Mundo Segunda-Feira, 09 de Dezembro de 2024, 09h:00 | Atualizado:

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MORTES SEM FIM

Violência policial acompanhou mudanças na política de segurança

 

O GLOBO

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“Pode ir na ONU, na Liga da Justiça, no raio que o parta que eu não estou nem aí”. A declaração do governador Tarcísio de Freitas ocorreu em março, ao ser questionado sobre denúncias de violações de direitos humanos praticadas por policiais militares na Baixada Santista. À época, as operações contra o crime organizado na região contabilizavam 39 mortes, número que depois escalou para 105 vítimas nos 146 dias das operações Verão e Escudo — um corpo a cada 33 horas.

De janeiro de 2023, quando Tarcísio assumiu o cargo, até outubro, 1.180 pessoas foram mortas por policiais militares e civis — média de quase duas vítimas por dia. Com 676 mortes em dez meses, 2024 já é o ano mais violento no estado desde 2020, ano anterior ao início do uso de câmeras corporais. A alta letalidade, avaliam especialistas, está ligada ao desmonte da política de segurança pública em São Paulo, que inclui mudanças nas regras para afastamento de policiais e até a criação de uma ouvidoria paralela para receber denúncias.

Na campanha de 2022, Tarcísio havia deixado claro o que pretendia para a segurança pública do estado mais populoso do país. Adotou uma postura crítica com relação às câmeras corporais usadas por policiais militares, instrumento apontado por especialistas como determinante para prevenir abusos. Disse que, se eleito, retiraria os equipamentos das ruas, que classificou como um “voto de desconfiança” nos agentes — posição que só agora, após uma série de casos de violência provocar indignação, ele revisou.

Ao assumir o governo, Tarcísio entregou a Secretaria da Segurança Pública ao bolsonarista Capitão Derrite, que havia sido afastado da Rota após uma ocorrência resultar na morte de seis suspeitos. Depois, elegeu-se à Câmara em 2018. Com Tarcísio e Derrite, São Paulo endureceu a política de segurança. Índices como os de homicídio e roubo caíram, mas aumentaram os de letalidade policial.

O endurecimento na política de segurança passa pelo compromisso de Tarcísio com a direita radical vocalizada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, que apoiou a sua eleição.

Cristina Neme, do Instituto Sou da Paz, ressalta que a eficácia das políticas públicas de controle do uso da força depende da orientação política das lideranças:

— O discurso político, a orientação, a fala da liderança política, do governador, do secretário, tudo orienta para que lado vai a atuação da polícia.

A alta de mortes decorrentes de intervenção policial foi puxada por casos na Região Metropolitana da capital e na Baixada Santista. Na capital, a periferia concentra o maior número de mortes. A campeã de ocorrências na gestão Tarcísio é a subprefeitura do Butantã, na Zona Oeste, onde houve 65 óbitos. Embora seja um bairro de classe média, os casos de violência foram registrados em delegacias que atendem áreas pobres, como o 89° Distrito Policial (DP), vizinho da favela de Paraisópolis; e o 34° DP, próximo ao Real Parque.

Os números divulgados pela SSP ainda não computam casos recentes, como a morte de Ryan da Silva Andrade Santos, de 4 anos, em 5 de novembro; tampouco a do homem que levou 11 tiros pelas costas após furtar quatro embalagens de sabão na Zona Sul da capital. No entanto, de acordo com o Grupo de Atuação Especial da Segurança Pública e Controle Externo da Atividade Policial (Gaesp), do Ministério Público de São Paulo (MP-SP), policiais mataram 83 pessoas no estado em pouco mais de 30 dias, do início de novembro até 3 de dezembro.

A polícia que mata também agride. Nesta semana, o preparo da PM foi posto em xeque por conta do vídeo de um policial que jogou um homem de cima de uma ponte na Zona Sul. Dados da Ouvidoria das Polícias mostram que o número de denúncias por agressão aumentou 40% até novembro deste ano, na comparação com os 11 primeiros meses de 2023: foram 170 queixas, além de 74 por abordagem abusiva, 282 por abuso de autoridade, 64 por ameaça e 28 por lesão corporal.

Em nota, a SSP disse ter “compromisso com o combate a desvios de conduta” e que “todas as ocorrências de letalidade policial são rigorosamente investigadas pelas Polícias Civil e Militar, com acompanhamento das corregedorias, Ministério Público e Poder Judiciário”, completou.

