Ilustraçaõ
O juiz da da 2ª Vara Especializada de Fazenda Pública de Várzea Grande, Jones Gattas Dias, determinou anteontem o confisco ou indisponibilidade dos bens da ex-secretária municipal de Saúde da cidade, a médica Jaqueline Beber Guimarães (PMDB). Ele acatou um pedido de liminar feito pelo Ministério Público Estadual que detectou que Jaqueline possuia acúmulo indevido de cargos atuando, ao mesmo tempo, como secretária de Saúde e médica credenciada ao Detran (Departamento Estadual de Trânsito).
Na denúncia, o MPE elencou que em 2009, 2010 e 2013 ela prestou serviços na Saúde de Várzea Grande e, em 2011 e 2012, a secretaria estadual de Saúde, mas ao mesmo atuou no departamento. "Ela recebeu a normalmente remuneração dos cofres públicos graças à inoperância dos sistemas de controle de gestão de pessoal da Administração não desenvolvendo suas funções a contento em nenhum dos cargos que ocupava tendo em vista a incompatibilidade dos horários e a impossibilidade de acumulação de mais de dois cargos públicos em qualquer hipótese", denunciou os promotores.
Em seu despacho, o magistrado considerou como "fortes indícios de atos de improbidade administrativa levando à percepção de remuneração indevida, gerando o enriquecimento ilícito, com notório prejuízo aos cofres públicos, que estariam a remunerar por serviços não prestados ou prestados de forma insatisfatória, sem a dedicação exigida para a justa contraprestação salarial". Jones Gattas Dias argumentou que defere a liminar para garantir que novos casos de acúmulo ilegal não aconteçam na "cidade industrial".
"Tenho, no entanto, que no caso dos autos deve prevalecer a posição majoritária da jurisprudência, ante a força dos elementos de prova da conduta administrativa ilícita e o montante dos prejuízos supostamente impostos ao patrimônio público estadual e municipal, que, somados à inevitável demora no trâmite processual, autorizam o deferimento da medida cautelar, como forma de evitar que o julgamento tardio favorável à parte autora caia em inocuidade e em desprestígio ao Poder Judiciário e às instituições a este ligadas de combate à corrupção e à malversação da coisa pública", explica, Ele ainda determinou comunicar ao Detran e cartórios de imóveis o conteúdo da decisão para garantir o bloqueio dos bens da esposa do prefeito Wallace Guimarães (PMDB).
Jaqueline deixou o cargo em dezembro do ano passado. Atual suplente, ela pretende disputar uma cadeira na Câmara Federal pelo PMDB.
VEJA A ÍNTEGRA DA DECISÃO
Cuida-se de Ação Civil de Improbidade Administrativa proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL em face de JAQUELINE BEBER GUIMARÃES, pessoa física devidamente qualificada nos autos, por meio da qual se alega, em síntese, ter o órgão autor investigado representação ali protocolada dando conta que a requerida estaria acumulando ilegalmente cargos públicos, mantendo concomitantemente dois vínculos efetivos na Prefeitura Municipal de Várzea Grande, exercendo o cargo comissionado de Secretária Municipal de Saúde e realizando exames como credenciada no DETRAN-MT.
Segundo se infere da inicial, as investigações confirmaram que a demandada é servidora efetiva do Governo Municipal com dois vínculos, que ocupou nos anos de 2009, 2010 e 2013 cargo comissionado na Secretaria Municipal de Saúde e em 2011 e 2012 na Secretaria de Estado de Saúde, enquanto exercia, também, atividade junto ao DETRAN-MT, percebendo normalmente remuneração dos cofres públicos, graças à inoperância dos sistemas de controle de gestão de pessoal da Administração, não desenvolvendo suas funções a contento em nenhum dos cargos que ocupava, tendo em vista a incompatibilidade dos horários e a impossibilidade de acumulação de mais de dois cargos públicos em qualquer hipótese.
Assim, por violação aos incisos XVI e XVII do art. 37 da Constituição Federal e à legislação municipal e com base no art. 7º da Lei de Improbidade Administrativa, pede-se, em sede cautelar, inaudita altera pars, seja ordenada a indisponibilidade de bens e valores da requerida, até o alcance da importância de R$ 122.677,82 (cento e vinte e dois mil, seiscentos e setenta e sete reais e oitenta e dois centavos), e, ao final, a procedência da ação, a fim de ser reconhecida a prática de atos de improbidade administrativa capitulados nos artigos 9º, 10 e 11 da Lei 8.429/92 e de ser a ré condenada a recompor o erário municipal e o estadual, além de sofrer as sanções previstas no art. 12, I, II e III, da referida lei.
Junta documentos (fls. 23-943).
É o relatório.
Decido.
Em se tratando de providência cautelar, sabe-se que dois devem ser os requisitos necessários a sua concessão, sendo eles o fumus boni iuris e o periculum in mora, visualizando-se o primeiro, à luz do disposto no art. 7º da Lei 8.42992, na verossimilhança das alegações e nos indícios de prática de improbidade administrativa capaz de causar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito, sendo da compreensão predominante na doutrina e, em especial, na jurisprudência que o segundo requisito já está implícito no dispositivo da lei.
No caso em tela, farta observar nos inúmeros documentos juntados com a petição inicial e no quadro demonstrativo apresentado nesta (fl. 08) a inconstitucional conduta de cumulação de cargos praticada pela requerida, pois, na condição de servidora efetiva do Governo Municipal no cargo de médica ginecologista com dois vínculos (fls. 44-47), ocupou cargo comissionado na Secretaria Municipal de Saúde nos anos de 2009, 2010 e 2013 e na Secretaria de Estado de Saúde nos anos de 2011 e 2012, ao mesmo tempo em que exercia atividade como médica perita no DETRAN-MT, percebendo normal remuneração em cada lugar e função (fls. 58-60, 785-790, 797-803, 804-827), cumulando, pois, mais de dois cargos públicos remunerados e com incompatibilidade de horários, infringindo, assim, o disposto no art. 37, XVI, da Constituição Federal, sem contar os dispositivos municipais e estaduais alusivos aos deveres do servidor público.
