Um eletricista alvo de piadas e comentários ofensivos por ser da região nordeste garantiu na Justiça do Trabalho o direito à indenização por danos morais. A sentença, dada na 1ª Vara do Trabalho de Tangará da Serra, reconheceu que a empresa Energisa foi omissa ao permitir um ambiente com práticas discriminatórias de cunho xenofóbico.
Segundo relato do trabalhador, ele era diariamente alvo de piadas e perseguições motivadas por sua origem regional, ouvindo comentários discriminatórios de colegas e superiores. Ao ingressar com a ação trabalhista, afirmou que a situação causava constrangimento e abalo emocional.
A empresa negou a existência de ambiente hostil e afirmou que o empregado nunca havia apresentado reclamações formais. Durante a audiência, no entanto, o próprio representante da empresa admitiu ter ouvido “algumas piadas” entre os colegas relacionadas à origem do eletricista.
Ele também reconheceu que o trabalhador questionou, em mais de uma ocasião, sobre uma possível implicância por ser do Nordeste. Para o juiz Mauro Vaz Curvo, o depoimento confirmou que manifestações discriminatórias fazem parte do convívio no ambiente de trabalho, ainda que em práticas discriminatórias naturalizadas e tratadas como “brincadeiras”.
Ao julgar o caso, o magistrado lembrou que, embora comumente associada à hostilidade contra estrangeiros, a xenofobia também se manifesta dentro de um mesmo país, com base em preconceitos regionais. No Brasil, essas práticas frequentemente atingem pessoas oriundas de regiões historicamente estigmatizadas, como o Nordeste. “Ainda que disfarçadas de ‘brincadeiras’, as condutas relatadas são humilhantes, constrangedoras e incompatíveis com um ambiente de trabalho saudável e respeitoso”, registrou o juiz, observando que o depoimento do eletricista deixou claro o impacto emocional causado pelas agressões de cunho xenofóbicos.
A sentença mencionou dispositivos constitucionais e normas internacionais que proíbem discriminação no trabalho, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Convenção Americana de Direitos Humanos, as convenções 111 e 190 da OIT, essa última sobre a eliminação da violência e do assédio no mundo do trabalho. Também foram citadas as leis 7.716/1989, que criminaliza a xenofobia e a 9.029/1995, que proíbe práticas discriminatórias nas relações de emprego.
A decisão enfatiza ainda que ao empregador incumbe diversas obrigações, sendo a mais relevante a de preservar a integridade física e psíquica do trabalhador. “É dever do empregador zelar pela saúde e segurança de seus empregados e adotar medidas para assegurar a higidez do meio ambiente laboral”, afirmou o magistrado.
O juiz também destacou o Protocolo de Julgamento com Perspectiva Antidiscriminatória, Interseccional e Inclusiva, voltado a questões de gênero, raça, etnia, deficiência e idade. Lançado pela Justiça do Trabalho em 2024, o documento orienta magistrados a levar em conta desigualdades estruturais nas decisões.
Com base na gravidade da conduta, nos efeitos sobre o trabalhador e no caráter pedagógico da decisão, o magistrado fixou a indenização por danos morais em R$ 15 mil. Diante da admissão de práticas discriminatórias, o juiz determinou o envio de ofícios ao Ministério Público do Trabalho (MPT), ao Ministério Público Federal (MPF) e ao Ministério do Trabalho e Emprego, para que adotem providências conforme suas competências legais.
Fidedigno
Sábado, 31 de Maio de 2025, 06h41