Cidades Sexta-Feira, 16 de Maio de 2025, 10h:29 | Atualizado:

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POPRUAJUD

Mutirão promove cidadania e inclusão de moradores de rua

 

Da Redação

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Sem residência fixa, sem registro civil, sem perspectiva de mudança. Sob sol, chuva e frio. Muitas vezes, uma população reduzida ao invisível. Mas, esse enredo passou a mudar para dezenas de pessoas em situação de rua que participaram do 1° Mutirão PopRuaJud/MT de Rondonópolis (212 km de Cuiabá), nesta quinta-feira (15 de maio). O evento é iniciativa do Poder Judiciário de Mato Grosso em parceria com a Defensoria Pública e diversas instituições.

Uma das pessoas impactadas com a ação foi a pedreira Célia de Souza Moraes Martins, de 37 anos. De Marabá (PA), há três anos, em Rondonópolis, ela está há seis meses nessa situação, após uma forte desilusão no casamento, e dorme esporadicamente em albergues, “quando há vagas”. No mutirão, deu entrada na averbação do divórcio, aproveitou para regularizar o título de eleitor e a carteira de trabalho, foi orientada sobre questões bancárias e deixou o nome no cadastro de empregos disponível. “Nunca tinha visto nada assim. Estou muito feliz com o atendimento e vejo que há uma luz no fim do túnel”.

Dar andamento a documentos civis também foi um dos focos do rondonopolitano Antônio Carlos Evangelista, de 59 anos. “Estive na rua por muitos anos e já enfrentei muita coisa. Não tenho dinheiro para conseguir todos esses documentos. Me falaram que era R$ 300, na última vez que me informei. Hoje saio daqui com tudo resolvido, num dia só, sem pagar nada. É muita benção. E ainda cortei o cabelo!”.

Esses foram alguns dos depoimentos entusiasmados registrados no Ganha Tempo de Rondonópolis, local onde se concentraram os atendimentos. Para o desembargador Mario Roberto Kono de Oliveira, que atua como presidente do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Nupemec), coordenador do Comitê Multinível, Multissetorial e Interinstitucional para a Promoção de Políticas Públicas de Atenção às Pessoas em Situação de Rua (CMMIRua-PJMT) e membro do Comitê Nacional PopRuaJud, o mutirão é aplicar o que consta na Constituição, envolvendo de perto os operados do Direito no cotidiano das pessoas. “Estamos obedecendo a uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que prioriza os invisíveis. Isso exige sair dos gabinetes e encontrar essas pessoas, oferecendo mais dignidade. E isso só é possível com o engajamento de uma rede comprometida”, apontou. “Todos temos direitos básicos assegurados pela Constituição e cabe ao Poder Judiciário a efetivação desses fundamentos. Todos somos iguais e é preciso transformar as leis em realidade”.

O juiz coordenador do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) de Rondonópolis, Wanderlei Reis, também evidenciou a importância dessa mobilização institucional. “Essa é uma política pública de inclusão que busca garantir a dignidade da pessoa humana. O Poder Judiciário de Mato Grosso, por meio dos núcleos e comitês, se soma a essa causa como parceiro ativo. Estamos aqui para contribuir de forma efetiva, aproximando a Justiça de quem mais precisa dela”, destacou. Posicionamento compartilhado pelo juiz Marcos Faleiros, da 4ª Vara Criminal de Cuiabá, e pelo juiz Geraldo Fidelis, da 2ª Vara Criminal de Cuiabá, que acompanharam de perto toda a mobilização. “As questões ligadas às pessoas em situação de rua não afetam somente essa população, mas um ecossistema. Estamos aqui procurando meios para amenizar o sofrimento vivido por essas pessoas, devolvendo cidadania a elas, faz com que a gente busque alternativas para que um dia não mais precisem estar nessa situação”, refletiu Faleiros. “É o Judiciário presente onde as pessoas estão, compreendendo as dores e buscando a pacificação social. E essa população, que enfrenta sol e chuva, é muito vulnerável e precisa dessa atenção e desse contato direto”, endossou Fidelis.

A defensora pública-geral Maria Luziane Ribeiro de Castro também enalteceu que o sistema de Justiça deve ir ao encontro das pessoas. “O Mutirão PopRuaJud tem a essência da cidadania, um trabalho grandioso que envolve muitos parceiros que buscam a resolução de problemas, que, às vezes, com as burocracias diárias, não é possível. Aqui, em um dia, e de forma simples, essas pessoas saem com solução de conflitos e resgatam, de alguma forma, a dignidade”, reforçou. “São pessoas historicamente invisibilizadas. E em ações como essa mostra o quanto essa população é importante e que a questão de estar na rua é uma situação transitória, mostrando que podem mudar a realidade. É o resgate da cidadania. É o sistema de Justiça transformando vidas”.

Também compareceram à iniciativa o vice-governador Otaviano Pivetta, o prefeito de Rondonópolis, Claudio Oliveira, secretários estaduais e municipais, vereadores e outras autoridades. “Resgatar esses nossos irmãos é um dever do Estado. É nosso compromisso dar as condições para ser possível realizar eventos como esse nos municípios. É preciso devolver cidadania a essas pessoas”, afirmou o vice-governador. “Só tenho a parabenizar o Judiciário pela iniciativa e pela postura por não ficar insensível a essas questões. Isso é promover a Justiça e estaremos sempre por aqui para apoiar”, complementou o prefeito.

