Lembro como hoje, já fazem mais de 20 anos quando um grande amigo estava estagiando num escritório de advocacia e me convidou para dar aula, uma vez que o seu chefe e professor da faculdade tinha viajado e o pediu para substituí-lo.
Na expressão jurídica ele substabeleceu para mim a missão e logo aceitei o desafio, porém sem saber qual seria o tema da aula, até porque o professor titular já tinha esgotado a sua matéria naquele semestre.
Pois bem, para a meu alívio, o tema da aula era livre, uma vez que não haveria tempo para preparar uma aula específica. E, se o tema é livre, então escolhi falar sobre Direito Tributário, matéria por vez, desde sempre do meu apreço, muito embora hostilizada por quase a totalidade dos alunos universitários.
Porém, para chamar a atenção da turma, logo falei que naquele ano, ou seja, em 1999 ninguém no Estado de Mato Grosso estava obrigado a pagar o ICMS!
Isso mesmo, ninguém!
Mas para não parecer insano, passei a desenvolver a tese no quadro, ainda negro e com giz.
Ao tratar sobre o Princípio da Anterioridade previsto na Constituição sustentei que a instituição ou majoração de tributo, em regra, apenas pode gerar efeitos no exercício posterior à data da publicação da respectiva lei.
Portanto, se uma lei que instituiu um tributo foi publicada no ano de 1999, apenas poderá gerar efeitos no ano de 2000.
Assim noticiei que em 1998 foi sancionada a nova Lei do ICMS no âmbito do Estado de Mato Grosso, fazendo constar ao longo de seu texto que está revogada toda a legislação anterior que dava respaldo legal à cobrança do aludido tributo.
Ocorre que por um erro operacional, a nova Lei apenas veio a ser publicada na Imprensa Oficial do Estado já em Janeiro de 1999, até porque naquela época não havia ainda a publicação eletrônica.
Então, como o Princípio da Anterioridade previsto na Constituição Federal apenas trata dos efeitos na norma e não da sua vigência ou validade, a revogação da legislação antiga estava plenamente válida.
Quer dizer, a nova Lei do ICMS estava em vigor em 1999, mas de acordo com a referida regra constitucional, o ICMS apenas poderia ser exigido no ano seguinte.
Mas e a lei antiga? Ora, a lei antiga como mencionado foi revogada pela nova lei, não podendo assim, gerar efeitos em 1999.
Com esse tema pelo menos consegui instaurar o debate em sala de aula numa noite acalorada de sexta-feira, postergando assim, a tradicional hora do boteco.
Victor Humberto Maizman
Advogado e Consultor Jurídico Tributário, Professor em Direito Tributário, ex-Membro do Conselho de Contribuintes do Estado de Mato Grosso e do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais da Receita Federal/CARF.