Nenhuma, portanto, a dúvida de haver, no caso em tela, fortes indícios de atos de improbidade administrativa cometidos pela requerida, daí a presença do fumus boni iuris, vez que a cumulação proibida pelo art. 37 da Carta Maior leva à percepção de remuneração indevida, gerando o enriquecimento ilícito, com notório prejuízo aos cofres públicos, que estariam a remunerar por serviços não prestados ou prestados de forma insatisfatória, sem a dedicação exigida para a justa contraprestação salarial.
Quanto ao segundo requisito, assinalo já ter asseverado mais de uma vez, em casos semelhantes, o pensamento de que, muito embora se reconheça haver entendimento jurisprudencial, como o reproduzido na inicial, que apregoe a tese de que o periculum in mora esteja implícito na natureza da demanda, a providência cautelar deve ser vista com reservas e considerado o caso concreto, especialmente antes de instaurado o contraditório, mesmo existindo entendimento, também, de que a decisão acerca da cautelar em questão “pode e deve, muitas vezes, ser tomada antes do exame de recebimento da inicial, antes mesmo de proceder-se a notificação”, conforme entendimento pacificado pela jurisprudência (RT 868/397; STJ-1ª T., REsp 1.003.148, Min. Denise Arruda, j. 18.6.09; STJ-2ª T., REsp 930.650, Min. Herman Benjamin, j. 18.8.09, DJ 27.8.09).
Tenho, no entanto, que no caso dos autos deve prevalecer a posição majoritária da jurisprudência, ante a força dos elementos de prova da conduta administrativa ilícita e o montante dos prejuízos supostamente impostos ao patrimônio público estadual e municipal, que, somados à inevitável demora no trâmite processual, autorizam o deferimento da medida cautelar, como forma de evitar que o julgamento tardio favorável à parte autora caia em inocuidade e em desprestígio ao Poder Judiciário e às instituições a este ligadas de combate à corrupção e à malversação da coisa pública.
A seguir, o entendimento pacífico no egrégio Superior Tribunal de Justiça:
“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INDISPONIBILIDADE DE BENS. COMPROVAÇÃO DE EFETIVA DILAPIDAÇÃO PATRIMONIAL. DESNECESSIDADE. PRECEDENTES.
1. Trata-se de Recurso Especial interposto pelo Ministério Público Federal contra decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região que indeferiu o pedido de indisponibilidade de bens, por entender necessária a demonstração de dilapidação patrimonial ou de sua iminência.
2. A Primeira Seção do STJ (REsp 1.319.515/ES, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ acórdão Min. Mauro Campbell Marques, DJe 21.9.2012) firmou a orientação de que a decretação de indisponibilidade de bens não se condiciona à comprovação de dilapidação efetiva ou iminente de patrimônio, porquanto tal medida consiste em "tutela de evidência, uma vez que o periculum in mora não é oriundo da intenção do agente dilapidar seu patrimônio e, sim, da gravidade dos fatos e do montante do prejuízo causado ao erário, o que atinge toda a coletividade".
3. Decisão de origem que diverge da jurisprudência do STJ.
4. Recurso Especial provido para determinar que o pedido de indisponibilidade seja examinado conforme a presença de fundados indícios da prática de atos de improbidade, estando dispensada a prova de dilapidação patrimonial ou de sua iminência.
(destaquei – STJ – REsp 1308865-PA – 2ª Turma - rel. Min. Herman Benjamin – j. 11.6.2013 – DJe 25.6.2013)
“PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INDISPONIBILIDADE DE BENS. DESNECESSIDADE DE PERICULUM IN MORA CONCRETO. INEXISTÊNCIA DE FUMUS BONI IURIS. NÃO DEMONSTRAÇÃO DA DIVERGÊNCIA.
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem-se alinhado no sentido da desnecessidade de prova de periculum in mora concreto, ou seja, de que o réu estaria dilapidando seu patrimônio, ou na iminência de fazê-lo, exigindo-se apenas a demonstração de fumus boni iuris, consistente em fundados indícios da prática de atos de improbidade (...)”.
( destaquei – STJ – AgRg no REsp 1235176/RS – 2ª Turma – rel. Min. Humberto Martins – j. 10.12.2013 – Dje 16.12.2013)
Diante do exposto, com fulcro no artigo 7º da Lei de Improbidade Administrativa, c/c art. 12, II e III da Lei 8.429/92, defiro a providência de natureza cautelar, a fim de ordenar a indisponibilidade dos bens e valores da requerida no montante de R$ 122.677,82 (cento e vinte e dois mil, seiscentos e setenta e sete reais e oitenta e dois centavos) até decisão final.
Para efetivo cumprimento da decisão, ordeno a expedição de ofícios aos Cartórios de Registro de Imóveis de Cuiabá e Várzea Grande e ao DETRAN, bem como o cumprimento do disposto no art. 655-A, do Código de Processo Civil por meio do procedimento eletrônico utilizado nas ações de execução.
No mais, com fundamento no art. 17, § 7º, da Lei 8.429/92, determino seja notificada a requerida para oferecer manifestação por escrito, que poderá ser instruída com documentos e justificações, dentro do prazo de 15 (quinze) dias.
Intimem-se.
Cumpra-se.