Cidades

Quarta-Feira, 16 de Julho de 2025, 09h52

REEDUCAÇÃO

Capacitação aprimora atendimentos em grupos para homens agressores

Da Redação

 

A violência doméstica e familiar é um problema social enfrentado pelo Poder Judiciário por várias frentes. Em Mato Grosso, o Tribunal de Justiça adota estratégias que combinam medidas de proteção e apoio às vítimas com ações de reeducação dos homens autores de agressão por meio dos grupos reflexivos. Nessa toada, desde segunda-feira (14 de julho), ocorre a "Capacitação para Facilitadores de Programas de Reflexão e Sensibilização para Autores de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher”, na Escola dos Servidores, em Cuiabá.

O evento é promovido pela Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar (Cemulher-MT) do TJMT para aprimorar os conhecimentos e técnicas do trabalho de equipes multidisciplinares, psicólogos e assistentes sociais que atuam nos grupos reflexivos.

Na tarde desta terça-feira (15), a programação focou nos “depoimentos especiais”, no “preenchimento do Formulário de Risco”, todas as fases da implementação, gestão e temas pertinentes para os grupos reflexivos para homens autores de violência doméstica, além de uma dinâmica com o estudo de casos reais.

A coordenadora da Cemulher-MT, desembargadora Maria Erotides Kneip, fez questão de acompanhar a aula de perto. "Achei uma capacitação extremamente prática, com todo o arcabouço teórico que foi passado, esse trabalho de equipes com casos concretos, mostrando os encaminhamentos e as soluções possíveis em cada um. Foi muito enriquecedor. Essa troca de experiências foi maravilhosa", afirmou a desembargadora.

A presença da coordenadora no período da tarde visava justamente observar a aplicação prática dos conhecimentos. "Assim, eu posso saber a quantas anda a formação e a organização de cada Grupo Reflexivo para Homens (GRH). Eu estou muito feliz com o que eu vi", declarou Maria Erotides.

A desembargadora também agradeceu aos profissionais pela “rica atuação de cada um em suas comarcas”, e aos professores da capacitação, juiz Marcelo Melo e a advogada Dinara de Arruda Oliveira, presidente da Academia Mato-grossense de Direito e membro da Comissão da Mulher Advogada da OAB/MT. “Aonde iríamos achar escrito o que eles nos disseram? Em qual livro? Porque se houver este livro, me digam que eu vou procurar. Eles sabem porque vivem diuturnamente isso e essa troca foi maravilhosa”, disse a desembargadora durante a entrega dos certificados.

O juiz Marcelo Souza Melo Bento de Resende, da 2ª Vara Criminal de Barra do Garças, explicou que o ‘Depoimento Especial’ é uma técnica fundamental para colher depoimentos de vítimas de violência, especialmente crianças e adolescentes, de forma a protegê-las da revitimização e garantir a fidelidade da informação.

“Falamos sobre pontos importantes que o profissional deve observar, por exemplo, fazer o rapport (relacionamento) com a criança, fazer escuta livre, evitar perguntas fechadas, fazer perguntas abertas, que não se deve, obviamente, fazer indução de perguntas, e ao final, após ser ouvido, fazer uma desensibilização. Aquela criança relembrou tantos traumas daquela situação e ela precisa sair daquele momento de uma forma leve”, detalhou ele, acrescentando que, se constatado que a vítima precisa de encaminhamento para a rede de atendimento, o profissional o fará.

O magistrado elogiou o interesse e a participação dos profissionais, que serão multiplicadores do conhecimento em suas comarcas.

Para Evandro Tavares Bueno, analista judiciário e psicólogo efetivo da equipe multidisciplinar da Comarca de Barra do Garças, a troca de experiências é fundamental para o aprimoramento contínuo dos profissionais e das metodologias utilizadas. Com dez anos de experiência em grupos reflexivos, Evandro explicou que o método atual difere de abordagens anteriores baseadas apenas em palestras. “É um processo educacional, de reflexão e responsabilização, onde o foco é o indivíduo repensar o ato e ressignificar a violência para não reincidir”, disse.

