Faltava pouco mais de um mês para Andressa Christine Medeiros dos Santos, de 33 anos, completar 10 anos na Polícia Militar, quando recebeu a notícia de sua expulsão da corporação. A ex-cabo da PM é acusada de participar de diversos eventos sociais e compartilhar, nas próprias redes, uma rotina de exercício na academia, isto enquanto estava afastada do serviço por licença médica. Tal conduta foi descrita como "transgressão disciplinar de natureza grave" no boletim interno da corporação que comunicava a expulsão. A agora ex-agente, mulher de temperamento forte, disse que não está disposta a perder tudo o que conquistou como policial por conta de uma “calúnia”. Em entrevista ao EXTRA, Andressa Christine faz várias acusações à Polícia Militar sobre o caso. A reportagem entrou em contato com a PM, mas não houve retorno até a publicação.
Por que você foi excluída da corporação?
Eu não tenho objetivo de atacar ninguém. Eu só me defendo. Estou sendo caluniada. Sofri assédio. É isso que está acontecendo. De uns tempos para cá, passei a ser perseguida. Fui julgada pelo Conselho de Disciplina por três oficiais competentes designados para me julgar. Fui julgada e absolvida. Depois sou excluída? Como é que é isso?
A sua exclusão não foi pelo conselho da Polícia Militar?
Eu passei por um Conselho de Disciplina que durou meses. Houve as audiências no âmbito militar, que funcionam como na Justiça comum, em que foram ouvidas várias testemunhas de acusação. Fiz minha defesa. Fui julgada por três oficiais que votaram a meu favor, pela minha permanência na corporação. E o comandante do meu batalhão também votou a favor. Foram quatro votos ao todo favoráveis. Aí, na Corregedoria Interna, resolveram me excluir. É no mínimo estranho, né?
Por que isso ocorreu, já que você disse que foi absolvida?
Eu não cometi nenhum crime. Eles tentaram me imputar o crime de estelionato. Dizer que eu cometi fraude na minha licença para tratamento de saúde é uma calúnia. Um dos oficiais que me persegue tentou me imputar vários crimes. Mesmo depois de absolvida. Isso foi para eu não sair sem nada. Para isso, eles decidiram me dar uma transgressão grave.
Como está sua situação agora, após ter sido excluída da PM?
Estou saindo com uma mão na frente e outra atrás. Depois de toda a minha dedicação, praticamente 10 anos de vida para a polícia. Eu tinha uma estrutura financeira aí, do nada, acabou tudo, não recebo nada? Ainda tenho sofrido assédio de um monte de gente falando: “se ferrou”, “vai ganhar a vida lavando cachorro”, “vai vender cachorro-quente”. Isso não é desonra. Se tiver que lavar cachorro, por exemplo, eu vou. Eu amo animais. Será um prazer. Se tiver que vender cachorro-quente na barraquinha, também vou. Tenho conhecidos que vendem sanduíches maravilhosos. Mas o intuito não é esse. É me humilhar, me deprimir, me diminuir. Cerca de 99% do Brasil me ama. Mas esse 1% que me odeia invadiu minhas redes para me xingar, falar palavras de baixo calão.
Estão te procurando nas suas redes sociais?
Sim, até meu WhatsApp eles já descobriram. A polícia me expôs a uma situação de perigo, inclusive. Há pessoas que dizem que tenho que morrer, que tinham que ter dado tiro na minha cara e não no pé. Estou horrorizada. Ontem eu recebi várias. Eu bloqueio e a pessoa retorna usando outro chip. Fui hostilizada por servidores públicos, dizendo que eu estava prejudicando colegas. São coisas que colocam minha integridade física em risco. Podem falar o que quiserem, eu não ligo, mas a partir do momento que eu sofrer algo mais grave, o estado tem que se responsabilizar pela minha segurança. Tendo em vista que eles me expuseram. Se algo acontecer comigo, a minha família vai acionar o estado. Estou guardando tudo. Todos os documentos, injúrias por todos os meios.
Você acha que está sofrendo preconceito por ser mulher?
Estou sofrendo preconceito. Sempre lutei para ser vista como um servidor, independentemente de ser mulher. Eu não tenho medo. Eu sempre trabalhei em favelas, nunca trabalhei em batalhão de rua (Andressa entrou na Polícia Militar em 20 de abril de 2012, para integrar o efetivo das Unidades de Polícia Pacificadora, as chamadas UPPs). A minha vida toda. Então, eu já era conhecida por causa disso. Sempre fui uma pessoa com aparência marcante. Não sou uma pessoa fácil de se esquecer. Hoje não consigo ir na rua.
