O Agosto Lilás deve ser mais do que um mês de campanhas. Deve ser um chamado à ação para transformar realidades. No Brasil, a violência contra a mulher permanece como um problema estrutural, exigindo respostas que combinem proteção imediata e estratégias de longo prazo para a autonomia. Nesse ponto, o trabalho se apresenta não apenas como uma oportunidade econômica, mas como uma rota de liberdade.
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025, o país registrou 1.492 vítimas de feminicídio em 2024. Destas, 63,6% eram negras, 70,5% tinham entre 18 e 44 anos e 64,3% foram mortas dentro de casa. Em 97% dos casos, os agressores eram homens, sendo que em 8 a cada 10 crimes, o autor era o companheiro ou o ex-companheiro. São dados que dimensionam o problema e não permitem silêncio.
A violência doméstica segue alarmante: 747.683 registros de ameaça — 87,7% contra mulheres, sendo 55,6% negras. O lar, que deveria ser um espaço seguro, é cenário de 65,7% desses crimes. Foram concedidas 1.067.556 medidas protetivas de urgência, mas o desafio não é apenas proteger, e sim criar condições para que a vítima não precise retornar ao ciclo de violência.
E por que o trabalho é libertador? Ainda que o fenômeno tenha múltiplas causas, a dependência financeira é um dos principais fatores que aprisionam mulheres em relações abusivas. Autonomia econômica significa capacidade de decidir, de sair e de permanecer fora de contextos de risco.
Ao garantir emprego e renda, abre-se caminho para o rompimento de vínculos de dependência com o agressor; cria-se novas redes de apoio fora do ambiente violento; e permite-se a reconstrução da autoestima da mulher violentada e o seu senso de valor pessoal.
Políticas públicas de inclusão laboral para mulheres em situação de violência são necessárias, de modo que a empregabilidade se torna fator de proteção, aliada ao acolhimento e à flexibilidade.
O Decreto nº 12.516/2025, ainda pouco difundido, estabelece a exigência, em contratações públicas, de percentual mínimo de mão de obra constituída por mulheres vítimas de violência doméstica. Também prevê a utilização do desenvolvimento, pelo licitante, de ações de equidade entre mulheres e homens no ambiente de trabalho como critério de desempate em licitações.
E é neste sentido que o compliance e o acolhimento institucional representam a construção de uma ponte entre a proteção e o protagonismo.
Tanto empresas quanto órgãos públicos podem e devem ser protagonistas nesse processo, adotando políticas de compliance com recorte de gênero, incluindo canais de denúncia sigilosos e seguros; protocolos de não retaliação e apoio psicossocial; treinamentos de lideranças para identificar sinais de vulnerabilidade; adequação à LGPD para proteger dados sensíveis das vítimas; entre tantas outras políticas convergentes.
Quando políticas internas são aliadas a parcerias com órgãos públicos, Ministério Público, Delegacias Especializadas, Defensorias e OAB, cria-se uma rede de suporte que vai além da proteção imediata. Não basta empregar, é preciso também incluir, promover e proteger.
O desafio não é apenas inserir mulheres no mercado de trabalho, mas garantir igualdade de salários e equidade de oportunidades reais de ascensão, além de ambientes livres de assédio e discriminação.
O Agosto Lilás nos lembra que a violência contra a mulher não é um problema privado, mas uma questão de direitos humanos e de desenvolvimento social. Proteger é essencial, mas o protagonismo feminino por meio da independência econômica é a verdadeira meta. E ele se conquista com trabalho digno, renda própria e espaços institucionais comprometidos com a equidade.
Proteger salva vidas, mas empregar pode transformar destinos. Afinal, toda mulher tem o direito de viver sem medo e ter oportunidades para reescrever a própria história.
Juliana Zafino é advogada, especialista em Direito Econômico e Regulatório, Coordenadora do Compliance Women Committee em Mato Grosso.