O ex-secretário municipal de saúde de Cuiabá, Luiz Antônio Possas de Carvalho, foi “liberado” pela Justiça para retornar ao cargo. Ele teve as funções públicas suspensas na pasta após a deflagração da primeira fase da operação “Overpriced”, em setembro de 2020. As diligências foram realizadas pelo Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (Gaeco), além da Delegacia Especializada de Combate à Corrupção (Deccor), e apuram um suposto superfaturamento na aquisição de medicamentos de combate ao novo coronavírus (Covid-19).
Em decisão do último dia 24 de setembro, a juíza da 7ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça (TJMT), Ana Cristina Silva Mendes, revogou as medidas cautelares impostas ao ex-secretário – além do fim da suspensão das funções públicas, Luiz Antônio Possas de Carvalho também poderá frequentar a secretaria municipal de saúde de Cuiabá, e ter contato com os servidores que atuam no órgão.
A revogação das medidas cautelares também atinge os alvos da segunda fase da operação “Overpriced”, deflagrada em junho de 2021. os ex-secretários adjuntos de saúde João Henrique Paiva (Gestão), Milton Correa da Costa Neto (Planejamento e Operações), Luiz Gustavo Raboni (Assistência em Saúde), bem como a servidora Helen Cristina da Silva, que atuava na cotação de preços das empresas interessadas nas licitações para aquisição de medicamentos, também poderão frequentar a secretaria municipal de saúde.
Todos os envolvidos, porém, permanecem proibidos de manter contato entre si. A juíza Ana Cristina Silva Mendes justificou a medida lembrando que mesmo após um ano da deflagração da primeira fase da operação “Overpriced”, ainda não houve oferecimento de denúncia.
“Os autos do inquérito policial constam registrados neste Juízo sem que tenha havido o oferecimento de denúncia ou promoção de arquivamento até a presente data, de modo que a manutenção das medidas cautelares em face dos investigados sem qualquer previsão acerca dos desdobramentos dos trabalhos investigativos se demonstra inadequado”, diz trecho da decisão.
DESBLOQUEIO
A juíza também determinou o desbloqueio das contas de Luiz Antônio Possas de Carvalho. O bloqueio de R$ 2,2 milhões resultou numa restrição de apenas R$ 12,39 das contas do ex-secretário. No entendimento da magistrada não há motivos para manter a ordem.
“A considerar a ineficácia da medida empreendida em face do então Secretário Municipal de Saúde de Cuiabá, haja vista que não fora localizado lastro para suportar eventual determinação reparação e tratando-se de quantia irrisória bloqueada, não vislumbro qualquer argumentação racionável para a manutenção de bloqueio da quantia apontada”, analisou a juíza.
A medida também favorece o ex-secretário adjunto de gestão João Henrique Paiva, que teve R$ 35,3 mil desbloqueados de suas contas. Ana Cristina Silva Mendes reconheceu que se tratam de verbas salariais, em quantia menor do que 40 salários mínimos, cuja restrição é proibida pela legislalação.
Já o ex-secretário adjunto de planejamento e operações, Milton Corrêa da Costa Neto, não teve a mesma sorte, e continua com suas contas bancárias bloqueadas. O valor restrito não foi revelado na decisão da juíza da 7ª Vara Criminal.
NOVAS INVESTIGAÇÕES
A magistrada Ana Cristina Silva Mendes também autorizou o compartilhamento de provas obtidas na operação “Overpriced” com o Ministério Público do Estado (MPMT). O órgão ministerial investiga “irregularidades nas contratações emergenciais no enfrentamento do Covid-19”, e pode propor outra ação civil pública neste sentido.
As provas também serão compartilhadas num outro procedimento que apura irregularidades num contrato entre a prefeitura de Cuiabá e a Norge Pharma, rescindido em agosto de 2021. A organização é alvo da “CPI dos Medicamentos”, que tramita na Câmara de Vereadores da Capital, e era responsável pelo Centro de Distribuição de Medicamentos e Insumos (CDMIC). Há a suspeita de danos aos cofres públicos pelo vencimento de “inúmeros” medicamentos no CDMIC.
