Mato Grosso está entre os estados brasileiros com maior índice de profissionais da Medicina condenados por erro médico. Enquanto a média nacional é de 7% do total de médicos, no Estado esta taxa chega a 8,5%.
De 2000 a 2013, mais de 390 processos envolvendo a questão foram movidos no Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT). Destes, 130 constataram o erro dos profissionais.
Das áreas com maior incidência de processos está a ginecologia e obstetrícia, com 36,02% dos processos. Para especialista em direito médico, a proliferação de cursos de Medicina em todo o país tem contribuído para a formação de profissionais sem a devida qualificação.
Autor do livro “Erro Médico e Judicialização da Medicina”, que será lançado neste sábado (22), na Capital, o advogado e especialista em direito médico Raul Canal, aponta para o preocupante crescimento nos casos de processos e condenações de médicos por falhas e erros de atuação. Segundo ele, pelos dados apresentados, Mato Grosso figura na lista de estados com maior incidência.“Nos últimos 13 anos são 393 processos abertos contra médicos, o que é um número alto em comparação a outros estados. Quanto às condenações, Mato Grosso está acima da média do país. Por isso, é importante que o governo e os órgãos responsáveis tomem medidas para que seja possível um melhor controle de qualidade desses profissionais”.
Na publicação, Canal relata algumas das 130 condenações, como a de uma grávida que sentindo dores do parto, foi até uma unidade hospitalar de Cuiabá por volta das 15h. Chegando ao local, não conseguiu atendimento, pois não havia vagas e ainda não estava com 3 centímetros de dilatação.
Às 23h do mesmo dia, a mulher retornou ao hospital por não suportar as dores. Ela só foi conduzida à sala de parto às 6h30.
Pelo fato da hora do nascimento da criança já ter passado, o obstetra utilizou o “fórceps” para a retirada do bebê. De acordo com os autos, a equipe médica ao perceber que a criança não passava bem, consultou um neurologista que atestou que pelo procedimento não mais praticado pela medicina moderna, o recém-nascido sofreu um trauma perinatal, com 5 fortes marcas no cérebro.
Como resultado do erro médico, a criança perdeu toda coordenação motora e teve paralisia cerebral. Presidente da Associação de Vítimas de Erro Médico de Cuiabá, Maria de Fátima Oliveira pontua a ganância dos profissionais como uma das principais causas de falhas.
Segundo ela, outro fator importante é a qualificação dos médicos em atuação. “Tem muito médico que não tem a menor ideia do que está fazendo, mas acredito que tenha ainda mais médicos que só querem saber do valor da consulta. Eles te atendem rápido para chamar o próximo paciente e pronto”.
FISCALIZAÇÃO
A elevada quantidade de cursos de Medicina em todo o país é algo que precisa ser cuidadosamente avaliado. Atualmente, são 230 no Brasil, sendo que 50 novos cursos foram abertos só nos últimos 2 anos.
Segundo ele, a formação de tantos profissionais por ano compromete a qualificação destes médicos. Para diminuir estes índices, Canal aponta uma maior fiscalização nas faculdades e universidades, assim como nas residências médicas.
De um total de 19 mil novos profissionais, cerca de 7 mil passam pela residência médica.“Não há professor suficiente para essa quantidade de alunos. A prova de que a qualidade dos médicos não está boa é que no ano passado, 2/3 dos profissionais residentes foram reprovados pelo Ministério da Educação (MEC). É por isso que digo que a proliferação de cursos é uma das causas da queda na qualidade e, consequentemente, um crescimento nos casos de erro”.
Em Cuiabá, são oferecidos cursos de Medicina em 3 universidades, sendo 2 particulares. A Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) abriu este ano a disciplina nos campi de Rondonópolis (212 km ao sul da Capital) e Sinop (500 km ao norte). Diretor da Faculdade de Medicina da UFMT, Antônio José de Amorim afirma que apesar de passar 6 anos na instituição, um médico só terá sua capacitação completa ao entrar na residência. “A residência é onde o aluno aplica tudo aquilo que aprendeu. Acompanhado de um profissional que já trabalha como médico, ele pode assimilar exatamente o que é a profissão. As faculdades de Medicina começaram assim. Os aprendizes acompanhavam seus mestres até serem considerados formados”.
Em relação ao perfil dos novos profissionais, Amorim diz que nos últimos anos, pela entrada de alunos cada vez mais jovens, o nível de conscientização sobre a importância da carreira tem sido menor. “Antigamente, passavam nas universidades públicas somente os melhores alunos. Com a implantação de cotas, por exemplo, vejo que o nivelamento caiu bastante. Nas salas de aula, temos estudantes mais interessados em passar do que aprender”.
Como medida para evitar uma queda na qualidade dos alunos, a universidade adotou a prática de grupos menores em salas de aula. Por isso, quando entram 40 estudantes a cada período, eles são divididos em 20. “É uma fase de transição e de natural amadurecimento. Nós percebemos que o aluno formado é totalmente diferente daquele que entrou 6 anos antes”.Dos médicos processados em Mato Grosso de 2000 a 2013, 84,12% eram do sexo masculino.