Política

Sábado, 19 de Julho de 2025, 09h16

FILHA MORTA

Cattani e família ainda não entendem motivação para crime

A jofem foi assassinada pelo cunhado, a mando do marido

MARIANA DA SILVA

Gazeta Digital

 

“O processo de luto não acaba, ele faz parte da nossa vida. Não conseguimos parar de pensar um minuto que seja nela. Isso abalou imensamente nossa família, até porque ela nos deixou o Pedrinho e a Maria, que perderam mãe e pai, mas são nosso consolo”, descreve o deputado estadual Gilberto Cattani (PL), um ano após o assassinato da filha Raquel Cattani. A produtora rural foi morta com mais de 30 facadas, pelo ex-cunhado Rodrigo Xavier a mando do ex-marido, Romero Xavier, em 19 de julho de 2024. O crime ocorreu no sítio em que morava, em Nova Mutum (264 km ao Norte).

Vítima de um dos crimes que tem se tornado um "fenômeno social, como descreveu o secretário de Estado de Segurança, César Roveri, o feminicídio, ainda hoje a família não compreende o que motivou o assassinato tão brutal. Ao , o deputado comenta que a família procura por respostas em meio a luta diária para seguir em frente e criar os netos.

“Até hoje não entendemos. A questão do feminicídio como uma morte por ciúmes ou possessão ainda são coisas vagas para nós, porque ele não demonstrava. Nunca imaginamos, ainda mais convocando o irmão dele, que estava distante da família e que ele sempre nos disse que não o queria perto. É difícil a questão real da motivação”, analisa.

Inicialmente tratado como latrocínio, já que uma moto havia sido levada do local, o crime posteriormente se mostrou um feminicídio. A investigação policial logo constatou que o veículo e outros itens foram retirados propositalmente da casa na intenção de simular um roubo seguido de morte. Questionado pela reportagem se o ex-genro pode ter arquitetado o crime com a intenção de ficar com a herança de Raquel, Cattani acredita que não.

“Nunca se cogitou que ele quisesse os bens dela. Ela já tinha gastado a parte dela e ele tinha investido, a questão da herança estava pacificada, tanto é que as crianças não vão ficar com o capital deles porque eles já tinham gastado o acerto deles. Então, não acredito que seja motivação financeira”, avalia.

O vazio dos dias sem a filha é preenchido pelas lembranças que Raquel deixou. Na busca por ressignificar a dor, Cattani e a esposa Sandra tentam fazer com que os netos não percam as memórias que têm da mãe. Antes de dormir, os pequenos sempre pedem para “vê-la”. Com auxílio da tecnologia, os avós mostram vídeos salvos no aparelho celular para que os dois não se esqueçam quem ela foi. “Fazemos questão de mostrar para manter viva a memória da Raquel na mente deles. É difícil, mas é gratificante”, afirma.

De acordo com o deputado, as crianças sabem como a mãe faleceu e compreendem que o pai foi autor do crime. Segundo ele, nada tem sido escondido dos netos, no entanto, uma psicóloga próxima da família faz acompanhamento e dá suporte aos pequenos.

O lado religioso da família também é conforto para os momentos difíceis. “Eles entenderam que ela está aguardando por eles e que está em um bom lugar. Ela era cristã, cremos nisso. Eles têm perguntado sobre ela, mas de forma carinhosa, não com tristeza”, acrescenta.

Quando lembra da filha, Cattani brinca que, embora conheça pessoas que não gostem dele por questões políticas, nunca conheceu alguém que não gostasse de Raquel. Pai orgulhoso, o parlamentar descreve a filha como uma pessoa maravilhosa e doce, querida por todos onde passava, em ascensão com o negócio dos queijos artesanais, com gosto pela vida no campo.

“Ela estava numa fase muito feliz, se sobressaiu no que gostava de fazer, estava com boa condição financeira, estava radiante e o que mais me marcou foi esse sucesso que ela obteve, próprio. Um dia ela nos ligou muito feliz que tinha ganhado um concurso mundial de queijo com mais de 2 mil queijos que concorriam ao prêmio e ela ficou em 1º lugar”, recorda.

Julgamento 

Em relação à expectativa de júri popular para uma condenação definitiva aos dois réus pela morte da filha, o deputado desabafa e diz que não olha mais as movimentações do processo judicial. “Não temos previsão de julgamento. É um processo demorado e cada dia uma tortura diferente. Eu não espero absolutamente nada da Justiça. Às vezes, vemos a Justiça defender marginais e ela nunca se importou com meus netos, as duas grandes vítimas dessa história, mas se importa com a qualidade de vida dos dois miseráveis que deixou eles nessa situação”, lamenta.

Atingido diretamente pelos efeitos da violência em sua família, Cattani espera que um dia o ser humano entenda que não tem o direito de tirar a vida do outro e fala às famílias que perderam entes queridos para terem coragem e fé, com a certeza de que um dia vão reencontrar os familiares em outro plano.

