Pelo menos 2,2 milhões de mulheres chefes de família foram cortadas do auxílio emergencial ou não estão mais recebendo a maior parcela do benefício, de R$ 375, em 2021.
Para chegar a esse dado, o Metrópoles subtraiu o número de beneficiárias que receberam ao menos uma parcela de R$ 1,2 mil no ano passado com o daquelas consideradas elegíveis, também como mães solo, para o auxílio emergencial deste ano. Os dados foram obtidos com o Ministério da Cidadania.
Em 2020, o governo federal pagou a primeira parcela, de R$ 1,2 mil, a 10,833 milhões de brasileiras que cuidavam, sozinhas, da família.
Agora, em 2021, 8,576 milhões receberam o benefício no valor de R$ 375. Trata-se de uma queda, portanto, de 21% no período. Nem todas, porém, foram cortadas necessariamente em 2021, pois o governo realiza um pente-fino mensalmente para evitar fraudes.
Em contrapartida, relatos de mães solo, em redes sociais e em grupos de apoio, apontam que os cortes se intensificaram ao longo dos últimos meses, sobretudo em junho.
Apesar de 8,576 milhões de mães chefes de família terem sido consideradas elegíveis para o recebimento da primeira parcela de R$ 375, o Ministério da Cidadania reanalisa os dados todos os meses, fazendo com que brasileiras deixem de receber as cotas seguintes.
Isso aconteceu com a autônoma Katly Rocha, de 30 anos. Morando somente com o filho, de 8 anos, em Belo Horizonte, ela recebeu duas parcelas em 2021, mas foi bloqueada no último mês.
“No ano passado, recebi todas as parcelas, incluindo a extensão. Neste ano, recebi as duas primeiras, mas a terceira e a quarta estão bloqueadas. E não consegui contestar nenhuma das duas”, relata a mulher, em conversa com o Metrópoles.
“Até então, estava me virando com o dinheiro do auxílio. Agora tenho recebido ajuda da minha mãe. São dois meses sem resposta. Dá um certo desespero estar presa em casa, não ter de onde tirar dinheiro, ver seu direito sendo bloqueado sem ter a oportunidade de fazer algo; contas acumulando, medicação precisando estar em dia”, prossegue.
Katly evita sair de casa, pois o filho tem bronquite asmática e, portanto, pertence ao grupo de risco do novo coronavírus. “Meu filho também tem TDAH e TOD. Ele não pode ficar sem a medicação”, completa.
“Esses bloqueios não tiveram clareza nos motivos e boa parte [das beneficiadas] sequer teve a oportunidade de contestar, pois, no auxílio emergencial 2021, o Ministério da Cidadania criou bloqueios que não permitem a contestação”, explica o jornalista Leonardo Caprara, do Canal Consulta Pública. Ele tem ajudado famílias a receberem créditos do auxílio emergencial.
Ao Metrópoles, o Ministério da Cidadania informou que entre a primeira e a terceira parcelas de pagamento do auxílio emergencial 2021, foram cancelados ou bloqueados nos processos de revisão realizados mensalmente 4,4% dos benefícios para mães monoparentais.
A Rede Brasileira de Renda Básica (RBRB) enviou um ofício à pasta federal, na terça-feira (20/7), cobrando medidas do órgão em relação às mães solo. A associação lista mais de 1,1 mil mulheres que tiveram o benefício negado, em 10 casos diferentes.
“São mães que já estavam aprovadas e foram surpreendidas com a decisão de cancelamento do benefício”, explica a diretora de Relações Institucionais e Internacionais da RBRB, Paola Carvalho. Há também casos de mães solo que passaram a receber cota única de R$ 150, que ainda permanecem em processamento ou, por exemplo, que deixaram de receber devido a outra pessoa do núcleo estar recebendo.
“Isso, para a pessoa que está contando com esse benefício, é horrível. E o fato de serem mães solo é pior ainda, pois são as únicas responsáveis pelas crianças. Isso em meio a uma pandemia. As mulheres ficam desesperadas”, relata Paola.
“A gente já conseguiu reverter várias situações, mas queremos a reversão de todo mundo que foi cancelado”, complementa.
Mãe de uma criança de 2 anos, a professora de educação física Maria Gabriela, de 36 anos, foi uma das mulheres que conquistou de volta o direito ao auxílio emergencial de 2021, com apoio da Rede Brasileira de Renda Básica.
O problema dela também é recorrente. No ano passado, ela conseguiu acesso ao benefício somente depois de entrar na Justiça. Neste ano, contudo, o governo voltou a reprová-la.
“Em 2020, eu falei com uma advogada. Ela fez por amizade. Agora, neste ano, disse que eu teria de pagar. Então não consegui entrar na Justiça de novo. Estava acusando que eu tinha emprego formal, só que o meu último patrão não deu baixa”, diz.
Em junho deste ano, contudo, ela conseguiu reverter a decisão do Ministério da Cidadania e recebeu as parcelas atrasadas.
“Foi um período muito complicado. Eu faço bico de professora de educação física. Um personal aqui, um outro ali. Então, tem mês que tem e mês que não tem”, relata a moradora de Cabo Frio, no Rio de Janeiro.
No ano passado, 60 mil pessoas foram consideradas elegíveis, assim como Maria Gabriela, por decisão judicial.
“Não dá para deixar que um erro no sistema deixe pessoas morrerem de fome. Mais do que denunciar, é importante que o governo federal corrija esses gargalos”, avalia Paola.
Outro lado
Em nota, o Ministério da Cidadania informou que tem adotado as medidas necessárias para alcançar as famílias em situação de maior vulnerabilidade, assegurando uma renda mínima para essa parcela da população, com responsabilidade fiscal.
“Até o momento, 39,3 milhões de famílias foram contempladas, e o repasse para o pagamento das quatro primeiras parcelas é da ordem de R$ 35 bilhões. O governo federal anunciou neste mês um aporte de R$ 20,2 bilhões para o pagamento de mais três parcelas, totalizando um orçamento da ordem de R$ 64,2 bilhões”, prosseguiu a pasta, em comunicado.
O órgão esclareceu também que todos os dados encaminhados pela Renda Básica Brasil (RBB) estão sendo processados pela pasta, que vai responder cada um dos 1.070 CPFs enviados. O ministério antecipou que a avaliação inicial realizada em alguns cadastros, contudo, comprova que a regra foi aplicada corretamente.
“Conforme determina a legislação, para a concessão do auxílio emergencial 2021, são consideradas as informações declaradas na ocasião do requerimento do benefício que trata o art. 2º da Lei nº 13.982/2020. Para as pessoas inscritas no Cadastro Único, são utilizados os dados registrados no sistema em 2 de abril do ano passado. Portanto, caso a composição familiar tenha se alterado após essa data, em obediência à legislação em vigor, é considerada a composição que tornou a pessoa elegível”, afirma.
Sobre o corte de 4,4% dos benefícios entre a primeira e a terceira cota, a pasta federal alegou que as beneficiárias deixaram de atender a pelo menos um dos critérios previstos em lei.
“É importante lembrar que os batimentos mensais foram determinados pela legislação que disciplina o pagamento do auxílio emergencial 2021. As ações de controle e fiscalização têm como objetivo evitar recebimentos indevidos e garantir que o benefício chegue aos cidadãos de menor renda”, destacou, por fim, o ministério.