O dia 23 de janeiro é pouco comemorado e lembrado, apesar de ser o Dia Mundial da Liberdade, segundo a ONU e proclamado pela UNESCO. Em tempos atuais, onde a liberdade tem sido tão buscada, importante refletir sobre a expectativa e a realidade do que é, de fato, ser livre.
Ao volver os olhos para a natureza - os pássaros a encantar com os voos e as plantas a crescerem livremente e espalhando raízes sem que ninguém as veja, apresentando as folhas ao ar livre -, percebemos um pouco de liberdade.
A liberdade pode ser um direito dos humanos de entoarem escolhas de acordo com um possível livre arbítrio, sem adentrar aqui no melhor pensamento filosófico que o descarta. Ser livre é possível?
Em terras brasiliis, vivemos de leis, muitas leis, onde a visão, canhestra, é no sentido de que elas solucionam tudo. Sim, por aqui precisamos reafirmar a igualdade formal e material na Constituição e normas; tem sido preciso dizer na legislação que o racismo, a homofobia e a xenofobia são crimes; normatiza-se que a violências contra determinado segmento, os mais vulneráveis, é muito grave etc. Livres, somos? A liberdade verdadeira passa por uma forte consciência moral, em que as regras fundamentais não precisam ser positivadas, pois são paradigmáticas da ética de cada indivíduo.
Para Kant, a liberdade é agir segundo as leis. O próprio filósofo reflete que a liberdade tem normas, sendo estas cogentes e impostas. Afirma, ademais, que existe autonomia própria dos seres racionais em legislar, sendo que a liberdade e a moralidade são indissociáveis. O pensador verbalizou que a sociedade se organiza conforme a justiça, tendo cada qual o direito de fazer o que bem entender, desde que não interfira na liberdade dos demais (vejam, isso está em Kant, não é fantástico?).
Sartre sintetiza no sentido de que a liberdade é intransponível aos seres humanos e que estamos condenados a ser livres. É lógico que nada há de obrigação nisso, mas de responsabilidade, ser julgado pelas escolhas num determinado espaço/tempo de liberdade.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, logo no artigo 1º, estabelece: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.” O dever agir com fraternidade é moral. Contudo, cuida-se de liberdade o dever agir? Como assinalado acima, para Kant parece que sim. Não há liberdade fora das regras formuladas e aceitas.
A existencialista Simone de Beauvoir ditou: “Querer ser livre é também querer livres os outros”. Esse é um conceito que bastante condensa o significado da palavra, deixando a solidariedade como pilar. A igualdade e solidariedade, a preocupação com a alteridade, é atributo da liberdade.
Muito se tem questionado sobre o direito ou não de se vacinar contra a COVID-19. Primeiro os adultos e, agora, as crianças e adolescentes. Em poucas palavras, trazendo o nosso primordial direito à liberdade, como não confiar na ciência? A ciência é regra constitutiva, portanto, é de sua essência ditar caminhos, dando sentido à liberdade, que não anda sozinha, sem qualquer parâmetro, sob pena de virar libertinagem.
O conceito de liberdade alcança muitos outros significados. Não há unicidade sobre ela. Pensadores e pensadoras não esgotaram seu significado e alcance. Mas algo parece eclodir bem forte disso tudo: o direito de cada qual termina quando começa o direito de cada qual; e, negar a vacina, a ciência, portanto, nunca será liberdade, mas o contrário dela, a corrupção da moral e da solidariedade.
É por aí...
Gonçalo Antunes de Barros Neto é professor de Filosofia (email: [email protected]).