O depoimento especial de crianças e adolescentes foi o tema de discussão promovida pelo juiz Hugo Gomes Zaher, da Vara da Infância e Juventude de Campina Grande/PB. Ele abriu os debates do período da tarde, no primeiro dia de palestras do 4º Encontro Estadual de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente.
O juiz Hugo Gomes apresentou a experiência desenvolvida na comarca onde atua, em Campina Grande, e também trouxe reflexões sobre o Sistema de Garantias de Direitos da Criança e do Adolescente Vítima ou Testemunha de Violência (Lei 13.431/2017). “O depoimento especial não é só mais um depoimento, é um divisor de trajetórias”, destacou o palestrante.
O magistrado exibiu dados que mostram o aumento de casos de violência, principalmente sexual, contra crianças e adolescentes. Casos que, na maioria das vezes, ocorrem no ambiente doméstico, o que impõe um novo olhar sobre o papel do sistema de Justiça. “O depoimento especial não é mero ato processual: é marco de proteção ou de revitimização”, reforçou.
Para garantir a efetivação dessa proteção, o juiz destacou a intersetorialidade como pré-requisito da efetividade, pois a escuta protegida não começa no fórum — ela pode iniciar com uma revelação espontânea em uma escola ou em alguma estrutura do poder público. “Precisamos trabalhar para evitar a desproteção na origem, para que a escuta não seja revitimizadora.”
O magistrado falou também sobre o protagonismo da criança e do adolescente e o julgamento com perspectiva infantojuvenil. Destacou que a escuta protegida exige que o Judiciário se reformule: da linguagem à postura, da arquitetura à estrutura da audiência. “A criança tem direito de participar com dignidade, e o direito de ser ouvida inclui o direito de não falar”, observou.
Ao final, ressaltou que a autoridade deverá avaliar se é indispensável a oitiva da criança ou do adolescente, consideradas as demais provas existentes, de forma a preservar sua saúde física e mental e seu desenvolvimento moral, intelectual e social. “Pode existir outra prova que supra a necessidade do depoimento. Mas, se houver a necessidade de escuta, é preciso escutar com técnica, humanidade e reconhecer cada criança como sujeito de direito e cada palavra como caminho para sua proteção integral”, finalizou.
O promotor Paulo Henrique Amaral Motta, da Promotoria de Justiça da Infância e Juventude de Cuiabá, e a promotora Ana Carolina Rodrigues Alves Fernandes de Oliveira, da 1ª Promotoria Criminal de Nova Mutum, participaram como debatedores.
Direito à cultura – Na segunda palestra da tarde, o juiz da 2ª Vara da Infância e Juventude de Guarulhos (SP), Iberê de Castro Roxo Dias, falou sobre o direito à cultura de crianças e adolescentes, explicando que esse direito está expressamente previsto na Constituição, há 37 anos, com previsão no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e em tratados internacionais, mas com enormes dificuldades de efetivação.
O magistrado fez questão de explicar por que a cultura é um direito. Trata-se de um direito convencional, constitucional e legal, devido aos inúmeros benefícios comprovados pela Pedagogia e Psicologia. “Além disso, a cultura é um direito pela própria expressão do lúdico, ou seja, o direito ao brincar”, destacou.
É um direito que encontra uma série de barreiras para ser efetivado. Na palestra, o magistrado mostrou que a barreira geográfica é um limitante, pois a maioria dos municípios não oferece estrutura física para o exercício desse direito — não há cinemas, teatros, livrarias, parques, etc. A barreira financeira também afasta os menos favorecidos das apresentações culturais.
Como esperança para a transformação social, o magistrado apresentou a experiência desenvolvida pela Corregedoria de Justiça de São Paulo: o Programa Apadrinharte, que permite que crianças e adolescentes abrigados participem de atividades culturais.
É um programa de apadrinhamento financeiro, em que pessoas físicas e jurídicas contribuem para que crianças e adolescentes frequentem atividades culturais como expectadores ou protagonistas.
O programa foi instituído em 2022 e, conforme o magistrado, o maior desafio no início foi sensibilizar as próprias crianças e adolescentes a participar. “Precisamos permitir que as próprias crianças escolham do que querem participar. Temos o costume de hierarquizar a arte, impor o nosso gosto aos acolhidos”, afirmou o magistrado.
A palestra teve como debatedores o juiz Tiago Souza Nogueira de Abreu, da Vara da Infância e Juventude de Várzea Grande, e a promotora Daniele Crema da Rocha de Souza, coordenadora do Núcleo de Defesa da Criança e do Adolescente do Ministério Público Estadual.
O evento, realizado pelo Poder Judiciário de Mato Grosso e pelo Ministério Público Estadual, reúne magistrados e promotores especializados na temática e está sendo realizado no Tribunal de Justiça, no Plenário 1, Desembargador Wandyr Clait Duarte.