A Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça (TJMT) manteve a decisão que livrou a médica Letícia Bortolini de ser julgada pelo júri popular. Ela atropelou e matou o vendedor de verduras Francisco Lúcio Maia, em Cuiabá, no ano de 2018, depois de voltar de uma festa “regada a alcool” (open bar).
Os magistrados da Primeira Câmara seguiram por unanimidade o voto do desembargador Orlando Perri, relator de um recurso ingressado pelo Ministério Público do Estado (MPMT) contra a desclassificação do crime da médica, de homicídio doloso para culposo. A sessão de julgamento ocorreu na tarde desta terça-feira (26).
A Procuradoria-Geral de Justiça (PGJ), que tenta restabelecer a decisão que mandou a médica para o júri, argumentou que a competência para decidir pela inocência ou não da atropeladora é do próprio júri popular. Ao contrário da primeira instância do Poder Judiciário, o membro da PGJ lembrou que há sim indícios de que Letícia Bortolini estava embriagada e em alta velocidade.
A defesa de Francisco Lúcio Maia, por sua vez, refletiu sobre o paradoxo do caso, ao relatar que a médica responsável pelo atropelamento, além de não socorrer a vítima com os seus conhecimentos, fugiu da cena do crime sem sequer pedir ajuda ao verdureiro.
O advogado da médica, Giovani Santin, também participou do julgamento, e defendeu os laudos que diziam que a médica não estava em alta velocidade.
MP DORMIU NO PONTO
O desembargador Orlando Perri iniciou seu voto analisando duas questões preliminares no julgamento, que questionavam a prescrição da pretensão punitiva – ou seja, o fim do prazo máximo para condenar ou absolver uma parte num processo.
Orlando Perri reconheceu que os crimes conexos ao homicídio (fuga e omissão de socorro), imputados à médica, prescreveram. O desembargador lembrou, ainda, que o MPMT juntou aos autos um laudo pericial, que atesta que o veículo dirigido por Letícia Bortolini (um Jeep Compass), estava há 104 Km/h na hora do atropelamento, somente na fase de recurso. Nesta altura do processo, não houve manifestação da defesa da dermatologista sobre o argumento, ferindo o princípio da ampla defesa.
“A perícia é uma prova documental, mas é uma prova que precisa ser submetida ao contraditório à ser considerada na sentença, e não ocorreu isso”, analisou o desembargador.
CULPA DA VÍTIMA
Na sequência, em razão de Letícia Bortolini se encontrar num “open bar” antes do acidente, Perri esclareceu que a médica, flagrada em fotos postadas nas redes sociais, com copos de cerveja nas mãos durante o evento, também entendeu não haver provas da embriaguez.
“Não há nenhuma prova concreta demonstrando a embriaguez da paciente. Em razão das grandes filas para pegar bebida alcoólica, ela apenas pegava para o marido”, considerou Orlando Perri.
Em relação à velocidade do Jeep Compass, constatada em 104 Km/h, segundo uma perícia, o desembargador colocou dúvidas sobre a real velocidade do veículo. Ele opinou ainda que, diferente da médica, o verdureiro Francisco Lúcio Maia, este sim, estava “embriagado”.
“A vítima acabou por contribuir com a desgraça própria. Ela estava embriagada quando tentava atravessar a via, fato que foi comprovado em perícia”. Ao escapar do júri, a dermatologista dificilmente será presa pelo crime.
O CASO
Num julgamento de novembro de 2022, o juiz de primeira instância, Wladimir Perri, livrou Letícia Bortolini do júri popular em razão do não entendimento, por parte do magistrado, do chamado dolo – a intenção consciente e voluntária de se cometer um crime.
Na avaliação de Wladimir Perri, que é primo do desembargador Orlando Perri, não ficou comprovado que a ré ingeriu bebida alcoólica, nem que estava em velocidade acima do permitido no atropelamento.
Letícia Bortolini dirigia seu Jeep Compass com o seu marido, o médico urologista Aritony de Alencar Menezes, no dia 14 de abril de 2018. Ambos voltavam de uma festa promovida em Cuiabá que oferecia churrasco e bebidas alcoólicas à vontade (“open bar”).
Menos de 2 km do local da festa, Letícia dirigia seu veículo em alta velocidade na av. Miguel Sutil, uma das principais vias da Capital, quando atropelou e matou um verdureiro que tentava atravessar a via, empurrando seu carrinho de verduras, legumes e hortaliças. O casal não prestou socorro à vítima, e fugiu.
O Jeep Compass, porém, foi seguido por uma das testemunhas do atropelamento até um condomínio de alto padrão no bairro Jardim Itália, também em Cuiabá. A dermatologista foi detida momentos depois com sinais de embriaguez. Uma perícia constatou que o veículo estava a 104 km/h numa via que admite velocidade máxima de 60 km/h.
Luiz Ronaldo
Quarta-Feira, 27 de Setembro de 2023, 16h48PAULO CESAR
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