Opinião Sábado, 31 de Julho de 2021, 14h:57 | Atualizado:

Sábado, 31 de Julho de 2021, 14h:57 | Atualizado:

Ricardo Spinelli

Aspectos Epistemológicos da Novel Lei de Improbidade Administrativa

 

Ricardo S. Spinelli

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Como é cediço, foi aprovado, em 16 de junho de 2021, pela Câmara dos Deputados, o projeto de Lei (PL) n.º 10.887/2018, de Autoria do Deputado Federal Roberto de Lucena, que, de maneira singela, tem como espeque substanciosa alteração legislativa de dispositivos da atual Lei de Improbidade Administrativa (Lei n.º 8.429/92).

Neste racional, dentre as mudanças significativas, à titulo de ilustração, merece o destaque para a necessidade do elemento subjetivo – dolo – visando a configuração dos atos de Improbidade Administrativa descritos nos Arts. 9º, 10 e 11 da Lei n.º 8.429/92 (v.g., atos ímprobos que importam em enriquecimento ilícito, em prejuízo ao erário e os que atentam contra os princípios da Administração Pública), sendo certo que, caso seja aprovada a legislação ora em comento, não haverá punição do agente na modalidade culposa, a toda evidencia.

Isto porque, só haverá punição, de acordo com o referido projeto de Lei, “aquele que tiver a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos Arts. 9º, 10 e 11, não bastando a voluntariedade do agente”; e, prossegue, “o mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa”. Assim, sem maiores digressões, caso a interpretação hermenêutica for diversa, certamente a Administração poderá punir indiscriminadamente os atos apenas ilegais praticados como se fossem atos de improbidade, o que acaba, por este viés, alterando a essência do mencionado projeto de Lei.

Destarte, não se deve admitir que a conduta culposa renda ensejo à responsabilização do agente por improbidade administrativa; com efeito, a negligência, a imprudência ou a imperícia, em que pese possam ser consideradas condutas irregulares, e, portanto, passíveis de sanção, por um lado, não são suficientes para ensejar a punição por improbidade administrativa, por outro, devendo ser sancionadas com outras penas, até para se atender ao requisito da proporção das coisas, tão essencial no Direito Sancionador.

Aceitando-se essa matriz analítica do ato de improbidade sugerida nessa ponderação, pode-se concluir que eventuais ilegalidades formais ou materiais cometidos não se convertem automaticamente em atos de improbidade administrativa, se nelas não se identifica a vontade deliberada e consciente de agir. Quer dizer, excluindo-se a possibilidade de improbidade meramente culposa; essas limitações, de todo modo, servem à finalidade de escoimar da prática administrativa a banalização das imputações vazias, genéricas e generalizantes, bem como tornar-se destoado de elemento tangível e base empírica idônea o manejo das ações de improbidade administrativa sem substrato normativo e os seus pressupostos mínimos autorizadores.

Além do mais, a tipificação deficiente ou a falta de tipificação fechada do ato ímprobo como é manifestamente desejável, por se tratar de requisito próprio do Direito Sancionador, pode levar a Administração punir com a mesma sanção os atos simplesmente ilegais e os atos induvidosamente caracterizados como de improbidade administrativa praticado, o que impõe a atuação moderadora e corretiva do Poder Judiciário, para evitar os excessos e o tratamento uniforme de situações objetivas distintas e inconfundíveis, com infração ao princípio da reserva de proporcionalidade.

Dito de outro modo, é intolerável, do ponto de vista jurídico, que a conduta administrativa reconhecidamente culposa enseje a aplicação da mesma enérgica sanção que merece a repressão à conduta comprovadamente dolosa, caracterizadora do ato de improbidade administrativa, para não se infringir a regra de ouro da proporcionalidade das reprimendas legais, de tão antiga quanto respeitável exigência e tradição: o ato havido por negligente, imprudente ou imperito (culposo) não se alça, para efeitos de dogmática, ao nível de ato ímprobo, a ensejar punição que a este último se comina. Não há espaço, portanto, para a possibilidade de haver “desonestidade por descuido”.                                   Ainda no campo dos atos tachados como ímprobos, convém salientar que meras irregularidades formais não configuram ato de improbidade administrativa, bem como a exegese dos dispositivos legais revelam que a legislação de regência objetiva punir o Administrador Público desonesto, que praticou o ato de forma consciente e intencional (elemento volitivo), não punindo, deste modo, o inábil, conforme precedentes aplicáveis a espécie.

