Opinião Terça-Feira, 25 de Março de 2025, 08h:43 | Atualizado:

Terça-Feira, 25 de Março de 2025, 08h:43 | Atualizado:

Raphael G. C. Alves

O Autismo é real e não modismo

 

Raphael G. C. Alves

Compartilhar

WhatsApp Facebook google plus

Raphael G. C. Alves.jpg

 

É fato que cada vez mais ouvimos falar sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA), um transtorno do neurodesenvolvimento que afeta principalmente a comunicação e a interação social. A impressão da população geral é de que, atualmente, há uma “epidemia” de diagnósticos. Por um lado, alguns acreditam que há uma banalização do transtorno e que vem sendo tratado como modismo, enquanto outras consideram que o estilo de vida contemporâneo pode estar causando esse aumento drástico de casos. Mas, como profissional que atua com essa população, me pergunto: esse aumento nos diagnósticos é necessariamente negativo?

Segundo o relatório de 2023 do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) dos Estados Unidos, 1 em cada 36 crianças é diagnosticada com autismo. Um dado que causou espanto na população mundial e reacendeu discussões já superadas, como a suposta ligação entre vacinas e autismo, recentemente impulsionada por Robert Kennedy Jr., secretário de Saúde de Trump, apesar das inúmeras evidências científicas que comprovam a inexistência de relação causal entre vacinas e o autismo, sendo este, em grande parte, causado por fatores genéticos. No Brasil, entretanto, ainda não há dados oficiais sobre a prevalência de autismo na população, por enquanto há apenas estimativas e pesquisas em andamento.

Pesquisadores e profissionais que atuam na área apontam que o aumento no número de diagnósticos se deve a diferentes fatores. Entre esses, destacam-se a maior conscientização sobre o transtorno, o acesso mais amplo à informação e a melhoria nos métodos diagnósticos, especialmente em relação a mulheres e meninas. Além disso, a ampliação do conceito de autismo também contribuiu para esse aumento. O conceito passou a englobar uma gama mais ampla de características, permitindo que mais pessoas, antes não diagnosticadas, fossem identificadas como parte do espectro.

Pergunte a um familiar mais velho, como seus pais ou avós, com quantas pessoas autistas eles conviveram na escola, no trabalho ou na família. É muito improvável que consigam se lembrar de alguém. Agora, mude a pergunta e questione com quantas pessoas eles conviveram que tinham sérias dificuldades de interação social, de comunicação interpessoal, ou que apresentavam interesses muito intensos e eram vistas apenas como pessoas “excêntricas” ou “esquisitas”.

Os autistas sempre existiram, sempre estiveram entre as pessoas, desafiando suas próprias dificuldades para conseguir se inserir em ambientes sociais: forçando sorrisos, abafando seus interesses, resistindo a alterações sensoriais, como barulhos desagradáveis, sofrendo em silêncio e lidando com o impacto de tudo isso na sua saúde mental. Adaptar-se a um mundo feito para pessoas neurotípicas é um relato muito comum de indivíduos neurodivergentes, como os autistas. Porém, décadas atrás, essa situação era ainda mais difícil, e o aumento no número de diagnósticos nos mostra o quanto ainda precisamos melhorar como sociedade.

Apesar de muitas conquistas recentes, o estigma social persiste, sustentado por estereótipos que retratam o autista como uma eterna criança ou um gênio excêntrico, desconsiderando as diferenças individuais e a pluralidade de experiências dentro do espectro. Esse olhar limitado contribui para a exclusão em diversos contextos sociais, como na educação, onde, apesar da legislação garantir o direito à inclusão, muitas escolas ainda carecem de estrutura, formação docente e recursos pedagógicos que permitam uma inclusão efetiva e respeitosa.

Essa falta de preparo também é evidente no mercado de trabalho, onde a ausência de políticas específicas para pessoas autistas dificulta o acesso e a permanência nesse ambiente. É necessário que os empregadores reconheçam a capacidade produtiva dessa população e promovam adaptações nos modelos e jornadas de trabalho, tornando-os mais acessíveis e inclusivos. Além disso, a falta de serviços públicos especializados no SUS agrava ainda mais a situação, obrigando muitas famílias a recorrerem à saúde suplementar com valores elevados para garantir diagnóstico e tratamento, o que gera desigualdade de acesso. Esses fatores revelam a urgência de uma mudança estrutural e cultural para que a inclusão da pessoa autista seja de fato uma realidade.

A atual discussão sobre o número crescente de casos de autismo é positiva na medida que nos mostra não apenas uma maior conscientização sobre essa condição, mas também a falha persistente da sociedade em promover condições de inclusão dessa população. Apesar dos avanços, ainda há muito a ser feito para garantir uma inclusão verdadeira e respeitosa, tanto em espaços educacionais quanto no mercado de trabalho e na saúde. Uma mudança política e cultural profunda é essencial para que o autismo deixe de ser visto como um obstáculo e passe a ser reconhecido como parte da diversidade humana, exigindo de todos nós mais acolhimento e compreensão.

Raphael G. C. Alves é professor e psicólogo (CRP 18/04639) de crianças e adolescentes autistas e com outras neurodivergências.





Postar um novo comentário





Comentários

Comente esta notícia








Copyright © 2018 Folhamax - Mais que Notícias, Fatos - Telefone: (65) 3028-6068 - Todos os direitos reservados.
Logo Trinix Internet