Os primos Bruno Kreutz, 25, e Vitória Kreutz Werle, 24, têm vivido momentos de tensão, incertezas e desespero em Porto Alegre (RS). Os cuiabanos moram na capital do estado do Rio Grande do Sul, uma das cidades mais afetadas pelas enchentes que assolaram o estado sulista nos últimos dias e tiveram suas rotinas alteradas drasticamente devido ao desastre ambiental.
De família gaúcha e com parentes que se estabeleceram em Cuiabá décadas atrás, há alguns anos os dois jovens retornaram ao estado de origem dos familiares para morar e cursar faculdade. Bruno é estudante de Direito e Vitória é advogada. Agora, com as aulas de Bruno suspensas e o trabalho de ambos em modalidade home office, ambos estão isolados por conta da situação da cidade.
Vitória conta que mora no bairro Bonfim e, apesar do local não ter sido alagado, todos os bairros subjacentes estão, inclusive a região do Centro Histórico, que é próxima, foi uma das mais atingidas pelas águas. Preparar-se para enfrentar os próximos dias tem sido motivo de preocupação para a jovem. “Estou bem aqui, mas sem água desde sexta-feira passada. Onde moro ainda tem um restinho na caixa d'água do prédio que provavelmente vai durar só até hoje, no máximo amanhã. Estamos racionando sem lavar roupa, sem limpar casa, sem lavar louça, fazendo só o essencial. Eu tenho alimento e não fiz grandes estoques, pois moro sozinha e não quis piorar a situação de escassez dos supermercados, mas comprei o básico”, explica.
De acordo com Vitória, a situação é crítica e somente uma das 6 estações de tratamento de água está operando em toda a cidade. Devido aos alagamentos, a energia elétrica está instável e, por vezes, o bairro onde mora fica sem fornecimento de eletricidade e também sem internet, assim como vários outros.
“Ontem aqui no meu apartamento fiquei sem energia por algumas horas, depois foi restabelecida nesta madrugada. Mas acho que o pior, o mais problemático é a água, não tem mais água para comprar na cidade. Se tem, é um restinho de água com gás que está também limitado à compra dos moradores. Eu tenho aqui uns 8 litros de água mineral no apartamento e não sei até quando vão durar”, narra.
Como trabalha em home office, a jovem tem se deslocado até a casa do primo, para ter acesso à energia e internet, já que restaurantes e cafés que normalmente abrem para uso "coworking" estão fechados.
Mesmo quem não está desabrigado teve a rotina alterada de um dia para o outro. Como é o caso de Bruno. Embora esteja seguro no momento, vive a angústia de pensar na possibilidade de ficar ilhado caso o nível das águas não baixe e torne a chover na localidade.
A região em que vive não foi afetada diretamente pelas enchentes até o momento, mas a localidade corre o risco de alagamento, pois mora próximo a um córrego que desemboca no rio Guaíba. Bruno explica que nos últimos 12 dias tem chovido sem cessar na região e, embora a precipitação pare por um dia ou dois, a previsão do tempo permanece com chuvas pelos dias seguintes.
O jovem conta que no último sábado (4) foi ao mercado comprar alimentos devido à incerteza em relação às inundações e monitora com frequência os emails que recebe diariamente com avisos da Defesa Civil. Mesmo com a necessidade de se informar, tem evitado ver noticiários a todo instante para não ter a saúde mental abalada.
Ele descreve que as estações de tratamento de água na região foram afetadas e por conta disso mais da metade da população está sem água. “Estou numa parte da cidade que tem água, mas eu não sei por quanto tempo. Estão pedindo para a gente racionar desde ontem. Eu enchi todas as garrafas que tenho com água e deixei tudo na geladeira caso falte”, conta.
Apesar de não sair de casa, nota as movimentações que ocorrem na cidade. “Eu percebo a movimentação das forças do Exército, eu moro perto de uma avenida e vejo direto o exército, helicópteros passando o dia inteiro”, diz. A preocupação se estende também para os amigos que moram nas regiões mais castigadas pelas águas, como o Centro Histórico e a região da Orla onde fica o rio Guaíba e no interior do estado. “Tem um amigo meu que mora em um prédio no centro e está na casa de uma amiga porque ele não pode entrar e sair do prédio. Tem uma colega da faculdade que perdeu toda a casa dela, então nossos colegas estão se movimentando para ajudar ela a comprar as coisas de novo. Tem alguns colegas meus que perderam as casas. Uma amiga em Cruz Alta também foi atingida por uma cheia e não pode mais ir para casa, ficou desalojada", relata.
Vitória conta que uma tia em Canoas, com quem morou por 6 meses logo que se mudou para fazer faculdade anos atrás, perdeu tudo durante a inundação. “A casa dela está absolutamente inundada, a situação da rua dela é apavorante, uma angústia, uma tristeza muito grande, porque é uma pessoa que eu tenho muito carinho, é uma casa na qual eu morei, essa casa não vai mais existir quando a água abaixar, é muito triste”, desabafa.
A vontade dos primos era de poder deixar a cidade, contudo, as estradas estão fechadas e a situação torna-se ainda mais complexa devido à suspensão do serviço de ônibus e dificuldades em conseguir outros veículos.
Rede de apoio e solidariedade
Apesar da angústia, Bruno sente um pouco de esperança ao ver a mobilização das pessoas em organizar movimentos de ajuda e também nos contatos que tem recebido com frequência de pessoas preocupadas em verificar sua segurança e oferecer algum tipo de ajuda. “Um monte de gente vem me perguntar se está tudo bem e estou recebendo muitas mensagens. É legal ver que as pessoas se importam e estão se familiarizando com a situação. [...] Em questão de doações está tendo uma mobilização muito grande da população. A comunidade está se mobilizando, está se agilizando”, diz.
Vitória acredita que em breve a população conseguirá se reerguer e retomar a vida, apesar do trauma causado pelas enchentes. "Tenho muita esperança e tenho certeza de que com a união do estado e do país essa catástrofe vai ser superada! Tem sido muito emocionante ver a quantidade de doações e de gente se voluntariando para ajudar. Os centros de acolhimento e abrigos estão lotados de gente ajudando, é muito reconfortante ver a solidariedade em meio a todo esse desastre".