Curiosidades Domingo, 26 de Julho de 2015, 11h:23 | Atualizado:

Domingo, 26 de Julho de 2015, 11h:23 | Atualizado:

MUNDO REAL

Lar da Criança abriga 13 "especiais" à espera de famílias adotivas

 

Keka Werneck
Repórter MT

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A vida vale à pena? É uma pergunta que surge, quando se depara com a realidade de 13 crianças especiais, prontas para adoção, abrigadas no Lar da Criança em Cuiabá.

Três dessas crianças, que são meninos,  de 5, 6 e 8 anos, levam vida vegetativa. Na rotina deles, o que fazem, por conta própria, é abrir os olhos e, muito eventualmente, sorrir.

Estas três crianças que levam vida vegetativa têm direito a Home Care, conforme decisão judicial. Quem adotá-las levará esta estrutura de aparelhos e profissionais da saúde junto, assim como a pensão, que ajuda nos gastos básicos, como fraldas por exemplo.

Outros cinco especiais são cadeirantes, entre eles uma menina, e com graves sequelas motoras. Todos têm muita dificuldade para se comunicar, não falam, mostram baixa capacidade de aprendizagem e outros comprometimentos físicos e neurológicos.

Três adolescentes são diagnosticados com autismo. Um deles salta, vira piruetas o tempo todo e tem o impulso de tirar a roupa. Os outros dois são calmos e, de acordo com os cuidadores, muito obedientes, em especial um deles, que adora ler revistas e ver noticiário.

Para finalizar os 13, há ainda duas meninas, sendo uma moça de 15 anos, e uma de 1 ano e 8 meses, que esperam, assim como todos os outros especiais, por uma família.

Por estarem todos prontos para adoção, a esperança da direção, dos cuidadores e das técnicas em enfermagem do Lar, que se desdobram para melhorar a qualidade deles, é que possam ter uma família, que cuide de cada um deles individualmente.

Mas isso é possível mediante diversas complicações neurológicas de maior e menor gravidade?

ALA DOS NEUROPATAS

Após um corredor, um pátio, uma rampa, uma sala de televisão, chega-se à enfermaria dos neuropatas no Lar da Criança de Cuiabá.

De cara, encontram-se vendo televisão as cinco crianças cadeirantes, curtindo um desenho animado. Um deles, de 11 anos, que tem um pouco menos de limitações físicas e intelectuais, já abre o sorriso, já tenta apontar, dar sinal de joia e o amigo, ao lado, se retorce, gargalhando.

Uma das cuidadoras explica que eles são amigos. Brincam um com o outro, com a cadeira de rodas lado a lado. Eles fazem carinho um no outro e não se sabe sobre o que “conversam” mas riem muito.

Este menino de 11 anos adora música. No natal do ano passado, ganhou um violão de uma pessoa solidária às crianças do Lar. Quando o líder de plantão Paulo Rogério abre a caixa do instrumento, o menino, com gestos lentos, pede para tocar. Com dificuldade, risca o dedo nas cordas, feliz com o feito. É aplaudido.

“O motorista do Lar toca às vezes para ele e ele chora de emoção”, conta o cuidador.

Um outro menino de dois anos ainda tem feições de bebê. Ele ri quando é abordado e adora ver televisão.

Cada um deles tem suas características, embora não saibam expressar com exatidão tudo que querem, que pensam, que gostariam de ter ou ser. Mas, após a primeira impressão que se tem deles, 10 minutos é o suficiente para perceber que sim, a vida vale a pena.

Quando é agendado passeio em área aberta, todos vão, exceto os três em estado mais grave ou que representam alguma dificuldade em público.

Por não ter ido ao cinema, o rapaz autista, de 21 anos, estava chateado nesta quarta-feira (22), quando o  visitou o Lar da Criança com autorização formal dada pelo juiz Jorge Iafelice dos Santos, em substituição na 1ª Vara Especializada da Infância e da Juventude. Mas é que ele não consegue ficar parado tanto tempo durante a sessão e poderia atrapalhar a programação.

A coordenadora geral do Lar, Marimar Michels, explicou a ele que na quinta iria ao zoológico da UFMT. Depois do “bate-papo”, aceitou distribuir beijos no rosto e se mostrou envergonhado, escondendo o rosto.

Alguns vão à escola Livre Aprender, unidade estadual para alunos especiais. Afinal na sala de aula, como todas as pessoas, têm muito a ganhar, inclusive com a convivência.

No Lar, recebem todas as refeições do dia, servidas normalmente, em forma de papa ou através de sonda.

Boa parte deles dorme bem e, quando o dia amanhece, inicia novamente esta rotina.

AMOR INCONDISCIONAL

A coordenadora geral explica que os pais interessados em adotar crianças especiais devem saber dar o amor incondicional, aquele que atravessa o que os olhos veem e chega à alma.

“São crianças que também merecem uma oportunidade de ter família, uma convivência comunitária, ser criado em ambiente de amor individual”, destaca ela.

Ela confirma que são raros os casos de adoção de crianças especiais. Em um ano na coordenação do Lar, assistiu apenas um caso, contra mais de 40, envolvendo crianças sem problemas neurológicos.

“Pode apadrinhar primeiro, depois levar para casa de vez em quando, em finais de semanas, feriados, férias, e a pessoa vai adquirindo apego, vai construindo esse amor aos poucos, em uma aproximação sucessiva, até que a pessoa chega ao ponto que não consegue mais viver sem esse meu filho ou minha filha”, explica Marimar.

