O Projeto Busca Ativa, o Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora e a Entrega Legal, todos desenvolvidos pela Comissão Estadual Judiciária de Adoção (Ceja), ligada à Corregedoria-Geral da Justiça do TJMT, foram debatidos na manhã desta sexta-feira (30 de maio), durante o 4º Encontro Estadual de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, em Cuiabá.
O evento reúne magistrados, membros do Ministério Público, profissionais da rede de proteção e representantes da sociedade civil em dois dias de debates e troca de experiências voltadas à efetivação das garantias previstas na Constituição e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Na abertura dos trabalhos, o juiz Pierro de Faria Mendes compartilhou um caso de adoção viabilizado pelo Projeto Busca Ativa: Uma Família para Amar, que utiliza novas ferramentas para dar visibilidade a crianças e adolescentes aptos à adoção, como o perfil no Instagram @cejatjmt.
Ele relembrou que, quando atuava na Comarca de Cáceres, um grupo de cinco irmãos teve o poder familiar destituído e foi cadastrado no sistema de adoção. “Sabemos da dificuldade de conseguir uma família para grupos de irmãos e, depois de muita análise, separamos os três mais novos, que logo foram adotados por uma família. As duas adolescentes foram encaminhadas ao serviço de acolhimento, sendo que uma delas possui dificuldades motoras e de comunicação”, contou.
Pierro detalhou que a irmã mais velha, Beatriz, atingiu a maioridade e deixou o acolhimento. Gabriela, a adolescente, foi incluída no Projeto Busca Ativa por não ter o perfil indicado nos cadastros de pretendentes à adoção. “Após a divulgação de um vídeo da Gabriela, uns três meses depois, uma família de Minas Gerais que viu o vídeo pelo Instagram da Ceja, se apaixonou e adotou a menina. Hoje, além da Gabi, a Beatriz, mesmo já não estando no acolhimento, também se juntou à família”, relatou. Após a fala do magistrado, foi exibido outro vídeo produzido pela Coordenadoria de Comunicação do Tribunal sobre a adoção da Gabriela.
Família Acolhedora – O promotor de Justiça da 2ª Promotoria Cível de Sinop, Nilton Cesar Padovan, abordou o tema “Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora (SFA): benefícios, mitos e realidade do SFA em Mato Grosso”.
O programa oferece um serviço social no qual famílias acolhem temporariamente crianças e adolescentes afastados de seus lares de origem. O acolhimento não prevê guarda definitiva nem adoção, sendo vedado que as famílias acolhedoras adotem a criança acolhida.
Padovan destacou os benefícios do modelo, como atendimento e cuidado personalizados, vínculos afetivos estáveis, convivência com adultos de referência, desenvolvimento saudável, acesso à convivência comunitária, entre outros. “Conheço na prática a transformação que a criança passa ao ser tirada da unidade de acolhimento e colocada na família acolhedora. Em 15 dias você vê a diferença, é de saltar os olhos”, afirmou.
Segundo o promotor, o serviço também representa vantagens para o Poder Público. “O custo é menor, pois não há despesas com o funcionamento contínuo de uma unidade. Os custos se concentram na equipe técnica e na bolsa concedida à família acolhedora.”
Ele também mencionou a Recomendação Conjunta nº 02, de 17 de janeiro de 2024, que estabelece a meta de garantir acolhimento familiar para pelo menos 25% da demanda nacional até 2027. “Precisamos avançar no nosso Estado para atingir essa meta. Já criamos um Grupo de Trabalho com esse objetivo”, disse.
Atualmente, segundo dados do Ministério Público, 10 municípios de Mato Grosso formalizaram o SFA por meio de lei municipal, mas apenas quatro estão com o serviço ativo: Sinop, Tangará da Serra, Alta Floresta e Santo Antônio do Leverger.
“No nosso estado, temos 94 serviços de acolhimento formalmente constituídos, mas apenas quatro são SFA, ou seja, apenas 4% do total. Isso mostra como ainda estamos distantes da meta”, concluiu.
Entrega Legal – Para encerrar a manhã de debates, a juíza da 1ª Vara Especializada da Infância e Juventude de Cuiabá, Gleide Bispo dos Santos, compartilhou vivências e orientações sobre sua atuação com a entrega legal.
Ela explicou que, conforme o artigo 19-A do ECA, gestantes ou genitoras que desejam entregar o bebê para adoção podem ser encaminhadas à Justiça da Infância e Juventude. “Sempre digo que a entrega legal é um ato de amor. E todos os senhores podem ser agentes de transformação dessa mulher e dessa criança. Para isso, é preciso nos despirmos de todo preconceito e crítica para fazermos um atendimento humanizado”, afirmou.
A magistrada ressaltou a importância do sigilo. “Esta é a parte mais sensível. Se a gente não der garantia de sigilo, ela pode buscar caminhos ilegais, como a entrega direta para outras pessoas. Na minha vara, a primeira pergunta no check list é se ela deseja sigilo, e explico que ela tem esse direito. Também informo que a criança tem o direito de conhecer sua origem biológica, o que se dá por meio da certidão de nascimento, que fica sob guarda da Justiça”, explicou.
Outra explicação dada pela magistrada é que a genitora não é obrigada a identificar o genitor. “A maioria não identifica o suposto pai. No caso de mulher casada ou em união estável, presume-se a paternidade do companheiro, que então deve ser consultado”, esclareceu.
Quando a gestante manifesta o desejo de entregar o bebê voluntariamente, ela é acompanhada por uma equipe multidisciplinar. Após o nascimento, é realizada audiência para confirmar essa decisão em juízo. A mulher tem, então, um prazo de 10 dias para se arrepender. “Sempre orientamos que, caso ela queira desistir, pode fazê-lo a qualquer momento”, disse.
Ao final, a juíza Gleide Bispo destacou a importância da "Semana Estadual de Conscientização sobre a Entrega Voluntária", que ocorrerá de 9 a 13 de junho em todas as comarcas de Mato Grosso. “A proposta é que cada comarca visite unidades de saúde, levando os materiais produzidos pela Ceja, destinados especialmente aos servidores da área de saúde. Ajudar genitoras e profissionais a entenderem a lei é um passo crucial para garantir que a entrega ocorra de forma segura e respeitosa.”