Pesquisa desenvolvida na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) utiliza moscas para busca de tratamentos para doenças neurológicas em humanos. No momento, os testes são feitos para terapias voltadas ao Alzheimer e Parkinson, mas em breve será expandida para epilepsia. Descobertas do grupo mostram compostos do pequi roxo, óleos de peixe e de milho que podem retardar o avanço do Alzheimer. Contudo, o trabalho enfrenta desafios para avançar devido à falta de apoio financeiro.
As pesquisas com moscas da espécie Drosophila melanogaster, conhecidas popularmente como mosca-da-fruta, são desenvolvidas na universidade desde 2021, iniciada com o professor doutor Anderson de Oliveira Souza, que já havia trabalhado com os animais durante seu doutorado, na Universidade de São Paulo (USP).
As moscas são amplamente utilizadas em estudos voltados para o tratamento de doenças humanas. Elas são escolhidas por apresentarem uma estrutura genética similar a humana, além de um ciclo de vida muito mais curto, até 50 dias quando vivem naturalmente. A curta expectativa de vida permite que o acompanhamento dos testes seja mais rápido e eficiente que em outros animais.
“É um animal pequeninho, mas que tem uma aplicabilidade científica absurda. O DNA dela ou a estrutura geral genética é similar a nossa, com uma similaridade muito alta. É possível você injetar um pedaço de DNA humano dentro do ovo do Drosophila. Dentro do ovo, essa incorporação acontece e o animal já nasce com uma modificação no genoma dele”, explicou Anderson Souza.
Hoje, o grupo conta com 14 pesquisadores, desde estudantes de iniciação científica até mestrandos e doutorandos, todos desenvolvendo pesquisas voltadas ao sistema nervoso.
As moscas utilizadas nos experimentos são criadas e colocadas para se reproduzir dentro do laboratório e mantidas em uma geladeira, na temperatura de 24,9°C, alimentadas com uma dieta específica a depender do estudo para o qual serão direcionadas. O avanço do estudo, hoje, já permite que grupos específicos já nasçam geneticamente prontos para desenvolver o Alzheimer. Quando se trata do Parkinson, ele é induzido por substâncias colocadas nos animais.
Estudos com frutos da região
Maria Eduarda Silva Soares é graduada em química e mestranda em Ciências da Saúde. No grupo de pesquisas, ela desenvolve sua tese acerca do pequi roxo e os impactos do seu consumo. A primeira etapa de observação se designou a entender os efeitos do fruto em células e constatou que ele tem a capacidade de retardar o envelhecimento.
“Na primeira parte da pesquisa, a substância retardou tanto as células neuronais, no cérebro, quanto nas células musculares. A atividade locomotora dos animais colocados sob experimentação melhorou em quase 40%. Além disso, a longevidade deles aumentou e demoraram muito mais para morrer”, relatou a pesquisadora.
A fase de pesquisa atual de Maria Eduarda é entender como os compostos do pequi roxo reagem em insetos com Alzheimer. Os estudos serão realizados para entender se eles podem auxiliar no retardamento da condição, que é neurodegenerativa progressiva, impacta a memória, raciocínio, comportamento e capacidade funcional do paciente.
A doença colocada nas moscas é a mesmo desenvolvida por humanos. Com o avanço dos estudos, a acadêmica consegue criar os insetos já com o gene da doença, que será desenvolvida para os testes.
A linha de pesquisa dela tem foco em produtos naturais. Como especialista no assunto, percebe que hoje a maior parte dos medicamentos utilizados no tratamento do Alzheimer são sintéticos e que podem, com o uso contínuo, ocasionar outros efeitos negativos. Dessa forma, ela diz que espera que sua contribuição possa evoluir como o tratamento é realizado, promovendo alternativas menos danosas ao paciente.
“Com essas pesquisas, consequentemente, a gente consegue testar outros tratamentos que não sejam tão agressivos quanto os que a gente já tem no mercado, que são sintéticos e podem causar outras sequelas, conforme o uso. A pesquisa, realmente, não é uma promessa de cura, mas é uma forma de tratar essa doença sem causar tantas sequelas, é isso que buscamos”, explicou Maria Eduarda. Sua pesquisa é realizada em parceria com a Universidade Federal do Amazonas (Ufam), de onde recebe frutos para os experimentos.
Óleos e ômegas
Além da pesquisa com frutos, Jadyellen Rondon, doutoranda em biodiversidade e biotecnologia, também estuda a doença, porém voltada para o uso de óleos como possível tratamento.
Na pesquisa de doutorado, ela foca também na reação das mitocôndrias, parte da célula responsável pela produção de energia. Ela avalia a evolução do mal de Alzheimer, partindo da ideia de que entender a doença e a forma de agir no organismo pode auxiliar no atraso de seu avanço.
“A gente não busca a cura. Busca entender o mecanismo. Porque, se a gente entende quais os fatores que levam àquilo, então talvez a gente possa encontrar um mecanismo para reverter isso. E eu faço isso nas Drosophilas”, explicou.
A princípio, sua pesquisa de doutorado tem como base substâncias encontradas no óleo de peixe, o ômega 3, porém, uma surpresa em meio aos estudos a fez descobrir que o óleo de milho também apresenta propriedades que auxiliam no tratamento da doença e aumento da expectativa de vida de animais doentes. A recente descoberta faz a estudante repensar em mudar os rumos de sua pesquisa.
“O óleo de milho era para ser o nosso controle e não ter resultado algum. Era para ser imparcial, mas obteve resultado melhor que substâncias do Ômega 3. É uma coisa que a gente não esperava. Depois disso, eu pensei que precisava dar uma atenção para o óleo de milho, que inclusive é produzido aqui em Mato Grosso”, afirmou ela.
As primeiras conclusões sobre o óleo de milho já foram publicadas em um periódico científico internacional, a MDPI.