A Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT) entregou mais de 120 moções de aplausos em sessão especial realizada na Câmara Municipal de Vila Bela da Santíssima Trindade (cerca de 520 km de Cuiabá) na noite de terça-feira (13). Foram reconhecidas pessoas que atuam e atuaram para a preservação da cultura e para o desenvolvimento da cidade, conhecida por ser a primeira capital do estado, pelas belezas naturais e pelas festividades em celebração a São Benedito, o santo negro. A cerimônia foi requerida pelo deputado estadual em exercício Edcley Coelho (PSB).
Entre os agraciados com a homenagem estão integrantes de danças centenárias do município, como o presidente da Associação Dança do Congo, Jean Carlos França de Lira. “A dança do congo tem origem africana e é passada de geração em geração. Durante o mês de julho, a gente faz a representação da guerra que acontecia antigamente. A gente apresenta as nossas músicas quando tem convites [fora dessa época], mas a encenação em si, somente na nossa festa, na festa do Congo”, explicou. “[Esse reconhecimento é] muito importante, por a gente hoje ver tanta indiferença social e tantos casos relacionados ao racismo, preconceito. É muito gratificante a gente ser lembrado, ainda mais pela Casa que representa o povo”, concluiu.
Há mais de 50 anos na Dança do Congo, Berchmans Leite Ribeiro garante que permanecerá no grupo pelo resto da vida. “Quando eu adoeci, minha mãe fez a promessa por mim. Por isso, enquanto eu tiver vida, eu saio na dança do congo, na festa de São Benedito. Então, eu estou desde 1968, mas tive três anos de falha depois da morte do meu irmão”, lembrou o homenageado.
Dançarina de Chorado, em que mulheres dançam equilibrando garrafas de bebidas sobre as cabeças para recordar o ritual que buscava livrar homens negros de punições durante o período colonial, e integrante do Batuque de Quilombo, Flaviane Francisco da Silva demonstrou força das comunidades tradicionais para o resgate da memória de Vila Bela da Santíssima Trindade.
“A gente está na luta para cada vez mais valorizar coisas que foram deixadas pra trás, que foram silenciadas. A voz da mulher, o modo de vestir, de dançar, de falar. Isso é muito presente aqui. Quando você chega a Vila Bela, você sente isso. Vila Bela é matriarcal. Ela é da mulher. Você sente as mulheres empoderadas. Em qualquer lugar que a gente esteja, a gente pode ter orgulho de ser mulher, orgulho de ter origem africana, porque já nos silenciaram demais”, asseverou.
Também homenageada, a historiadora Rosa Betânia Veloso Brito defendeu a importância de manter as tradições vivas dentro de Vila Bela. “O nosso trabalho é divulgar a nossa própria história para os nossos, para a nossa própria comunidade. Nós temos a história, tanto escrita, como nós temos também na prática. Isso acontece na escola, no nosso memorial. Nossa escola é quilombola, então os alunos fazem trabalho retratando a nossa cultura”, afirmou.
“Vila Bela é uma cidade com ancestralidade africana. É uma cidade negra. Então a gente levando, conscientizando, trazendo essa preservação, nossa história não vai morrer. É com esse objetivo e também por ser uma cultura muito linda, eu fico emocionada quando eu falo dessa cultura, que fazemos todo esse trabalho. É uma cultura que tem no período da festança, mas ela é vivida também no dia a dia”, completou Rosa Betânia Veloso Brito.
As congratulações também foram estendidas a diversas autoridades públicas da cidade. É o caso do prefeito do município, André Bringsken (MDB). “Quero agradecer a Assembleia Legislativa, na pessoa do deputado Edcley, que é daqui da Vila Bela, e a Mesa Diretora, por aceitar fazer uma sessão como essa no interior. Uma sessão muito importante, porque aqui foram homenageadas pessoas que fazem, que fizeram e que vão continuar fazendo a história do Vila Bela”, disse o chefe do Executivo. O presidente da Câmara Municipal, vereador Marcos Cléber Fernandes (MDB), mostrou ter ficado contente com o reconhecimento da importância histórica e cultural de Vila Bela e seus munícipes.
Ainda foram outorgadas moções de pesar a Astrogilda Leite de França, servidora pública, dançarina do chorado e símbolo da cultura negra vilabelense, e a Augusto de Barros, cidadão ilustre do município que ocupou cargos na administração da cidade.
O deputado Edcley Coelho ressaltou que a entrega de honrarias é importante, mas defendeu que muito mais deve ser feito para o município. “Estou muito feliz, emocionado. Acho que é o mínimo que o Parlamento estadual poderia fazer para Vila Bela. Uma cidade diferente, pela sua história, cultura e tradição. O Poder Legislativo estadual, ao autorizar essa sessão na primeira capital do estado de Mato Grosso para homenagear as pessoas que vêm guardando essa história bicentenária viva, eu acho que paga um pouco daquela dívida que eu sempre falo que o estado de Mato Grosso tem com Vila Bela. Eu falo de estado, não de governo, não de pessoa. Apesar disso, aqui há um povo de resistência, de luta, que manteve a sua fé em São Benedito e nos santos”, desabafou o parlamentar.