Instauração de incidente de insanidade mental sem a prévia manifestação do Ministério Público não configura nulidade e nem afronta o contraditório e a ampla defesa, pois visa assegurar o devido processo legal, ainda que determinada na fase de alegações finais da ação penal. Foi o que concluiu a Turma de Câmaras Criminais Reunidas do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) em um mandado de segurança impetrado pelo Ministério Público Estadual, visando anular decisão proferida pelo juiz Ednei Ferreira dos Santos, da 3ª Vara de Jaciara, que acolheu pedido da Defensoria Pública a favor do réu Edson Souza Santos Filho, processado pelos crimes de ameaça, dano e importunação sexual.
O magistrado, em decisão proferida no dia 14 de abril deste ano determinou a instauração do incidente e suspendeu a tramitação do processo até a solução do incidente. Por sua vez, o Ministério ingressou com mandado de segurança junto ao Tribunal de Justiça para cassar a decisão que autorizou o exame e suspendeu o andamento processual. O pedido de liminar foi negado e no julgamento de mérito, inclusive, o procurador João Augusto Veras Gadelha, da Procuradoria Criminal Especializada presentou parecer pela denegação do mandado de segurança. Ou seja, para o ignorar o pedido do MP e não cassar a decisão que autorizou o exame de insanidade mental.
Conforme acórdão, quando baseada em dúvida razoável sobre a integridade psíquica do acusado, nos termos do artigo 149 do Código do Processo Penal, a instauração de incidente de insanidade mental está devidamente fundamentada. A acusação alegou ausência de fundamentação da decisão, violação ao contraditório e à ampla defesa pela falta de prévia oitiva ministerial, além da inexistência dos requisitos do artigo 149 do Código de Processo Penal.
Em seu voto, a desembargadora e relatora Juanita Cruz da Silva Clait Duarte não entendeu dessa forma, apontando que o juiz Ednei Ferreira dos Santos fundamentou expressamente sua decisão no artigo 149 do CPP, que prevê que “quando houver dúvida sobre a integridade mental do acusado, o juiz ordenará, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, do defensor, do curador, do ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do acusado, seja este submetido a exame médico-legal”. No caso julgado, a decisão atendeu ao requerimento formulado pela defesa técnica nos memoriais finais, onde foi invocada a possível incapacidade do réu de entender o caráter ilícito dos atos pelos quais respondia.
A dúvida a respeito da sanidade mental do réu foi motivada pelo fato dele ser acusado de ingressar pelado na residência da vítima oferecendo dinheiro para que ela se relacionasse com ele, além do fato de partir ao meio o carrinho que estava no local e apedrejar o carro dos pais da vítima em uma reação completamente desproporcional. Diante disso, ele respondia por crime de importunação sexual. Durante uma audiência de instrução, a irmã do réu informou que após um término de relacionamento, o homem passou a apresentar comportamento estranho e o próprio réu informou sofrer de depressão e que, inclusive, tentou atentar contra a própria vida por algumas vezes, dando sinais que padece de alguma enfermidade mental. Diante disso, o juiz responsável pela ação penal decidiu pela instauração do incidente de insanidade mental.
A relatora do mandado de segurança, por sua vez, não verificou “qualquer prejuízo à defesa a produção da referida perícia técnica, muito pelo contrário, pois garante o princípio do devido processo legal com a finalidade de evitar futuras arguições de nulidade processual”.
Quanto à alegação de ausência de contraditório, a relatora destacou que o incidente de insanidade mental pode ser instaurado de ofício pelo juízo, sendo desnecessária a prévia manifestação do Ministério Público. Ressaltou ainda que nesse caso, opera-se o chamado “contraditório diferido”, em que às partes é assegurada a oitiva posterior, a apresentação de quesitos e participação na produção da prova pericial. “Assim, a ausência de prévia intimação do Ministério Público não implica nulidade do ato judicial, pois este ainda poderá exercer integralmente sua função fiscalizatória durante a tramitação do incidente”, registrou.