Opinião Sábado, 31 de Maio de 2025, 14h:12 | Atualizado:

Sábado, 31 de Maio de 2025, 14h:12 | Atualizado:

Paulo Lemos

Fraude no Crédito Consignado e Responsabilidade do Estado

 

Paulo Lemos

Compartilhar

WhatsApp Facebook google plus

paulo lemos.jpg

 

Este artigo analisa o fenômeno da fraude praticada por empresas conveniadas ao ente público e a consequente responsabilidade objetiva do Estado, com base na Constituição Federal, no Código de Defesa do Consumidor, na Lei do Superendividamento e na jurisprudência dos tribunais superiores.

Em diversos casos, servidores públicos em estado de necessidade extrema contratam créditos consignados sucessivos, comprometendo até a totalidade da remuneração mensal. 

Essa prática contraria: o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF); o direito ao mínimo existencial (art. 6º da CF); a proteção ao salário como verba de subsistência (art. 7º, X da CF).

A oferta de crédito nesses termos caracteriza abuso de direito e, em muitos casos, fraude estruturada por intermediários ou correspondentes bancários com anuência tácita ou omissão do ente público.

Mesmo não sendo regido por relação tipicamente de consumo entre servidor e ente público, há ampla jurisprudência que admite a aplicação do CDC por analogia: Art. 6º, V – Direito à revisão de cláusulas que se tornaram excessivamente onerosas; Art. 39, IV e V – Proibição de vantagem manifestamente excessiva ou exploração de vulnerabilidade; Lei nº 14.181/2021 – Direito do consumidor superendividado a apresentar plano judicial de pagamento, inclusive com suspensão de cobranças e audiências de conciliação.

Entre as principais causas de fraude, está a ausência de fiscalização por parte do ente público sobre as operações da empresa conveniada.

O ente público tem responsabilidade objetiva perante tais operações, nos termos da Constituição Federal – Art. 37, §6º: “As pessoas jurídicas de direito público responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros.”

O Estado responde objetivamente, bastando a demonstração do dano e do nexo de causalidade. A omissão do dever de fiscalização e controle é suficiente para configurar a responsabilidade.

Isso é reforçado pelo Código de Defesa do Consumidor (Responsabilidade Solidária), em seu Art. 7º, parágrafo único: "Havendo mais de um responsável pela ofensa ao consumidor, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos."

Jurisprudência Relevante: "STJ – REsp 1.634.851/SP - O comprometimento excessivo da renda do servidor público, por meio de consignações em folha, ofende os princípios da dignidade da pessoa humana e do mínimo existencial.”; "TJMT – Apelação Cível 1001101-45.2021.8.11.0005 - É o ente público responsável pelos descontos em folha quem deve responder pelos danos, diante da falha na fiscalização do convênio.”; "TJMG – ApCiv 1.0024.18.071845-0/001 - O município é responsável solidário por descontos indevidos em folha de pagamento decorrentes de convênio com financeira que operou de forma fraudulenta.”

São providências jurídicas cabíveis: Ação revisional de contrato com pedido de suspensão imediata dos descontos; limitação a 30% da renda líquida e readequação do contrato com base na capacidade de pagamento; Ação indenizatória, para ressarcimento de danos materiais, ante os valores indevidamente descontados, bem como fanos morais, fruto da violação da dignidade e abalo psicológico do servidor público e sua família.

Em todas elas cabe a tesponsabilização do ente público, como réu solidário ou subsidiário, com base em omissão fiscalizatória ou falha na estrutura conveniada.

O crédito consignado não pode ser instrumento de violação da dignidade do servidor público. A fraude praticada por empresas conveniadas, com a omissão ou anuência do ente público, torna indispensável o reconhecimento da responsabilidade objetiva estatal e o uso de instrumentos de proteção judicial ao servidor superendividado. 

O ordenamento jurídico brasileiro, ao evoluir com a Lei do Superendividamento, reafirma que o crédito deve servir ao desenvolvimento humano — não ao seu colapso financeiro.

Paulo Lemos é advogado especialista em Direito Público-administrativo pela Fundação Escola do Ministério Público do Estado de Mato Grosso.





Postar um novo comentário





Comentários

Comente esta notícia








Copyright © 2018 Folhamax - Mais que Notícias, Fatos - Telefone: (65) 3028-6068 - Todos os direitos reservados.
Logo Trinix Internet