O ex-secretário municipal de saúde teve ainda autorizada a restituição de seu telefone celular, que já foi periciado pelos órgãos de controle. Luiz Antônio Possas de Carvalho, porém, não conseguiu “levar” o processo à Justiça Federal. Ele alega nos autos que os recursos sob investigação possuem origem na União. A juíza Ana Cristina Silva Mendes, porém, esclareceu que as verbas tratam-se de emendas impositivas dos vereadores da Capital – ou seja, são municipais, e não do Governo Federal.
“Nesta quadra investigativa, conforme relatório de auditoria realizado pelo Departamento Nacional de Auditoria do SUS, que os recursos financeiros utilizados para o custeio da aquisição dos contratos investigados são integralmente provenientes de verbas municipais, originadas de Emendas Impositivas da Câmara Municipal de Cuiabá, sem qualquer vinculação com verbas federais”.
OVERPRICED
A primeira fase da operação “Overpriced”, deflagrada em setembro de 2020, apontou que duas dispensas de licitações na secretaria municipal de saúde de Cuiabá para aquisição do medicamento Ivermectina continham um sobrepreço de mais de 459%. Investigações revelam que a Capital adquiriu o fármaco, no mês de junho, por um valor de R$ 2,59, e, em julho, por R$ 11,90.
As investigações são realizadas, em conjunto, pelo Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (Gaeco), 18ª Promotoria de Justiça Criminal, e Polícia Judiciária Civil, por meio da Delegacia Especializada de Combate à Corrupção (Deccor). As instituições integram a força-tarefa criada para acompanhar eventuais desvios ocorridos em licitações relacionadas à pandemia ocasionada pela Covid-19.
Além do afastamento cautelar do então secretário Luiz Antônio Possas de Carvalho, foram cumpridos quatro mandados de busca e apreensão. As ordens judiciais foram deferidas pela 7ª Vara Criminal da Capital.
Na primeira fase da "Overpriced", a Justiça determinou a indisponibilidade dos bens dos investigados na ordem de R$ 715,5 mil, valor equivalente ao sobrepreço identificado. Um comparativo com outras prefeituras de Mato Grosso apontou que o preço médio do produto no estado ficou em torno de R$ 2,32, enquanto a cotação da Prefeitura de Cuiabá, na dispensa questionada, se deu pelo valor de R$ 11,90.
Os fatos vieram à tona após denúncia protocolada na Delegacia Especializada em Combate à Corrupção. Localizada no estado do Paraná, a empresa contratada pelo Município de Cuiabá para fornecimento do medicamento também foi alvo de buscas. O valor do contrato atinge a cifra de R$ 1,9 milhão, verba que foi disponibilizada por meio de duas emendas impositivas da Câmara Municipal de Cuiabá.
Na segunda fase da operação, deflagrada em junho de 2021, as diligências tiveram como alvos os ex-secretários adjuntos de saúde João Henrique Paiva (Gestão), Milton Correa da Costa Neto (Planejamento e Operações), Luiz Gustavo Raboni (Assistência em Saúde), bem como a servidora Helen Cristina da Silva, que atuava na cotação de preços das empresas interessadas no negócio.
Segundo a Deccor, Milton Corrêa da Costa Neto assinou as solicitações de compras de remédios, além de ter “superdimensionado” as aquisições. Luiz Raboni, por sua vez, foi o responsável pelos formulários de solicitação das compras. A servidora Hellen Cristina da Silva atuou, de acordo com as investigações, nos “mapas de apuração de preços nos procedimentos de compra” das empresas fornecedoras - V.P. Medicamentos e MT Pharmacy.
João Henrique Paiva foi apontado ainda como “conhecedor” de todo o esquema. Na segunda fase, a juíza Ana Cristina Silva Mendes determinou o bloqueio de R$ 2,2 milhões dos investigados.
BOTELHO PINTO
Domingo, 26 de Setembro de 2021, 17h41