Os portões da Arena Pantanal nem tinham sido abertos ainda para o jogo Mixto x Santos e as duas torcidas já faziam festa do lado de fora do estádio, se preparando para o belo espetáculo que viria a seguir. Os gritos de guerra e a agitação das bandeiras mostravam a animação e amor ao time daqueles que esperavam ansiosamente pelo grande jogo, realizado oficialmente pela Copa do Brasil e que serviria de teste para o novo estádio. Palpites para o placar final é o que não faltavam, cada um puxando a sardinha para o seu lado, mas o que ninguém contava era que nenhum dos dois times testariam o marcador da Arena, tendo este não saído do 0.
Dentro do estádio a animação era ainda maior. Quem adentrava o campo não escondia a admiração “ficou bonito”, “ficou muito massa” e “ficou demais”, eram as frases mais ouvidas. Na arquibancada a torcida se interagia, filmando e fotografando todos que estavam ali. Seu Tanaka veio de Quatro Marcos junto com a família. Com a filmadora ele registrava tudo e ia comentando, “pessoal de Nova Mutum”, “turma de Primavera do Leste” mostrando os torcedores que estavam sentados perto de sua cadeira, novos amigos que acabara de conhecer. Ela já tinha assistido a outro jogo do Santos em Cuiabá, quando ainda era o Verdão e deu seu parecer: “melhorou 100%”.
Chamava a atenção a quantidade de crianças e famílias presentes no campo. Jaimir Porsatte veio de Nova Mutum acompanhado da esposa, do sobrinho e dos netos Eduardo e Vinicius, de 6 e 7 anos que, mesmo com o pai sãopaulino, foram convencido pelo avô a se tornarem santistas. “Está tudo maravilhoso, tranquilo, pode trazer família, a segurança está boa”, disse Jaimir, antes do pequeno Eduardo roubar a cena e interromper o avô para contar que estava achando tudo maravilhoso e que vai ser jogador de futebol quando crescer.
Além da beleza do estádio, outro assunto que gerou comentários positivos do público foi a boa organização do evento, sem tumulto na hora de entrar e com bastante informação e orientação por parte dos voluntários. Serviços como o de acessibilidade não foram observados pela multidão presente, mas foi aprovado por aqueles que necessitaram fazer uso. Foi o caso de Paulo Lima, de 30 anos, que estava no espaço reservado para cadeirantes, e ficou satisfeito com o serviço prestado para pessoas com limitações físicas. “O estádio respeitou as normas de circulação. A acessibilidade está boa, a distribuição, a estrutura dos banheiros. Além da Arena estar muito bonita, material de primeira", disse Paulo, que escolheu o setor do Santos por ser torcedor do Operário, arquirrival do Mixto.
O que se viu na noite de quarta-feira (02.03) foi uma grande harmonia entre as torcidas e uma mistura de cultura de diferentes partes do País. Teve gente de Rondônia, como Elker Winther, que veio com seus pais de carro de Presidente Médice a Cuiabá apenas para ver o Santos em campo. Também tinha gente de Goiânia, de Mato Grosso do Sul e de vários outros estados brasileiros. E claro, como não poderia deixar de faltar, teve vários torcedores paulistas, que sempre acompanham o time da Vila Belmiro por onde ele joga. Vasco Vieira Junior, morador de Santos, e Gustavo Rezek, de São Sebastião, que fazem parte da torcida jovem, são exemplos de lealdade com o time. Conhecedores de vários estádios do Brasil e exterior, eles gostaram do que viram aqui. “Ficou um estádio muito bonito, aconchegante”.
Durante o jogo era comum ver jovens com celulares, acompanhando a narração pelo aparelho. Mas alguns torcedores das antigas preferiram mesmo foi o bom e velho radinho de pilha, objeto que faz parte da cultura do futebol. Sentado na primeira fila, com um radinho na orelha e atento a todos os lances, Dorival Ricaldi é um paulista que mora há 30 anos em Cuiabá. Torcedor roxo do Santos, a primeira vez que viu seu time do coração levantar a taça foi no Campeonato Brasileiro de 1965, quando tinha 7 anos, sob o comando do ídolo Pelé. Também reforçou a torcida em títulos nacionais e da Libertadores da América, sempre acompanhado do seu inseparável radinho. “É essencial para ouvir os comentários do jogo”, disse Dorival que errou feio na previsão ao declarar que seu time ganharia de goleada, com 4 gols de diferença.
