O juiz federal da 5ª Vara de Cuiabá, Jeferson Schneider, mandou intimar o doleiro Marson Antônio da Silva, para que comprove o pagamento das parcelas no valor de um salário mínimo cada, uma “punição” que substituiu a pena restritiva de direito resultado de uma condenação por crime contra o patrimônio da União, por comercializar ouro sem autorização. A decisão é do dia 2 de maio, mas foi publicado no Diário de Justiça Eletrônico (DJE) da última segunda-feira (13).
Caso não tenha efetuado os pagamentos, o doleiro deverá realizá-lo e apresentar justificativa pelo não cumprimento. Em sua decisão, Schneider também citou que Marson poderá retornar para a cadeia.
“O reeducando deverá ser advertido de que o não cumprimento da pena, na forma exata como fixada, resultará em sua conversão em pena privativa de liberdade”, avisou.
No mesmo documento, o magistrado solicitou à defesa de Marson para que apresente informações sobre quais habilidades cognitivas e profissionais que seu cliente possui. Isso porque, no acordo firmado com a Justiça para que sua pena fosse convertida em restrição de direitos, Marson se comprometeu a realizar trabalhos comunitários. A apresentação de tais informações irá auxiliar o magistrado a decidir para qual órgão ou entidade o doleiro irá contribuir com seu trabalho voluntário.
A Defensoria Pública da União (DPU), questionada sobre o interesse de ser beneficiária dos serviços prestados por ele, rejeitou a pretensão, alegando interesse zero.
O CASO
Marson Antônio da Silva foi alvo da “Operação Soberba”, deflagrada pela Polícia Federal (PF) em janeiro de 2015. Com ele, as autoridades encontraram 5,6 kg de ouro, enquanto cumpriu o mandado de busca e apreensão em sua residência. Deste total apreendido, 4,98 kg já estavam processados e industrializados em barras e outros 650 gramas em estado bruto. Parte do ouro estava escondido embaixo de seu sofá. Ele não possuía nenhum documento que autorizasse a extração. A PF também encontrou joias dentro de um cofre, instalado no closet do quarto de Marson.
O material apreendido pela PF foi avaliado pela perícia técnica em R$ 551.330,00, sendo R$ 516.985,00 referentes às barras de ouro e R$ 34.345,00 referentes às pepitas e pó de ouro.
O Tribunal Regional Federal (TRF) recebeu a denúncia do Ministério Público Federal (MPF) em 23 de fevereiro de 2015. Durante o trâmite do processo, o doleiro acabou confessando os crimes praticados. Em abril de 2015, o juiz proferiu sua sentença em 1ª instância.
Às autoridades policiais, o doleiro, além de confessar os objetos encontrados, explicou que o ouro era adquirido no balcão de sua loja, situada na Rua Cândido Mariano, no Centro de Cuiabá. As pessoas chegavam ao estabelecimento e ofereciam o minério.
À Justiça, ele voltou a confirmar tudo que alegou à polícia e informou que vinha juntando as barras de ouro há cerca de dois anos.
“Quanto à procedência do minério, o réu alegou que o ouro era proveniente de garimpeiros, pessoas que faziam extração, funcionários de garimpo. No entanto, ao ser questionado se tem algum documento para comprovar a origem desse ouro e se possui alguma autorização junto aos órgãos competentes para adquiri-lo, admitiu que não”, consta nos autos do processo.
Em sua defesa, Marson afirmou que não tinha a compreensão de que sua prática era ilícita, uma vez que seu estabelecimento estava numa região em que era comum o comércio de ouro. O argumento, porém, foi rechaçado pelo magistrado, que elencou ser o réu um empresário experiente e com ensino médio completo, o que já o capacita educacionalmente para saber sobre a licitude ou ilicitude de suas ações.
Além disso, Schneider elencou que os locais onde o ouro estava guardado aponta para o conhecimento da prática ilegal por parte de Marson. “Ademais, o fato do ouro ter sido encontrado no interior de um cofre localizado no closet do quarto do acusado e escondido embaixo de sofás da sala também constitui um indicativo de que o réu tinha consciência do caráter ilícito de seus atos, pois, do contrário, procuraria oficializar as aquisições do minério, até mesmo por uma questão de segurança”, diz uma das ponderações feitas pelo magistrado.
Outro importante ponto elencado por Schneider é de que ele é casado com uma juíza de Direito e que, em depoimento, ela afirmou ter o alertado para não mexer com o comércio de ouro por várias vezes.
Ao condenar o réu, o juiz fixou, primeiramente, a pena de 2 anos de detenção, devido à grande quantidade de ouro encontrada pela PF. Posteriormente, na segunda fase de cálculo da pena, o magistrado atenuou a sentença, em razão de ele ter confessado o crime, para 1 ano e 6 meses de detenção. Não houve nenhum ato do réu que agravasse o cálculo da pena.
Já na terceira fase do cálculo, Schneider homologou não haver nenhum agravante ou novo atenuante da pena e, por isso, fixou a pena em 1 ano e 6 meses de detenção, com cumprimento inicial em regime semiaberto.
Quanto à pena de multa, o magistrado primeiramente a fixou ao pagamento de 20 dias-multa e, posteriormente, a reduziu para 15 dias-multa, sendo esta correspondente a um salário mínimo.
Em razão da sentença proferida, inferior a quatro anos de detenção, o magistrado a substituiu por duas restrições de direitos, sendo uma o pagamento de pena pecuniária, no valor de cinco de salários mínimos, e uma pena de prestação de serviços à comunidade.
Além das sanções já descritas, Schneider também o condenou à perda dos bens apreendidos. Isso porque, os bens minerais pertencem à União e, sem autorização, é caracterizado a usurpação dos bens.
“Os bens minerais pertencem à União, daí porque o crime contra o patrimônio público, na modalidade usurpação. Destarte, se os bens minerais (no caso, o ouro apreendido), extraídos sem a prévia e competente autorização do DNPM [Departamento Nacional de Produção Mineral], pertencem à União, tenho que esses minerais qualificam-se como produto de crime, razão pela qual decreto a perda desses bens em favor da União”, elencou.
Em novembro de 2018, Schneider acolheu o parecer ministerial e impôs o pagamento da prestação pecuniária em cinco parcelas de R$ 954,00 cada. O primeiro pagamento deveria ser realizado já em dezembro, mas o réu só foi notificado em janeiro deste ano.