Entenda a série de eventos que contribuíram para a escalada da violência policial em São Paulo.

Mudança de regras para afastamento de policiais

Sem divulgar no Diário Oficial, a secretaria de Derrite mudou as regras para afastar agentes investigados por crimes. Em boletim interno revelado pela revista “Piauí”, a pasta determinou que os comandantes regionais não têm mais poder para afastar e pedir investigação contra militares envolvidos em ocorrências graves. Essa passou a ser, desde julho, atribuição do subcomandante da PM, José Augusto Coutinho, que tem o poder de decidir quem fica ou sai das ruas. A SSP afirma que mais de 280 policiais foram demitidos e expulsos, e 414 agentes foram presos desde o início do ano.

Troca de coronéis no comando da PM

A mudança de quase toda a cúpula da PM, em fevereiro, foi interpretada por oficiais descontentes como uma tentativa de interferência política de Derrite na corporação. O governo trocou 34 coronéis da PM, inclusive do alto comando. As substituições chegaram a postos estratégicos como o subcomando, o Centro de Inteligência e o comando do CPChoq. Nos bastidores, diz-se que a decisão foi tomada em retaliação àqueles que não concordam com a política linha-dura do secretário.

Desmanche de comissão para controle da força

Entre as medidas que teriam contribuído para o salto da letalidade policial está o desmonte da Comissão de Mitigação e Riscos. Criada em julho de 2020, a comissão é convocada cada vez que uma intervenção policial resulta em mortes. Em até cinco dias depois do fato, o comandante do batalhão e outros quatro oficiais se reúnem para analisar os procedimentos. Dados da PM mostram que, no primeiro semestre de 2021, a corporação instalou 165 comissões. No mesmo período deste ano, foram 58. A SSP disse que as comissões “seguem funcionando regularmente para analisar casos de mortes decorrentes de intervenção policial”.

Criação de uma ‘ouvidoria paralela’

Em nova ação para enfraquecer o controle externo da PM, foi criada uma ouvidoria paralela das polícias. A pasta da Segurança publicou no último dia 26 a resolução 66, que cria a Ouvidoria da Secretaria da Segurança Pública. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP) recebeu com “indignação” a criação do núcleo. A SSP diz que a Ouvidoria Setorial, nome oficial, continuará com sua atribuição e que sua criação atende a exigências da Procuradoria-Geral do Estado: “Essa nova ouvidoria terá atuação independente e focará no aprimoramento dos serviços prestados pela SSP, como registro de boletins de ocorrência, coleta de DNA, DDM Online, Disque Denúncia, entre outros”.

Enfraquecimento do programa de câmeras corporais

O governo Tarcísio lançou em maio um edital para contratar 12 mil câmeras corporais para a PM, que substituirão as 10.125 atuais e que devem começar a funcionar neste mês. Ao contrário dos aparelhos de agora, os novos precisam do acionamento intencional do policial para gravar. Se o PM opta por não ligá-la, a ação não é gravada. Especialistas apontam a mudança como o afrouxamento mais evidente do controle dos excessos policiais. A SSP diz que as novas câmeras contam com funcionalidades adicionais às atuais e que os equipamentos “estão em conformidade” com portaria do Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Declarações em clima de ‘liberou geral’

O “tô nem aí” de Tarcísio não foi uma declaração isolada minimizando denúncias de violência policial. Quando a PM matou o menino de 4 anos na Baixada Santista, o governador elogiou a conduta de Derrite pelo “trabalho revolucionário”. Derrite afirmou em 2015, quando era da Rota, que considerava “vergonhoso” para um policial não ter ao menos “três ocorrências” por homicídio no currículo em cinco anos, segundo áudio revelado pela Ponte Jornalismo. Ele contou ainda num canal do YouTube, em 2021, as razões que o levaram a ser desligado da Rota. “A real? Porque eu matei muito ladrão”, disse. “Tive muita ocorrência de troca de tiro, eu ia para cima.”





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Comentários (1)

  • [email protected]

    Segunda-Feira, 09 de Dezembro de 2024, 10h20
  • Vagabundo morto vira... santo..... religiosos.......... trabalhadores... bom pai de familia.... bom filho.... estudante..... (so gente boa)
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