Inclusão e humanidade - Essa ação de cidadania é coordenada nacionalmente pelo Conselho Nacional de Justiça, por meio da Resolução 425 de 2021, que instituiu a Política Nacional Judicial de Atenção às Pessoas em Situação de Rua e suas Interseccionalidades. Durante todo o dia, a população em situação de rua e em vulnerabilidade social recebeu uma série de atendimentos, atos concretos de humanidade, dignidade e inclusão. O mutirão visa garantir o acesso facilitado à Justiça, com atendimentos jurídicos nas esferas estadual e federal, emissão de documentos, serviços de saúde, assistência social, vacinação, corte de cabelo, oportunidades de emprego, atendimento odontológico e psicológico, orientação jurídica e inclusão em programas sociais, entre outros.

Além dos atendimentos e emissão de documentos, houve uma série de atividades complementares que tornam o mutirão um espaço de acolhimento e cidadania como oficinas culturais e esportivas, atenção aos animais de estimação da população em situação de rua, doação de óculos e de roupas e kits de higiene, massagem, banho solidário e entrega de medicamentos.

A ação conta com a parceria de dezenas de instituições e entidades da sociedade civil, como o Governo do Estado de Mato Grosso, Justiça Federal, Ministério Público, (Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), Exército Brasileiro, Polícia Militar, Prefeitura de Rondonópolis, instituições de ensino, empresas privadas, além de voluntários e profissionais de saúde, assistência social e direitos humanos.

Desconstrução de paradigmas – Na noite de quarta-feira (14 de maio), véspera do evento, voluntários e instituições envolvidas participaram, no auditório do Tribunal do Júri do Fórum de Rondonópolis, de uma palestra de sensibilização intitulada “PopRuaJud: Diálogos e Afetos” com o professor Juliano Batista dos Santos, docente de Filosofia do campus Cuiabá do Instituto Federal de Mato Grosso (IFMT) e pesquisador da realidade das ruas. O objetivo foi preparar as equipes com uma abordagem mais empática e consciente.

Além dos aspectos teóricos, o professor trouxe à reflexão as experiências reais vividas durante os quatro anos da pesquisa de doutorado com a população em situação de rua, sendo quatro meses vivendo como um deles na região Centro Norte, em Cuiabá. "A ideia é desconstruir preconceitos, mostrar o lado humano dessas pessoas e reforçar que a recuperação da dignidade passa por políticas públicas de habitação, geração de renda e inclusão. Dignidade é o direito de ter direitos", afirmou o professor. O docente revelou, por meio de vivências e pesquisas, o que fazem as pessoas em situação de rua, o que as mantêm nesse cenário, quais as condições que enfrentam, os perfis dessa população, as táticas de sobrevivência e a adaptação delas à vida nas ruas. “São pessoas que estão em ‘vida nua’, pois perdem direitos jurídicos e políticos e vivem meramente em estado biológico. Vive-se em estado de exceção, em desproteção da vida. Vivem em potência de morte, que não se trata do desejo de morrer e sim de não seguir com a vida porque tudo está muito ruim. Torna-se, então, um ser indesejável, excluído e passível de esquecimento”, elencou.

Foram apresentadas ainda a importância das redes de apoio e das ações solidárias, como também fontes oficiais com estatísticas que possam embasar cada vez mais a instituição de políticas públicas a essa parcela da população. Segundo Juliano Batista, a atuação integrada dos profissionais da rede e a sensibilização prévia são determinantes para que a ação do Judiciário alcance, de fato, resultados transformadores. “Além de atender, é preciso enxergar. É preciso entender por que essas pessoas foram parar na rua e o que as impede de sair de lá”, observou.

Registre-se - Simultaneamente ao 1° Mutirão PopRuaJudMT de Rondonópolis, ocorre a 3ª Semana Nacional do Registro Civil – “Registre-se!”, iniciativa da Corregedoria-Geral da Justiça de Mato Grosso (CGJ-MT), também no Ganha Tempo. Essa iniciativa visa combater o sub-registro e garantir aos cidadãos, acesso à documentação básica para que essas pessoas possam exercer seus direitos civis.

Em Mato Grosso, essa campanha é realizada entre os dias 12 e 16 de maio e oferece atendimentos gratuitos voltados à emissão de documentos básicos, como certidão de nascimento, RG, título de eleitor, CPF, Carteira de Identidade Nacional (CIN), além da regularização de registros civis. A iniciativa tem como público pessoas em situação de vulnerabilidade, incluindo a população em situação de rua, pessoas trans, indígenas, egressos do sistema prisional e também aqueles que buscam atendimento de forma espontânea.

O encerramento oficial das ações em Rondonópolis está previsto para às 18h30, no Tribunal do Júri de Rondonópolis, com a presença das instituições parceiras, voluntários e servidores envolvidos, momento em que os resultados dos atendimentos serão apresentados e os parceiros homenageados pelo esforço conjunto.





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