Sob o entendimento de que houve cerceamento de defesa por causa do julgamento antecipado de uma ação de improbidade sem oportunizar a produção de provas solicitada pelos réus, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) derrubou uma condenação contra dois ex-prefeitos de Barra do Garças (509 km de Cuiabá). Wanderlei Farias Santos e Zózimo Wellington Chaparral Ferreira foram denunciados pelo Ministério Público Estadual (MPE) por causa de irregularidades no aterro sanitário da cidade no período entre 2007 e 2010. Com a decisão unânime da 1ª Câmara de Direito Público e Coletivo do TJ, ambos estão livres das punições.
A condenação foi imposta em 24 de fevereiro de 2017, quando o mérito de uma ação por improbidade ajuizada perante a 3ª Vara Cível de Barra do Garças foi julgado procedente, resultando na condenação dos ex-gestores. Foi determinada a suspensão dos direitos políticos por 3 anos, proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios e incentivos fiscais pelo mesmo período e aplicada uma multa civil de 15 vezes o salário de cada um na época dos fatos. Esse pagamento deveria ser feito na fase de execução após o trânsito em julgado da sentença corrigidos monetariamente e com multa de mora de 1% ao mês, desde a notificação dos réus. Eles também foram condenados ao pagamento das custas processuais.
Na sentença, não consta o nome do juiz ou juíza que a proferiu, ignorando o direito dos réus em produzir provas nos autos. Atualmente, o responsável pelo processo é o juiz Alexandre Meinberg Ceroy. Na peça acusatória, o Ministério Público sustentou que os ex-prefeitos descumpriram, dolosamente, legislação ambiental, no âmbito do aterro sanitário de Barra do Garças causando ato lesivo ao meio ambiente. Tal fato, segundo o MPE, ficou configurado com as irregularidades na área em que era depositado o lixo urbano e hospitalar da municipalidade, localizado na MT-100, saída para a cidade de Araguaiana (563 km de Cuiabá).
O MPE sustentou que ambos deixaram de adotar providências para redução dos riscos à saúde decorrente da proliferação de vetores no referido local, com apresentação de plano de trabalho para viger até a obtenção da licença de operação exigida ao aterro. Nos autos, o Ministério Público enfatizou que o município foi multado pelo órgão ambiental nos valores de R$ 150 mil no ano 2007 e no valor de R$ 5 mil (multa diária) em 2008, período em que o prefeito de Barra do Garças era Zózimo Chaparral. Tais imposições, segundo o MPE, “confirmam a conduta ímproba do gestor municipal à época, bem como sua omissão dolosa”.
Afirmou ainda que Wanderlei Farias Santos assumiu em 2009 e “continuou com a mesma prática omissiva, ofendendo o princípio da legalidade, e, em consequência, ofendendo o próprio Meio Ambiente, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, o qual o Poder Público tem o dever de defender e preservar para a presente e futuras gerações”. O Ministério Público ressaltou que na gestão de Farias “prosseguiram as irregularidades no âmbito do Aterro Sanitário de Barra do Garças, ou melhor, se agravaram, justificando novas intervenções do órgão ambiental”. No julgamento de mérito, ambos foram considerados culpados.
Inconformados com a sentença, os ex-prefeitos ingressaram com recursos de apelação cível que ficaram sob a relatoria da desembargadora Helena Maria Bezerra Ramos. Wanderlei Farias sustentou a ocorrência de cerceamento de defesa, em razão do julgamento antecipado da ação, ressaltando ter requerido, oportunamente, a produção de provas.
Sustentou a nulidade da sentença por ausência de fundamentação e por violação ao contraditório, na medida em que toda a fundamentação teria sido baseada nas provas produzidas em outros dois processos, tomadas pelo juiz como prova emprestada, todavia, Farias não teria sido parte naqueles autos, mas tão somente o Município de Barra do Garças.
Enfatizou que não praticou qualquer ato de improbidade administrativa, ressaltando que foram adotadas diversas medidas por ele visando a adequação do aterro sanitário do Município de Barra do Garças, com o pedido de licença ambiental, além de tantas outras conforme documentos juntados ao processo. Citou ainda a existência de um projeto de lei, em tramitação na Câmara dos Deputados e já aprovado no Senado, prorrogando o prazo do artigo 54 da Lei n. 12.305/2010 (adequada implantação dos aterros sanitários) para o ano de 2022, sob a justificativa de que os municípios brasileiros são incapazes, por si sós, de sem ajuda do ente federal prover tais mudanças.
Argumentou também sobre a existência de um projeto de lei, em tramitação na Câmara dos Deputados e já aprovado no Senado prorrogando o prazo do art. 54 da Lei n. 12.305/2010 (adequada implantação dos aterros sanitários) para 2022, sob a justificativa de que os municípios brasileiros são incapazes, por si sós, de sem ajuda do ente federal prover tais mudanças. Wanderlei Farias afirmou não existir provas de eventual ato ímprobo e nem de conduta dolosa da parte dele, pois a sentença teria se baseado em fatos e relatórios referentes aos anos de 2007, 2008, 2014 e 2016, sendo que Farias foi prefeito de Barra do Garças no período de 2009 a 2012, não tendo a sentença feito qualquer referência em relação a tal período.
Zózimo Chaparral alegou prescrição do direito de ação, por se tratar de mandato eletivo (que se encerrou em dezembro de 2008), sendo que a eventual demora na citação não ocorreu por culpa dele, mas pela omissão do Ministério Público em não fornecer os elementos necessários para o recebimento da petição inicial. Afirmou ainda que na formalização do processo de renovação da licença ambiental, em agosto de 2008, foram realizadas algumas exigências pelo órgão ambiental, as quais estariam sendo implementadas de forma gradativa no restante de seu mandato.
No Tribunal de Justiça a relatora concordou que houve cerceamento de defesa. No acórdão publicado no dia 3 deste mês consta o seguinte: “É possível que o Magistrado julgue a lide de forma antecipada, quando entender que não há necessidade de dilação probatória, entretanto não lhe é permitido julgar procedente o pleito por ausência de prova da parte ré, quando não lhe foi oportunizada a produção, notadamente quando há pedido específico, circunstância que caracteriza o cerceamento de defesa e violação aos princípios constitucionais do contraditório, ampla defesa e devido processo legal, consoante disposto no art. 5º, LIV e LV, da CF.2”.
Os magistrados ainda fizeram constar na decisão colegiada que “configura cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide, com a rejeição da produção de prova voltada precisamente a demonstrar fatos cuja existência foi negada na sentença, por falta de prova”. Assim, os recursos foram acolhidos e a sentença de 1ª instância anulada.