Você falou em assédio, de que tipo?
Eu sofri muito assédio sexual. Ao longo da minha carreira toda. Isso não vem ao caso agora. Não é a minha pauta agora. Não que eu não queria por medo de me prejudicar pelo processo que vou mover contra o estado para voltar. Eu já estou fora, não estou nem aí. Só quero que todos sejam responsabilizados pelo que estão fazendo comigo agora, tendo em vista que estou sendo atacada demais. Eu farei de tudo para que as pessoas sofram as consequências do que fizeram comigo.
Então tudo que disseram contra você é falso?
Eu não peguei licença nenhuma para ficar sambando ou para ficar malhando. Naquela ocasião, eu fui baleada numa tentativa de assalto na minha folga. Tomei um tiro no pé. Eu não inventei uma licença como eles disseram, não “meti uma licença”, como falaram. Eu tomei um tiro, fui operada no Hospital Central da PM, que me licenciou. O oficial que me excluiu da polícia foi longe, usou de má fé. Ele usou informações sigilosas sobre o meu estado de saúde, que ele nem tinha direito de tomar conhecimento. Eles que deram tiro no próprio pé. Como eles podem ter exposto a vida de uma funcionária pública como fizeram comigo? Ainda dizem que eu “metia atestado” para "ir sambar e ir malhar”. Isso significava que eu pegava um atestado falso?
Quando você ficou de licença médica?
Foi em 27 de julho de 2018. Fiquei três meses sem andar. Andava de muletas. Eu operei e tive que colocar grampos nos dedos. Tive que fazer mais de 30 sessões de fisioterapia. Eu fui treinar na academia depois, porque o médico me indicou. Fui malhar sim. O médico do Hospital Central da PM mandou eu fazer atividades físicas com algumas restrições. Está lá escrito um laudo com a descrição e assinado por ele.
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Mas como você explica a situação das suas fotos em redes sociais malhando e sambando?
Então, eles pegaram um monte de vídeos e fotos minhas antes de eu sofrer o fato (a tentativa de assalto). Ficou parecendo que fosse da época. Eles manipularam uma situação. Tanto que já estou com o advogado para processar todo mundo que fez isso comigo. Todo mundo que mentiu e invadiu a minha privacidade e da minha família. Todo mundo que me caluniou.
Você já havia processado o estado antes por cobrança do desconto do fundo de saúde?
Eu disse que não queria pagar a contribuição. Aí eu recebi tudo que tinha sido descontada.
Por que essas pessoas decidiram prejudicá-la?
Os motivos pelos quais essas pessoas me odeiam eu não sei. Apesar dessa guerra que estou vivendo, eu busco paz. Foi a profissão que escolhi. Eu fui baleada porque fui reconhecida porque eu estava armada. Perceberam que eu era policial. Já perdi muitas noites de sono dentro de favelas em prol da sociedade, arriscando a minha vida. Eles querem reclamar porque eu estava sambando, malhando, que até é bom. Há vários funcionários públicos dessa força que deveriam estar malhando, por sinal. São pessoas que se precisarem correr, não aguentam dar dez passos. Ninguém vê o que fiz pela corporação.
Onde você prestou serviço?
Em várias UPPs: Vila Cruzeiro (Penha), na Chatuba (Mangueira), no Jacaré, Batan (Realengo), Lins, Cidade de Deus... Tive que me mudar por morar perto de uma delas e fui reconhecida e ameaçada. São situações diversas que me trouxeram prejuízos.
Você se sente injustiçada?
Sim, me excluíram porque eu estava malhando! Tem policial aí estuprando, assassinando. E sou eu que não presto? Eu não presto porque eu não cedi ao que alguns oficiais me propuseram. Eles me cantavam. Eu não me submeti a diversas situações. Eu tenho que ser vista como um servidor como qualquer outro. Tenho que ser respeitada como os homens ou mesmo outras mulheres. Independente de eu ser feia, bonita, gostosa, magra, gorda, preta. Estou prestando o serviço da maneira que me pedem. Eu prestei um concurso público para isso.
O que você mais quer é retornar à Polícia Militar?
Vou lutar até o fim. Se eu estivesse errada, dei mole, não tenho que exigir nada. Mas não é o caso. As coisas não são assim. Inventam as coisas para destruir uma carreira, uma vida. Eles têm que entender que uma decisão dessa é uma responsabilidade grande. Dez anos não são dez minutos. Algumas pessoas que ocupam uma cadeira têm que saber que não podem fazer o que querem com as outras. Não pode, simplesmente, apagar suas histórias.