A TRADIÇÃO CUIABANA
A parte inferior da Arena Pantanal estava lotada, com a presença de 20 mil pessoas. O público esperava ansiosamente pelo início do jogo, que foi marcado por uma grande ‘ola’ com a participação de todos no estádio. Nas duas torcidas se ouvia os famosos gritos de ‘uh’ a cada bom lance, a respiração aliviada ao afastar o perigo da área e as palavras impublicáveis ao não concordar com uma marcação do juiz. A festa foi bonita. Os balões pretos e brancos, cores que simbolizam os dois times, davam vida a Arena e os cantos de incentivo animavam a plateia, que respondiam com palmas e um pulo da cadeira a cada perigo de gol. Apesar das torcidas estarem pareadas em número de pessoas e da folia ter sido dos dois lados, os mixtenses se destacaram.
Animados pelos tambores e coreografia da grande torcida organizada do "Boca Suja”, a maior e mais tradicional de Mato Grosso, a torcida do Mixto fazia uma festa a parte, atraindo até mesmo a atenção dos rivais de arquibancada. Maria da Conceição Albuquerque, irmã do ex- jogador Ico, estava entusiasmada. A senhora de 78 anos, que torce pelo tigre desde criança, já foi escolhida ‘madrinha dos jogadores’ e convidada para jogar na ala feminina do time quando ainda estava no ginásio – o time leva o nome de Mixto porque reunia homens e mulheres na mesma disputa. Junto a um grupo de vizinhos, que sempre a acompanha nos jogos, ela estava confiante com a vitória. “Está tudo muito lindo, só de estar aqui já está bom. Mas se ganhar melhor ainda”.
E mesmo no meio de tantos homens era o público feminino que reinava na torcida do Mixto. A estrela principal, Nhá Barbina, de 91 anos, que ajudou a fundar o ‘Boca Suja’ e já foi chefe da torcida, recebeu uma justa homenagem antes do início do jogo, reconhecimento pela dedicação ao time cuiabano. Mesmo depois da morte do marido, que sempre a acompanhava nos jogos, Nhá Barbina não se sente sozinha em campo, está sempre rodeada pela família e admiradores que a conhecem de longa data e se encantam com sua vitalidade e amor pelo clube do coração. Na noite dessa quarta ela era só alegria. “Mato Grosso merecia um estádio assim”, dizia ao elogiar a beleza do estádio.
Entre as pessoas que estavam ao redor de Nhá Barbina, está Terezinha Ferreira do Carmo, de 62 anos, que torce pelo Mixto desde os 12. “Eu morava perto do Dutrinha, minha mãe ia dormir e eu saia escondida para ir aos jogos”. Ela é o tipo de torcedora que participa de todos os eventos relacionados ao time. “O Mixto é como se fosse uma grande família. Nós nos reunimos na associação para fazer eventos e almoços que ajudam a arrecadar dinheiro para as viagens”. Fanática pelo clube, lembra com saudade do ano de 1976, quando ela e outros torcedores fizeram uma excursão ao Rio de Janeiro para assistir a uma partida do tigre pelo Campeonato Brasileiro, contra o Vasco. Sempre de bom humor, mesmo com a tensão do jogo, ela confidenciou que o estádio só não estava perfeito “porque não tinha sido liberada a cerveja”. Nervosa com a partida, Terezinha não tirou os olhos do campo por um minuto sequer, acompanhando a torcida que cantava o hino ‘eu acredito’, sentimento que unia todos os mixtenses naquela altura do campeonato.
Juscelino Ribeiro
Sexta-Feira, 04 de Abril de 2014, 07h25