Em diálogo interceptado pela Polícia Federal (PF), com autorização judicial, o cacique Damião Paridzané, que liderava a Terra Indígena Xavante Marãiwatsédé, foi flagrado reclamando com Jussielson Gonçalves da Silva, coordenador regional da Fundação Nacional do Índico (Funai), sobre o esquema de arrendamento ilegal de pastos para fazendeiros que rendia ao indígena pagamentos mensais na ordem de R$ 900 mil.
Na gravação, ele se mostra incomodado e cobra explicações, pois acredita que estaria sendo excluído de reuniões conduzidas pelo coordenador da Funai nas dependências da própria autarquia federal para combinar detalhes e valores dos pagamentos com donos de fazendas da região para deixarem o gado em pastos improvisados dentro da terra indígena. O diálogo evidencia que o indígena tinha um “forte poder” dentro do esquema e precisa autorizar qualquer ação ou acordo entre o representante da Funai e fazendeiros interessados em arrendar pastos em território indígena.
Trechos da conversa foram disponibilizados pela Polícia Federal e fazem parte da investigação que resultou na Operação Res Capta, deflagrada nesta quinta-feira (17) para cumprimento de três mandados de prisão, sete mandados de busca e apreensão e sequestro de bens, duas ordens judiciais de afastamento de cargo público, duas ordens judiciais de restrição ao porte de arma de fogo e outras 15 medidas cautelares diversas da prisão nas cidades de Ribeirão Cascalheira e Barra do Garças.
“Estou bem, mas estou assim meio contrariado, chateado. Por que esse pessoal está se reunindo com você lá na Funai? Eu já pedi, não pode reunir escondido, tem alguma coisa”, reclama o cacique na conversa telefônica com o coordenador regional da Funai.
Do outro lado, Jussielson se justiça. “Não é escondido não, a gente não falou com o senhor que vai começar a mediação do pasto para aumentar o valor da renda?”. O indígena o contrapõe dizendo o seguinte: “E por que não aparece para medir? Agora fazer reunião lá na sala da Funai, que isso?”, questiona o cacique Damião Paridzané, em tom de indignação e reprovação.
O representante da Funai continua negando ter feito reuniões sem a presença do líder indígena. “Não é reunião, pelo amor de Deus, está vindo um por um, não pode fazer reunião. Hoje veio mais um fazendeiro, a partir de amanhã o pessoal está descendo para começar a medir o pasto lá, não é reunião não cacique. A gente está chamando um por um pra explicar o que a gente vai fazer com relação à medida do pasto, a gente falou para o senhor que ia fazer isso. O senhor deu autorização”, argumenta.
A explicação do representante da Funai ao líder indígena continua. “O senhor lembra que a gente falou: cacique tem gente que está com muito pasto e está pagando muito pouco, a gente vai medir pra poder atualizar esse valor. O senhor falou tudo bem. Agora a gente tem que explicar para cada um, eu só posso ir lá quando o cara estiver na área dele. A gente não quer chegar na área e não ter o dono do gado porque a gente vai levar drone, estamos pagando pelo drone então esse cara tem que estar lá esperando a gente. Como vou entrar na fazenda dos outros se o dono não está lá esperando? Então, o cara vem aqui, a gente fala o dia que vai lá e nesse dia ele vai estar lá esperando a gente. Não é reunião não, é porque eles têm que vir, é obrigatório eles vir aqui na Funai ”, esclarece Jussielson.
Nesse ponto, o indígena concorda que foi avisado com antecedência, mas ainda se mostra contrariado. “Só que eu não achei bom não, porque se está no retiro, o dono de gado eu gostaria de ir duas ou três pessoas, você já pediu autorização e eu já autorizei. Então, levei um susto com quatro ou seis pessoas indo na sua sala”, esclarece o cacique.
“O senhor viu todo mundo e acha que é muita gente? Não é muita gente não. É eu, o Max, Enoque, estava o dono da fazenda que arrenda, o caseiro e a esposa, só a gente. Eu não fiz nem na minha sala, fiz na entrada da Funai”, justifica o coordenador regional.
Toda a gravação foi gravada e transcrita, sendo parte das provas que fazem parte da investigação. Para a imprensa a Polícia Federal só divulgou um trecho do diálogo.
A OPERAÇÃO
Na Operação Res Capta foram presos Jussielson Gonçalves Silva, o ex-policial militar do Amazonas, Enoque Bento de Souza e o sargento da Polícia Militar, Gerard Maxmiliano Rodrigues de Souza, também do Amazonas. As ordens judiciais foram expedidas pela Justiça Federal de Barra do Garças (509 km de Cuiabá).
Os alvos de medidas cautelares foram Aldemy Bento da Rocha, Bruno Peres de Lima, Claudio Ferreira da Costa, Derso Portilho Vieira, Ivo Vilela de Medeiros Junior, Gilsom Nunes da Silva, Ivonei Vilela Medeiros, João Victor Borges Correia, Justino Agapito de Oliveira Xerente, Marcos Alves Gomes, Manoel Pinto de Araujo, Osmair Cintra dos Passos, Saconele Zaercio Fagundes Golveia, Thaiana Ribeiro Viana e Wilian Paiva Rodrigues.
De acordo com as investigações, o cacique Damião Paridzané receberia mensalmente R$ 900 mil pelo arrendamento ilegal de uma parte das terras indígenas que comandava para fazendeiros.
A Operação Res Capta foi deflagrada nesta quinta-feira (17) e resultou na prisão de três homens. O cacique Damião não foi preso na operação, mas teve as contas bancárias bloqueadas e está proibido pela Justiça Federal de firmar parcerias para qualquer tipo de exploração na área. Também não pode manter contato com os demais alvos da operação.
Em nota, a Funai informou que não aprova nenhum tipo de conduta ilícita e está à disposição das autoridades policiais para colaborar com as investigações. Afirma ainda que o arrendamento de terras indígenas é proibido e que o coordenador Jussielson Gonçalves da Silva será afastado da função.
OUÇA AQUI A INTERCEPTAÇÃO
Moraes
Sexta-Feira, 18 de Março de 2022, 11h53Marcos Ipojucan
Sexta-Feira, 18 de Março de 2022, 11h09