Do luto à luta

Batizada em homenagem à filha do deputado, Espaço Raquel Cattani, na Procuradoria Especial da Mulher, anexa a Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT), atende a portas abertas mulheres vítimas de violência doméstica e busca dar encaminhamentos para ser fornecido todo suporte que os meios legais permitem, desde acolhimento, orientações quanto a denúncia, medida protetiva e cobranças aos órgãos sobre os processos.

“Quando a vítima chega em vulnerabilidade social, essa demanda é acompanhada. Se ela precisar sair de casa tem um auxílio de aluguel social que a gente acessa através da Secretaria de Estado de Assistência Social e Cidadania de Mato Grosso (Setasc), também acessamos redes de apoio para direcioná-la sem que ela bata de porta em porta. Muitas não rompem o relacionamento abusivo porque dependem do homem, então fazemos os encaminhamentos para as entidades, Cras, Creas, casa de amparo, etc”, explica a assistente social que atua no local, Elen Cardoso.

A consultora da Procuradoria da Mulher, Quezia Limoeiro, explica que a atuação se dá também em função da articulação entre Poderes e na busca de traçar estratégias de enfrentamento a violência. No entanto, o principal desafio ainda é identificar as vítimas e chegar até elas, já que parte delas não vai diretamente ao espaço.

Cientes da problemática do rompimento do ciclo da violência, uma das estratégias adotadas têm sido as ações voltadas à comunidade externa desde palestras em escolas para que crianças identifiquem casos em suas residências até turmas de graduandos em medicina, odontologia, enfermagem, entre outros para que se adaptem a protocolo de atendimento especializado ao notar uma vítima de agressão.

“Nós vamos até as pessoas e não esperamos que venham até nós. Porque quem sofre isso em casa não fala, a criança não fala, ela demonstra. A mulher é difícil sair dessa situação, então vamos até as pessoas levar informação para que elas saiam disso. Buscamos o possível e impossível sobre o que já é ofertado em Mato Grosso para essas vítimas”, diz Quezia.

Além disso, a procuradoria também faz trabalhos internos para mudar a cultura social a partir do próprio ambiente da ALMT. “Não adianta a gente falar sobre violência se a Casa de Leis não der exemplo. Então fazemos um trabalho interno também, chamamos para palestras, fazemos cursos de defesa pessoal para servidoras. Aqui dentro nossa tarefa é não deixar nenhum servidor ciente do que é sobre o papel da procuradoria”, afirma.

Atuante há cerca de 4 anos, dos quais um deles já com espaço físico próprio, a procuradoria da mulher está localizada na avenida André Maggi, 6 - Centro Político Administrativo, Cuiabá, dentro da ALMT. Os telefones para contato são o (65) 3313 6802 e o (65) 98134-1655. O espaço funciona de segunda a sexta das 8h às 18h.

O caso

No dia 19 de julho, a filha do deputado estadual Gilberto Cattani (PL), Raquel Cattani, foi encontrada morta, na zona rural de Nova Mutum (264 km ao norte de Cuiabá). Ela foi encontrada dentro de sua casa pelos próprios pais, que sentiram sua falta nos afazeres fazenda e a encontraram sem vida, com diversas facadas pelo corpo. Ao todo, Raquel recebeu 34 golpes.

No mesmo dia, o ex-marido dela, Romero Xavier, foi detido para investigações do autor do crime, mas foi liberado, pois "possuia um álibi consistente". Devido a isso, a participação de Romero foi descartada de forma preliminar.

Romero Xavier participou do sepultamento da empresária, e chorou ao lado do caixão, demonstrando abalo emocional na frente dos familiares da vítima. Foi apenas no dia 24 de julho, que Romero e Rodrigo Xavier, ex-cunhado, foram presos por envolvimento na morte da empresária.

Após investigações foi confirmado que Romero Xavier, levou o irmão no próprio carro e o deixou escondido nas proximidades do sítio PH, de propriedade de Raquel Cattani. Ao longo do dia, Romero almoçou com o ex-sogro e, inclusive, chorou na frente dos familiares da vítima. Após almoçar com Cattani, levou os filhos do casal para Tapurah a fim de criar o álibi e afastá-los do crime planejado.

Durante a tarde do dia 18 de julho, ele chamou algumas pessoas com quem nem tinha muita convivência para beber e assar carne. No período da noite, foi a 3 boates em Tapurah para reforçar o álibi de que estaria da cidade e, assim, não seria considerado o principal suspeito.

Por outro lado, Rodrigo ficou à espreita da vítima até ela chegar na propriedade. Ao chegar no sítio por volta de 20h da quinta-feira, a vítima foi atacada com uma faca e morreu no local. Em seguida, Rodrigo roubou alguns objetos da casa, quebrou a televisão na parte de fora da casa e levou a moto da vítima com o destino a Lucas do Rio Verde, a fim de simular um latrocínio.

Romero e Rodrigo Xavier Mengarde foram autuados pelo crime de homicídio triplamente qualificado, considerando a promessa de recompensa, feminicídio e emboscada, que dificultou a defesa da vítima.

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