sobre propriedade de terras de 1850 que não permitia que negros fossem proprietários, a “abolição” da escravatura em 1888, entre outros marcos, até chegar ao Estatuto da Igualdade Racial de 2010, à lei de cotas nas universidades e à lei que tornou o dia 20 de novembro feriado nacional a partir do ano passado.
Explicou que essa data, 20 de novembro, marca a resistência para a população negra por ser o aniversário de morte de Zumbi dos Palmares, considerado um grande líder da comunidade negra. Segundo a palestrante, o projeto de lei que visava tornar a data feriado nacional é de 2017 e que isso efetivamente se concretizou há menos de um ano, em dezembro de 2023. “Isso pra mim marca um lugar de conquista do movimento negro, de ter essa data fixada como feriado nacional, embora o dia de consciência negra deva ser todos os dias. Por outro lado, vemos que ainda em 2023 estamos passando pelo processo de reconhecimento de uma data tão importante em um país de maioria negra e isso nos faz pensar como está devagar esse processo”, refletiu.
Conforme a palestrante, para muitas pessoas o racismo é resultado da intersecção do preconceito com a discriminação, no entanto, não é apenas isso. “O racismo não dá para ser colocado somente como a intersecção entre preconceito e discriminação. Ele corresponde à intersecção de uma série de práticas que participam da produção colonial da raça como a brancura, o nojo, a ideia de pureza, a héterocisnorma, o eurocentrismo, o cristianismo, a burguesia, o sexismo e o patriarcado. E quando juntam todos esses no núcleo de tudo isso, nasce o racismo. Então não dá para falar de racismo a partir de uma única lógica, a partir de uma única ótica, de um modo simplificado”, afirmou.
A palestrante sustentou ainda que o racismo no Brasil é por denegação, uma vez que ele existe, está presente, só que ele é tratado a partir de uma negação. “Nega-se que ele existe para continuar convivendo com ele. Então, no Brasil, o racismo por denegação é o racismo em que a branquitude e, por vezes, pessoas negras, produzem uma noção de que não existe racismo no Brasil”, lamentou. E que a ideia de democracia racial é um equívoco de cunho racista, que significa o apagamento de identidades não brancas, uma vez que passa por uma negação de que existem diferenças biológicas, políticas, culturais e sociais, como se houvesse uma matriz sincrética, em que as pessoas coexistem no mesmo estado de vida e de direito.
Andreone Medrado destacou que a branquitude tem efeitos perversos na sociedade brasileira. “É uma situação de vantagem institucional e estrutural de privilégios raciais, um lugar do qual as pessoas brancas observam a si, nomeando-se como pessoas brancas, e observam a sociedade, nomeando-a como sociedade racializada, um conjunto de práticas culturais que são frequentemente não demarcadas e não nomeadas, é um discurso”, conceituou. E defendeu que a metáfora “máscaras brancas” visa a embranquecer a sociedade, representa o ideal de ego que é colocado sobre as identidades plurais do Brasil.
A doutora em psicologia abordou também o conceito de necropolítica, de Achille Mbembe, que define qual corpo é considerado dispensável, qual estará sujeito à violência, e qual terá o seu valor ou vida negados. Por fim, pontuou os objetivos do movimento negro, vitórias e conquistas desse movimento, e enalteceu o antirracismo que está sendo promovido. “Defendo a ideia de criar um projeto de lei para tornar obrigatório o ensino étnico-racial e da diversidade sexual e de gênero nos cursos de graduação e pós-graduação”, propôs, considerando ser uma estratégia para retirar as máscaras brancas.
O evento teve como debatedores o promotor de Justiça Alysson Antônio de Siqueira Godoy e a analista assistente social Josyane Lima de Cerqueira. “Hoje e um dia histórico para o Ministério Público de Mato Grosso. A sua presença, a sua palestra é de imensa responsabilidade e conscientização. E é uma grande satisfação observar esse avanço institucional com relação a temas sensíveis e prementes na sociedade, cuja defesa da democracia e da ordem jurídica perpassa pela função institucional do Ministério Público”, consignou o promotor de Justiça.
“É uma honra fazer parte deste webinar, que traz temáticas de discussão que para nós, pessoas negras, são valiosas. Esses momentos são vitais para fortalecer a nossa resistência, afirmar nossas identidades, bem como contribuir para a construção de um futuro onde tenhamos a oportunidade de viver dignamente”, acrescentou Josyane Lima de Cerqueira, enfatizando que esse espaço institucional também tem como importante função o fomento de políticas públicas.
Sobre a palestrante - Andreone Medrado é escritora, artista, fotógrafa, podcaster, cientista, bióloga, psicóloga e palestrante. Graduada em Ciências Biológicas (UNIFIEO) e em Psicologia (USP), tem mestrado em Fisiologia Neuroendócrina (USP) e doutorado em Psicologia (USP) pelo Departamento de Psicologia Experimental. É uma das fundadoras do primeiro Coletivo Negro - o Escuta Preta - no Instituto de Psicologia na USP e atualmente é coordenadora-geral do Núcleo de Consciência Negra na universidade.
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