O psicólogo acredita que a atualização constante dos profissionais é essencial. "É um campo complexo, e estamos sempre descobrindo novas nuances. É fundamental que o Tribunal de Justiça promova essas capacitações, pois há muito material e conhecimento sendo produzido para aprimorar o combate à violência contra a mulher."

A psicóloga Gislaine Eloísa Gonçalves Acona, da Comarca de Tangará da Serra, destacou o caráter prático do evento como um diferencial. "Realmente achei excelente, porque está muito prático, tocando em aspectos do nosso dia a dia, e isso é extremamente importante para nós", afirmou Gislaine. Ela enfatizou que a abordagem clareou muitas dúvidas, especialmente em relação à metodologia dos grupos reflexivos.

Gislaine explicou que, em Tangará da Serra, o grupo de homens é composto por cinco encontros, com a participação de secretarias municipais, como Ação Social e Saúde. A psicóloga percebeu que, para que haja uma real transformação e conscientização dos homens, é importante que eles participem de forma efetiva, e não apenas de palestras. "Eu percebo que, para que haja a transformação realmente da conscientização desses homens, eles precisam participar efetivamente. Sabe aquele 'errado que está dando certo', mas que a gente agora pretende fazer de outra forma algumas coisas, conversar com a nossa juíza, que é uma pessoa extremamente aberta e muito preocupada com essa questão", finalizou.

A assistente social da Comarca de Juína, Karine Monteiro, classificou como ‘uma experiência ótima’ sua participação na capacitação. Ela destacou a aplicabilidade prática do conteúdo para seu dia a dia e a incorporação de novas ferramentas de trabalho. Ela enfatizou a necessidade de "reinventar" a atuação na rotina diária e criar metodologias adaptadas, citando o “Formulário do Autor” como um exemplo valioso. Esse formulário permite conhecer o perfil dos participantes dos grupos reflexivos, facilitando a personalização dos temas abordados.

Em Juína, os grupos contam com uma média de 10 a 20 homens por ciclo de oito encontros semanais. A assistente social destaca a dedicação da equipe de duas profissionais exclusivas para a Vara de Violência Doméstica e Familiar, que busca reformular os temas para torná-los mais claros e relevantes. "Vou levar o que aprendi aqui, não só para a comarca, mas também para a Rede de Enfrentamento. Vou propor adotarmos o formulário do autor, para melhorarmos, inclusive, os temas abordados."

A capacitação é uma resposta direta à Recomendação nº 124/2022 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que orienta os Tribunais de Justiça a instituírem programas de reflexão e sensibilização para autores de violência doméstica, e à Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), que prevê a formação de equipes de atendimento multidisciplinar especializadas. Essas equipes, conforme o Artigo 30 da Lei, são responsáveis por fornecer subsídios ao juiz, Ministério Público e Defensoria Pública, além de desenvolver trabalhos de orientação, prevenção e encaminhamento para a vítima, o agressor e seus familiares.

A capacitação também se alinha ao Plano de Gestão 2025-2026 da Cemulher-MT, de “fortalecer os serviços especializados para atendimento à mulher vítima de violência”; “potencializar e divulgar o Núcleo de Atendimento Thays Machado às magistradas e servidoras e as campanhas permanentes sobre violência doméstica”; e “implantar as equipes multidisciplinares exclusivas para as comarcas”.

Em Mato Grosso, a implementação desses grupos precede as recomendações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Atualmente, o TJMT, por meio da Cemulher-MT, desenvolve programas em 20 comarcas do estado, promovendo a reflexão e a responsabilização de autores de agressão autuados pela Lei Maria da Penha.

O Poder Judiciário mato-grossense conta também com o funcionamento de 76 Redes de Proteção à Mulher Vítima de Violência Doméstica em todo o estado.

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