Nada obstante, exigindo a conduta dolosa do agente público, de acordo com os ditames do projeto de lei, como condição sine qua non (deontológica de procedibilidade) para a configuração da improbidade administrativa, ao que tudo indica, poderá existir a discussão quanto a participação do particular na conduta de “beneficiar-se” (elementar objetivo do tipo), e, nesta hipótese, acaba, de forma perfunctória e analisando genericamente o seu significado semântico, por permitir a sua equivocada responsabilização na “modalidade culposa”, o que certamente contrariará o mencionado projeto que pune apenas o agir doloso. 

À guisa de ilustração, admitir-se a participação do particular como mero beneficiário, nas formas definidas no projeto de  lei, que somente admite a forma dolosa para o agente público, inegavelmente estará admitindo a possibilidade do particular responder pela prática, em tese, da improbidade culposa, posto que, se o particular for apenas o beneficiário  e não tiver “induzido” ou “concorrido” para o ato improbo, certamente sujeitar-se-á responsabilidade na modalidade culposa, que, diga-se desde logo, nem mesmo será admitida para o agente público. 

Desta maneira, haverá apenas a responsabilização do particular para as condutas de “induzir” ou “concorrer” para os atos ímprobos, exigindo, por imperativo legal, nestas hipóteses, por certo, o agir doloso (Lei n.º 8.429/92, Art. 3º). Deveras, o citado projeto de lei altera essa idiossincrasia legislativa ao pontuar que apenas as ações ou omissões dolosas, que causarem lesão ao erário, serão punidas com as severas sanções legislativas, as quais, inclusive, foram majoradas na proposta aprovada pela Câmara dos Deputados.

Cumpre-se, outrossim, frisar que o elemento subjetivo – dolo – não permite a responsabilidade objetiva na seara da improbidade administrativa, certamente utilizada na Lei Anticorrupção, denominada por alguns como “Lei de Improbidade Empresarial” (Lei n.º 12.846/2013), assim como, na recente lei de licitação (Lei n.º 14.133/2021), que, permite a responsabilidade objetiva empresarial, apesar de ser bastante criticada por boa parcela da doutrina.

Sobremais, as outras mudanças significativas são, dentre elas, in verbis: limite de prazos para ressarcimento aos cofres públicos; legitimidade privativa do Ministério Público para propor ações; prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias para o Ministério Público investigar; previsão de celebração de acordo de não persecução cível; fim do tempo mínimo de punição com suspensão de direitos políticos, que atualmente é de 8 (oito) anos; e, a prescrição de 8 (oito) anos do fato e não mais do mandato, ou, no caso de infrações permanentes, do dia em que cessou a permanência.

A título de fecho, é importante registrar que o mencionado projeto de lei foi remetido para o Senado Federal, que, de forma insofismável, apreciará os dispositivos legais objeto de alteração legislativa.

Ricardo S. Spinelli é Advogado, Professor Universitário, Diretor Jurídico do Grupo Piran e do Intrabank. Mestrando em Direito. Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela FMP. Especialista em Direito Público pela PUC-MG. Pós-graduando em Direito Constitucional pela Faculdade Legale. Pós-graduando em Direito Civil Empresarial pela Faculdade Legale. Possui cursos de extensão e aperfeiçoamento pela FMP e Universidade Presbiteriana Mackenzie em Direito Penal, Processual Penal, Compliance e além de outros.

 





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Comentários (2)

  • Joao Paulo

    Terça-Feira, 03 de Agosto de 2021, 22h24
  • Parabéns professor Ricardo.
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  • Paulo Sergio

    Sábado, 31 de Julho de 2021, 22h22
  • Excelente artigo!
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