Desculpem-me errar em René Descartes, mas boa parte dos homens ou mulheres públicos pensa ter adquirido a grandeza dos grandes. A lógica é interessante. A posição de destaque lhes dá a sensação de superioridade, e não de atores de um modesto picadeiro, pueril e intrigante, efêmero e pífio, que faz da ilusão, verdade, da modéstia, humildade.
Encenam esses megalomaníacos dramas e caricatas comédias, divindades amadas por um Calígula moderno, expectador atento, adorador cruel e extravagante da miséria intelectual. Às vezes, ébrios de alucinações, entorpecidos pelo narcisismo que lhes dá vida e destaque. Aliás, já assistiram a uma reunião colegiada? O grande se faz pequeno, a mediocridade de uns o faz menor. É inevitável. Qualquer tentativa de apartear será alcunhada de atrapalhar os trabalhos, mostrar erudição e professar conhecimento. Em brados, um dos míseros: estou com a palavra. Eis a mágica que se reveste de autoridade para afastar o debate. Não lhe são permitidas as frustrações. Afinal, ilusão é verdade; encenação, realidade; independência, mito.
Que saudades do ócio. Não aquele que castiga uns para favorecer luxuosos preguiçosos. Mas o elogiado por Bertland Russell – “O hábito de buscar-se mais prazer no pensamento do que na ação constitui uma salvaguarda contra a imprudência e contra a paixão pelo poder, um modo de preservar a serenidade diante do infortúnio e a paz de espírito em meio à aflição”. Julgar está, hoje, e em qualquer sentido que não só o técnico, mais próximo da matemática do que de sentença. Etapa do conhecimento empírico, a sentença vem de sentir, e só sente quem tem o hábito e a coragem de auscultar. Senão, não; e não. E de novo, não.
O que está por trás disso tudo? O famigerado conhecimento útil. Traz grandeza, ainda que passageira, ou pelo menos sua mania. Conhece-se para a técnica, dominá-la, vencer pelas vaidades. Tal concepção utilitarista do conhecimento, e a academia se enforca nisso, ignora o fato da premente necessidade de os indivíduos serem treinados em suas qualificações no mesmo patamar de seus propósitos. A utilidade para o dia a dia do conhecimento deve ter relação direta e proporcional com a formação humanística do sujeito cognoscente. O homem e a mulher públicos têm má formação humana em sua razoável parte. O utilitarismo de agora faz com que líderes intempestivos se arvorem em protagonistas de um momento que não é o dele. São os falsos profetas, propagadores do “welfarestate” às avessas.
A mania de superioridade, portanto, de duvidosa grandeza, está quase sempre relacionada com o conhecimento útil, voltado somente para o mercado e suas necessidades. Detalhe esquecido na selva de fórmulas e equações, a pessoa se torna máquina, objeto, o contrário do ser, do estar, do compartilhar. Sua essência e aparência se confundem. Nada mais sobra. Do picadeiro pueril e de hálito modesto, se sonha acordado, se liberta, acorrentado, e se queda, amordaçado.
Dias atrás, me surpreendi lendo algo sobre Dona Doninha do Tanque Novo, de Poconé. Enfrentou coronéis. Formou um exército de fiéis; e decidiu destinos. Dizem que ressuscitou muitos pela devoção à santa “Jesus Maria José”. Dela já esquecemos. De que vale conhecer os feitos dessa devota, se devotos somos da cana, da soja, do algodão, do arroz, e dos semoventes? Que destino nos reserva a lógica da matéria a unir consciências? É o caminhar da existência, com projeto simples para questões complexas.
Da vida, os momentos!
É por aí...
GONÇALO ANTUNES DE BARROS NETO é do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso e da Academia Mato-Grossense de Letras (Cadeira 7).