A cultura elegante cultivada na década de 1930 veste com esmero a arte musical da década seguinte. Espaçosas varandas cuiabanas eram sempre um convite para saraus em aniversários, noivados, formaturas ou por simples desejo de convivência. O conjunto Serenata de 1935, com sede provisória numa sala do Thesouro do Estado, reunia os jovens seresteiros: Nilson Constantino, Dante Miraglia, Tote Garcia, José Ferraz, José Rosa, Fábio, Hermínio, Odare Curvo, Marçal, Gigo, Vicente, e ainda Juvenílio de Freitas, Hermínio Albernaz, Hélio, Xilo, Tunta e Irineu.
A idealidade, fertilizada no crescimento da arte, motivou a fundação de um centro musical com feitio de estudos aprimorados e de personalidade jurídica, que lhe sustentasse o crescimento.
José de Mesquita cede a Casa Barão de Melgaço, para, na Academia Mato-Grossense de Letras, acontecer o grande encontro da comunidade culta, que fundou o Centro artístico, no dia 9 de março de 1947, instalando-o festivamente no dia da cidade, 8 de abril. Dom Aquino Corrêa recomendou o apoio do Instituto Histórico e Geográfico, instituição esta de 1919, a mais antiga.
Segue, no dia 23, a aprovação do Estatuto, que fixou a finalidade:...“tem por fim incentivar o culto das artes em suas diversas modalidades, especialmente a música, organizando o seu ensino à mocidade e coordenando a sua atividade entre os estudiosos e diletantes dos seus múltiplos ramos.” Decidiu-se que contribuiria para a “organização e difusão de conjuntos musicais, regionais e clássicos, a revivescência da música cuiabana; com aspiração, ainda, de fundar escola de música como passo inicial para Conservatório, e amparo aos músicos pobres.” Neste imaginário, percebe-se a nobreza intencional destes artistas amadores, o ser engenhoso, o ser espírito do bem humanístico civilizador.
Diligente, o presidente provisório, desembargador Bianco Filho, acolitado por Ulysses Cuiabano, empossa a primeira diretoria: Nilson Constantino, presidente; Zulmira d’Andrade Canavarros, vice-presidente; Benedicto Francisco de Mello, 2º vice-presidente; Juvenílio Francisco de Freitas, 1º secretário; Maria Ambrósio Pommot, 2ª secretária; Jorge Sawer, 1º tesoureiro; Hermínio Virgínio da Silva, 2º tesoureiro. Seguem outros diretores e membros fundadores: Lia Martins de Melo, Dante Miraglia, Antônio Ribeiro Bastos, Dunga Rodrigues, Georges Pommot, Antônio Tote Garcia, Ilma Lotufo, Pedro Aurélio Ribeiro, José Agnelo, Lisandro de Holanda e João de Almeida. Se fastidioso, deixa de sê-lo pelo preito de homenagem a estas figuras crédulas, inspiradas no belo, a desenhar o que viria a ser a arte musical em Cuiabá. Quando se reporta à credulidade é preciso situar a capital mato-grossense no tempo do desprezo do Centro-Oeste brasileiro pelo poder central – a distância, a descomunicação absoluta e a pobreza.
Entretanto: “a arte necessita da solidão, da miséria ou da paixão. É uma flor de rochedo que precisa de um vento forte e terreno rude” – na filosofia de Alexandre Dumas Filho – explica de certa maneira a movimentação cultural sedenta e socorrista. Com poucos dias de existência, o Centro artístico promove o primeiro festival de música, com a presença do governador do Estado, Arnaldo Estêvão de Figueiredo, o primeiro eleito após a ditadura de Vargas. O próximo dia 27 de julho marca para o vindouro ano de 2015 o centenário de nascimento do escritor mato-grossense, Rubens de Mendonça. A sua filha, Adélia Maria Badre Mendonça de Deus, participa com as instâncias da história, da literatura e da arte, das tarefas para a celebração. Por certo, as orquestras sinfônicas da UFMT e do Estado honrarão os dias do evento. Que haja inspiração do Centro artístico. Conservatório de música, como o Dunga Rodrigues, cuja diretoria está com a professora Edith Barros Seixas, pode ensejar participação nos saraus. Suas raízes estão no Conservatório Musical de Mato Grosso, com os altruístas Antônio Mattos Fortunato Duarte e Dalva Lúcia Silva Duarte.
Das valsas, boleros, chorinhos e rasqueados vêm os ritmos da fina audiência dos cuiabanos que tanto aplaudiram os nossos músicos. Rasqueado não é lambadão; o rasqueado cuiabano deve ser cultivado e perpetuado. A harmonia musical, sem nunca desprezar o violino e o piano, permeará os acontecimentos, palestras e seminários, que assinalarão este centenário.
* BENEDITO PEDRO DORILEO é advogado e ex- reitor da UFMT
L?cia Pestre
Sexta-Feira, 13 de Fevereiro de 2015, 11h44