Cidades Quinta-Feira, 08 de Agosto de 2024, 15h:09 | Atualizado:

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DIAGNOSTICO

Como queimadas e invasões aumentam casos de transtornos psiquiátricos em áreas isoladas

 

G1

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Ansiedade, depressão e transtorno de estresse pós-traumático são os diagnósticos psiquiátricos mais comuns na população brasileira, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS). Em comunidades afastadas, as invasões territoriais e queimadas têm sido os principais fatores que estimulam esses transtornos.

Mato Grosso liderou o ranking de queimadas no Brasil por quatro meses consecutivos, de março a junho deste ano, conforme uma análise do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O estado tem uma grande concentração de comunidades indígenas e é frequentemente alvo de madeireiros clandestinos. Especialistas apontam que essa prática acelera o desmatamento e compromete gravemente a integridade mental dos membros das comunidades locais.

Em comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas, sons comuns como passos, vozes ou visitas inesperadas podem desencadear transtorno de ansiedade. Para esses grupos, os ruídos são frequentemente associados a perigos iminentes, como incêndios ou a presença de pessoas mal-intencionadas, diferentemente do que ocorre na maior parte da população.

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Uma análise do Instituto Socioambiental (ISA), mostra o quanto essa situação é mais alarmante em Mato Grosso, onde três territórios indígenas foram invadidos e mais de 310 hectares foram desmatados no ano passado (veja gráfico acima).

A Terra Indígena Zoró, localizada na divisa entre Mato Grosso e Rondônia, que registrou um aumento de 88% no desmatamento em 2023 em comparação com o ano anterior, indica a presença de mineração ilegal na área. Somente neste ano, mais de 5 mil árvores foram derrubadas na região.

O levantamento apontou que, em todo o país, o desmatamento em territórios indígenas totalizou 821 hectares em 2023, destacando a vulnerabilidade dessas áreas e reforçando a conexão entre a degradação ambiental e o impacto na saúde mental das comunidades afetadas.

De acordo com uma pesquisa do Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos, a maioria dos transtornos psicológicos está associada a diversos fatores, incluindo o medo, que é mediado por neurotransmissores e hormônios como a noradrenalina e o cortisol. O estudo aponta que a desregulação desses sistemas pode levar a consequências adversas e ao desenvolvimento de transtornos psiquiátricos e cardiovasculares.

O psiquiatra Rodrigo de Jesus informou que a exposição constante das comunidades isoladas a situações traumáticas, como invasões e queimadas, pode causar níveis elevados de estresse e ansiedade, eventualmente levando ao desenvolvimento de transtornos mais graves.

“Em comunidades afastadas, esses eventos aumentam a vulnerabilidade à ansiedade, transtornos de pânico e até depressão. A ameaça constante à subsistência e segurança pode intensificar esses problemas, tornando-os mais propensos a desenvolver transtornos mentais. A situação das comunidades em Mato Grosso é um exemplo claro de como problemas ambientais e sociais afetam a saúde mental ”, explicou.

Além dos problemas relacionados ao meio ambiente, a análise de Rodrigo destaca que outros fatores podem impactar negativamente na saúde mental dos moradores de pequenas comunidades. Esses fatores incluem:

Escassez de profissionais de saúde mental

Uso inadequado da internet

Exposição à violência e perda

1 - Falta de profissionais em comunidades afastadas

Rodrigo explicou que a escassez de profissionais de saúde mental em áreas remotas é um desafio significativo.

“Em comunidades com um número limitado de psicólogos e psiquiatras, a falta de suporte pode agravar os problemas de saúde mental. É crucial que haja uma presença contínua de profissionais para fornecer suporte adequado e tratamento preventivo”, pontuou.

O fotógrafo Katngotxi Suyá, de 20 anos, do Povo Khisetje, localizado no município de Querência, a 912 km de Cuiabá, ilustra bem esse desafio. Ele relatou que a comunidade, composta por cerca de 400 habitantes, tem acesso a apenas uma psicóloga, que precisa se deslocar do distrito até a aldeia para realizar os atendimentos.

Além disso, Katngotxi mencionou que a região tem enfrentado um aumento nos focos de incêndio, algo que não era comum até alguns anos atrás, e que esses eventos têm impactado na saúde mental da comunidade. Segundo ele, os moradores ficam ansiosos e temem a cada novo incêndio, justamente por não saberem a proporção que o fogo poderá tomar.

“Estamos acompanhando e registrando os focos de incêndio. Recentemente, tiramos fotos de desmatamento perto da aldeia principal e do rio, e houve queimadas na área. As plantações têm sido afetadas pelo calor, e a saúde da comunidade também sofre com as condições climáticas. Temos medo de perder nossos recursos naturais e estamos preocupados em controlar o fogo”, relatou.

2 - O uso excessivo da internet em áreas isoladas

Manter-se online tornou-se uma rotina para praticamente todos os brasileiros. No entanto, embora a internet possa ser uma ferramenta valiosa, o acesso a conteúdos negativos e estressantes pode prejudicar a saúde psicológica e emocional, principalmente dos moradores que vivem em comunidades afastadas que, muitas vezes, não possuem outras atividades para manter a mente ocupada.

"Percebo que é de grande valia para essas populações, democratizando o acesso à serviços e oportunidades, por outro lado o impacto negativo para essas populações é bem análogo ao impacto para as populações metropolitanas, que se refere ao uso não saudável da internet, que nessa classe de uso podemos pensar nos vícios em jogos e pornografia por exemplo", ressaltou o psicólogo do Hospital Universitário Júlio Müller, Rafael Olímpio.

Além disso, o psiquiatra Rodrigo destacou que a mudança no estilo de vida é fundamental para melhorar a saúde mental, especialmente em áreas isoladas. Ele ressaltou que o isolamento pode agravar problemas de saúde mental, tornando o fortalecimento das relações sociais vital.

"É importante que as pessoas mantenham uma alimentação equilibrada, pratiquem atividades físicas, se hidratem adequadamente e evitem a exposição excessiva ao sol. Além disso, é essencial que elas tenham momentos de lazer, participem de atividades comunitárias e se mantenham conectadas com outras pessoas", frisou.

3 - A violência como combustível para transtornos mentais

Entre pessoas expostas a traumas, como é caso das comunidades isoladas que vivem em constantes ameaças, o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) é bastante comum, especialmente após eventos de violência e perda, apontou o médico psiquiatra.

“Transtornos de ansiedade e depressão são prevalentes. Cada caso é único, e a predisposição genética, fatores ambientais e outras condições pessoais influenciam o desenvolvimento desses transtornos”, explicou Rodrigo.

O psicólogo Rafael contou que, em contextos de vulnerabilidade social, até o acesso aos serviços de saúde mental é frágil. De acordo com ele, quando há acesso, adesão e uma rede de apoio apropriada, o processo terapêutico se torna menos desafiador, aumentando as chances de atingir objetivos que sejam coerentes com os valores das pessoas ameaçadas.

"Quando pensamos em adesão ao acompanhamento psicoterapêutico, com uma frequência usual de uma sessão por semana, questões como estrutura familiar fragilizada e até o dinheiro do transporte se tornam fatores impeditivos", concluiu.





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