Quem adota especiais geralmente são pessoas que já estão em contato com as crianças, como funcionários do Lar, ou têm casos na família ou outros filhos em condições semelhantes.

“Sabemos que é uma decisão difícil, mas se vier um anjo para levar um deles, a gente sempre fica feliz e agradece”, comenta a coordenadora.

‘ALINE É A ALEGRIA DA CASA’

A adoção de especiais pode até ser difícil, mas não impossível de acontecer. Há 2 meses, a neuropata Aline, de 16 anos, deixou de ser uma criança tutelada pelo Estado e passou a ter uma família.

Quem abriu as portas para ela foi a enfermeira Sidnéia Aparecida, de 47 anos, que trabalhou durante 7 meses no Lar da Criança. Foi lá que ela conheceu Aline, entre outras crianças, mas sentiu muita afinidade com ela.

Aline não anda, não fala e não ouve, mas depois que foi acolhida pela família já avançou em vários pontos, um deles é que aprendeu a comer sozinha e comida igual à de todos da casa. Também já aprendeu a engatinhar e ganhou peso e isso é importante porque ela era muito magrinha.

O marido de Sidnéia e os outros quatro filhos biológicos dela aceitaram muito bem a decisão de adotá-la e também gostam demais da adolescente, ajudam a cuidar e a paparicar a “princesa”.

A cada superação da menina, que tem idade mental de 5 ou 6 anos, todos comemoram com ela.

“Cuido como a um filho meu. O amor é igual e o cuidado é até maior porque ela precisa”, explica a enfermeira, que continua trabalhando, dando plantões no Pronto Socorro Municipal de Cuiabá.

Quando ela não está em casa, Aline fica com o marido ou com os irmãos.

Para quem quer fazer o mesmo que Sidnéia, uma dica. “Não é fácil, exige cuidados e dedicação. Mas, se você tiver vontade e disponibilidade, vale à pena. A Aline é a alegria da nossa casa”, afirma.

RESULTADO DO USO DE DROGAS PESADAS

Salvo raras exceções, essas 13 crianças desenvolveram esses problemas porque são filhos de usuários de drogas pesadas, principalmente o crack.

O vício durante a gravidez ou após o parto desestruturou mães e também pais, que não assumiram a tarefa de cuidar, proteger, dar casa, alimento e afeto, como preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

“Todos aqui são vítimas de negligência, agressão ou abandono”, ressalta Marimar, que é psicóloga.

Segundo ela, quando chegam, o estado emocional e de saúde das crianças é precário e demora um tempo de recuperação principalmente emocional.

LIÇÃO DE VIDA

A técnica em enfermagem Shirlene Silva, de 39 anos, há seis meses cuida do menino de 8 anos, que é acamado. Ele não tem condições intelectuais e nem físicas de reação. Com o respirador na boca, nem mesmo para dormir tem sossego, porque sofre de dispneia noturna e não pode entrar em sono profundo sob o risco de falecer. Um dos papéis de Shirlene, é acordá-lo quando isso acontece e a máquina avisa.

“Agradeço a Deus todos os dias pelos meus dois filhos, que são perfeitos, que correm para lá e para cá, têm a oportunidade de me chamarem de mãe e com esse pequeno eu tenho que adivinhar o que ele quer. Mas nesse tempo de convivência, aprendi a entendê-lo, de alguma forma. Sei quando está com dor e só tem um jeito dele sorrir: é quando eu o chamo de meu neném. É muito afeto, a gente se apega”, comenta a plantonista.

No Lar, a cuidadora Elisângela Maria de Almeida, de 30 anos, faz, há um ano e meio, o que uma mãe costuma fazer em casa. “Além de auxiliar as técnicas de enfermagem, eu arrumo os quartos, cuido das roupas de cama e de uso pessoal, dou banho, coloco filmes, ligo a televisão e outras tarefas”, explica.

“Para mim, conviver com eles é um aprendizado, uma lição de vida, porque nós banalizamos tanto cada gesto e para eles um simples ato de carinho é de tanta importância”, ressalta a cuidadora Elisângela.

NENHUMA VISITA

Nenhuma das crianças neuropatas do Lar da Criança recebe visitas de familiares e estão com o pátrio poder destituído, exceto uma menina de 1 ano e 8 meses, que recebe eventualmente a visita da mãe.

No ambiente do Lar, vivem como irmãos, amigos e companheiros que têm em comum o fato de não terem ninguém por eles, no mundo lá fora.

COMO ADOTAR

- Procurar a Vara Especializada da Infância e Juventude no caso de adoção.

Avenida Dante de Oliveira, Complexo Pomeri

- Procurar a Comissão Estadual Judiciária de Adoção (Ceja) para o caso de apadrinhamento.

E-mail: [email protected]

Telefone 3617-3054 ou 3121

Mais informações: Associação Mato Grossense de Pesquisa e Apoio à  Adoção - AMPARA: (65) 3653-1109 / (65) 9981-0778





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Comentários (1)

  • Joe Pablo

    Segunda-Feira, 27 de Julho de 2015, 10h14
  • Eu quero parabenizar a equipe do site pela sensibilidade e dedicação à uma matéria tão Humana quanto essa. Meu coração aperta por não poder ajudar essas crianças e aproveito para pedir à outros que estejam lendo essa matéria.. e que tenham condições financeiras e emocionais.. que reflitam sobre a adoção de uma dessas crianças.
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