Desde o final do século XVI, a esmagadora maioria dos países europeus se preocuparam com o estado de saúde de sua população em um clima, político, econômico e científico característico do período dominado pelo mercantilismo (Foucault, em Microfísica do Poder).
Diferentemente, a Alemanha, saindo da perspectiva mercantilista, que consiste basicamente em controlar os fluxos monetários e mercantis entre as nações e do mercado interno dos países, adota uma política médica de Estado.
Essa política médica, em apertada síntese, consistia: num sistema muito mais completo de mobilidade que o simples levantamento das taxas de mortalidade e natalidade até então praticada; instrumentos de normalização da prática e do saber médico; uma organização administrativa para controlar a atividade dos médicos; a criação de funcionários médicos pelo governo etc. (Foucault, idem).
Assim, ao colocar em vigor essa política médica, a Alemanha do século XVIII já contava com um elevado conhecimento e prática em torno do que seja saúde pública.
Mas o que se nota, em pleno século XXI, por parte de alguns países? A volta de políticas voltadas ao mercado no âmbito da saúde coletiva, culminando na desestruturação e quase falência de seus sistemas públicos de saúde.
A retórica não é panfletária, é real e implacável.
A Alemanha está a enfrentar o coronavírus (COVID-19) tendo como plataforma uma sólida política de saúde coletiva, assim como enfrentou com sucesso outras virosas e pandemias do século XX.
E os outros? Os outros direcionaram seus gastos para a área militar, bancos, mercado etc., e não pensaram em estabelecer, de forma permanente e eficaz, a gestão de seu sistema de saúde, de saúde coletiva (SUS).
Não se poderia prever! Certo. Como é certa a ocorrência de epidemias. Nessa área, não há neutralidade e isenção de pena para quem não fez o dever de casa.
A igualdade estabelecida, representada na metáfora de que a ninguém é dado o direito de ser enterrado em pé, apavora àqueles que sempre fizeram de seu egoísmo e individualidade a panaceia de seus infortúnios.
O COVID-19 fez a todos, iguais. E agora?
Não coloque seus tesouros no banco, no mercado financeiro, mas no céu (no altruísmo, na bondade, na solidariedade etc.); no que é, em essência e moralmente, correto.
Lembrando a Russell: ‘não é com orações e humildade que fazemos com que as coisas aconteçam do modo como a gente quer, mas com o conhecimento das leis naturais’ (Robert E. Egner, trad. De Pedro Jorgensen Jr., O Melhor de Bertrand Russell).
Apesar de que, particularmente, reconheço o poder da fé e da oração voltados para o reencontro natural do povo consigo mesmo e com Deus. Mas a ciência tem, sempre e sempre, seu lugar.
‘Dizia-se que a fé remove montanhas, e ninguém acreditava; hoje, ninguém tem dúvida de que a bomba atômica (coronavírus) as remove’ (idem).
GONÇALO ANTUNES DE BARROS NETO é formado em Filosofia e Direito.
Pacufrito
Segunda-Feira, 23 de Março de 2020, 21h36