A mineração é, desde os tempos coloniais, parte constitutiva da formação econômica do Brasil. Do ouro colonial à busca por terras raras e nióbio, esse setor sempre esteve no centro do desenvolvimento econômico brasileiro, a extração de recursos minerais impulsiona o crescimento nacional, fomenta empregos, atrai investimentos e contribui significativamente para a balança comercial. Entretanto, como é comum nos setores estratégicos e de alto impacto, a atividade minerária também está no centro de importantes tensões jurídicas, especialmente quando cruzamos a fronteira entre o lícito e o ilícito penal.
Assim, em casos que envolvem licenciamento ambiental, extração mineral e investigações complexas, tem-se observado o quanto o setor demanda atenção técnica apurada. Isso porque a extração de minérios, sendo uma atividade que lida com bens da União, submete-se a um conjunto denso de normativas: licenças ambientais (LP, LI, LO), concessões da Agência Nacional de Mineração (ANM), autorizações do IBAMA, obrigações fiscais, e obrigações sociais.
A ausência, ou suposta irregularidade, em qualquer dessas etapas pode desencadear imputações criminais severas, como usurpação de bem público (art. 2º da Lei 8.176/91), extração sem licença (art. 55 da Lei 9.605/98), e, não raro, crimes conexos como lavagem de dinheiro ou organização criminosa, especialmente quando se trata de operações com alcance nacional ou internacional.
As chamadas “megaoperações” da Polícia Federal, as quais ganham destaque na mídia pela apreensão de bens, interdição de garimpos ou bloqueio de empresas, têm revelado, com frequência, uma imbricação entre o mercado formal e práticas consideradas irregulares. Assim, nesse cenário, o papel do Direito Penal Econômico vai além da repressão: ele funciona como uma ferramenta de regulação de condutas, de indução à conformidade e, principalmente, de mediação entre desenvolvimento e responsabilidade.
Todavia, não se pode ignorar a complexidade prática da atividade minerária. A legislação vigente, como demonstrado em diversas análises acadêmicas, carece de sistematização mais técnica e atualizada. Desse modo, normas penais ambientais frequentemente apresentam tipos vagos e abertos, o que cria margens de interpretação que podem comprometer a segurança jurídica. Além disso, a fiscalização estatal nem sempre acompanha a expansão do setor, operando com estrutura precária, como se observa no baixo número de fiscais diante das centenas de barragens e títulos minerários em vigor.
É nesse espaço de ambiguidade normativa e capacidade institucional limitada que se tornam ainda mais relevantes as práticas de compliance preventivo, pois a adoção de programas internos de integridade, controles regulatórios e auditorias especializadas não apenas fortalece a legalidade das atividades, mas, principalmente, reduz riscos penais e contribui para uma cultura jurídica mais previsível, algo fundamental para empresas que atuam em um mercado globalizado.
Portanto, o desafio é duplo: de um lado, combater condutas que de fato causem danos significativos ao meio ambiente e ao patrimônio público; de outro, assegurar que o poder punitivo do Estado não se sobreponha às garantias constitucionais e ao devido processo legal. Dessa maneira, o Direito Penal não pode ser banalizado como instrumento de gestão de política pública, tampouco pode ignorar o contexto técnico das atividades reguladas.
Dessa forma, é cada vez mais necessário um modelo de atuação que concilie o desenvolvimento econômico com o respeito aos direitos fundamentais, valorizando soluções dialogadas, técnicas e juridicamente seguras. A mineração, quando bem regulada e operada com responsabilidade, pode e deve seguir sendo uma das principais vias para o progresso do país. Mas esse caminho exige rigor normativo, fiscalização proporcional e, sobretudo, um sistema penal equilibrado — que não puna por punir, mas oriente, previna e, quando necessário, responsabilize com justiça.
Por Vinícius Segatto Jorge da Cunha é advogado, sócio proprietário do escritório Segatto Advocacia, Mestrando em Direito pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa de Brasília/DF, especialista em Direito Penal Econômico pela PUC-MG, especialista em Direito Penal e Processo Penal FESMP/MT, especialista em Direito Eleitoral e Improbidade Administrativa pela FESMP/MT, e especialista em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera.