A presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), desembargadora Clarice Claudino da Silva, convidou a classe dos advogados a atuar no campo da mediação, especialmente em casos que envolvem os direitos das crianças e dos adolescentes, durante palestra proferida por ela no 1º Congresso Estadual de Networking Jurídico, promovido pelo Instituto Mato-grossense de Advocacia Network (Iman), na manhã desta quinta-feira (26), no Cine Teatro Cuiabá.
Abordando o tema “A mediação e os direitos das crianças e dos adolescentes”, a desembargadora lembrou sua experiência de quase uma década atuando em Vara de Família e sua militância no campo dos métodos consensuais de solução de conflitos, por acreditar que quando essas soluções são construídas pelas próprias partes e não determinadas por meio de uma sentença judicial, torna-se muito mais confortável e eficaz para todos.
Clarice Claudino abordou ainda o aspecto histórico das leis que asseguram os direitos das crianças e adolescentes, que são recentes. “As nossas crianças e os nossos adolescentes têm hoje na nossa legislação o amparo. Está no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Constituição assegurada e legitimada essa prioridade absoluta da defesa do direito da criança e do adolescente. Mas nem sempre foi assim. Hoje temos um cenário que nos propicia um olhar totalmente diferente. Temos sim que celebrar esses avanços. Eles são muitos e significativos”, destacou.
No entanto, a desembargadora ressaltou que é preciso avançar ainda mais. “Ainda continuamos com aquela mentalidade de que criança e adolescente não tem voz, não tem vez na prática. Por isso, a partir da Resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça instituiu-se nos Tribunais de Justiça a obrigação de encampar a política judiciária de tratamento adequado de solução de conflitos. Aí sim nós começamos a inaugurar uma nova era e trabalhar fortemente para reverter a cultura do litígio”.
Método adequado de solução de conflitos
Em sua palestra, a desembargadora Clarice lembrou ainda que, diferentemente de outrora, atualmente a Justiça é multiportas, o que representa um avanço. “Na minha avaliação, a mediação é um dos instrumentos mais eficientes e eficazes quando nós tratamos de conflitos relacionais. E com muito mais ênfase ainda quando se trata de um relacionamento que envolve crianças e adolescentes”.
A presidente do TJMT ressaltou que o Judiciário mato-grossense tem contribuído concretamente para esse cenário de mudança na cultura e no sistema judiciário. “Hoje nós temos mais de 4 mil pessoas formadas nas capacitações oferecidas pelo Tribunal de Justiça e a maioria delas são advogados e advogadas porque nós elegemos como prioridade nos primeiros anos dessa semeadura à frente do Nupemec [Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos]. Exatamente levar essa sensibilização e também dividir essa responsabilidade com a advocacia. E por que isso? Porque o primeiro juiz da causa são vocês, advogados. Aqueles que ouvem a primeira queixa, a primeira versão dos fatos e que vão dar o primeiro diagnóstico são os senhores, advogados. Por isso a responsabilidade de vossas excelência é muito maior do que aquela que a sentença vai trazer”, asseverou a magistrada.
Papel do mediador
A desembargadora Clarice Claudino tratou ainda sobre o papel do mediador em uma demanda de família, que envolva crianças e adolescentes. Segundo ela, a mediação deve ser feita por um mediador profissional e bem treinado. “Ele é um terceiro imparcial. Geralmente ele faz a escuta de uma das partes em separado, escuta o outro lado em separado, identifica quais são as necessidades e sentimentos de cada um, identifica quais são os pontos de convergência entre essas necessidades e sentimentos envolvidos e vai construindo perguntas muito bem feitas para, então, que as próprias partes, conversando num ambiente de paz, a começar pelo ambiente que o Judiciário constrói e oferece. É uma sala que tem uma mesa redonda onde todos estão no mesmo patamar, onde não tem hierarquia e nem privilegiado. Todos estão ali num circuito onde podem ser vistos e ouvidos. Cada um tem seu tempo de falar, que deve ser respeitado pelo outro lado”, explicou.
Claudino apontou ainda que o mediador é um profissional preparado e que conta com uma série de ferramentas para encontrar a solução consensual dos conflitos, visando não somente o acordo, mas o restabelecimento do diálogo entre as partes. A desembargadora explicou também que os filhos podem ser introduzidos no processo, por meio da escuta qualificada e ativa, com o respeito e o cuidado necessário no cenário de negociações.
“Eles podem inclusive entender as razões de um, as razões de outro, tirar suas próprias conclusões, se a idade permitir. Mas ele entra num cenário já preparado pelo mediador, então há todo um respeito, há todo um cuidado para assegurar os direitos da criança e do adolescente, o direito de não ser violentado mais uma vez por uma história em que só um conta. E assim vai se seguindo até se construir ou reconstruir um relacionamento que permita àquela família seguir um caminho mais promissor. Esse é o melhor caminho que o Poder Judiciário poderia dispor e sou muito feliz que todos vocês ajudaram com que esse sistema hoje fizesse parte do nosso Código do Processo Civil”, enalteceu, referindo-se ao marco legal da mediação.
Papel do advogado
A palestra da desembargadora também voltou suas atenções para o papel do advogado, que, conforme Clarice Claudino, não é representativo, mas sim consultivo. “É uma mudança de papel muito drástica para aquele que está acostumado com a tradicional forma de que o advogado fala pelo cliente. Numa mediação, não. Quem fala é o cliente. Ele vai falar o que ele sente, vai falar despreocupado porque ele sabe que ali é um ambiente onde ele não vai cair em armadilhas processuais. E é isso que dá segurança, é isso que constrói bons acordos porque o juiz pode ser o melhor juiz ou juíza do mundo, mas ele não sabe como é que aquela família se comporta diante daquela sentença”.
Como exemplo, a palestrante abordou a questão da partilha de guarda, que impacta a rotina dos integrantes da família. “Quando temos uma sentença que invade o espaço daquela família, enquanto regulação de visitas, por exemplo, isso dá a sensação para um de que ganhou e para o outro de que perdeu”, disse, complementando que o acordo construído em uma mediação, por sua vez, tem muito mais chances de ser acatado com eficácia e sem interferir negativamente nas vidas daquelas pessoas.
Judiciário e advocacia juntos
Afirmando que a nova ordem no campo do Direito é a conciliação, a mediação, o consenso e o diálogo, que devem ser de boa qualidade, a presidente do TJMT reforçou que “o Poder Judiciário tem investido muito tempo e recursos humanos e financeiros para que o nosso Tribunal seja sempre profícuo de pessoas com esse perfil, com essa expertise e sempre aberto a parcerias com a nossa Escola para também formar profissionais de outros segmentos”.
Clarice Claudino finalizou sua palestra defendendo que “a mediação é o caminho mais seguro para que elas [crianças e adolescentes] não sofram as consequências das dores que são dos adultos que as conduzem”. Conforme a magistrada, poupar as crianças dessa dor pode torná-las adultas mais resilientes. Ela aproveitou a oportunidade para convidar a todos os advogados e as advogadas presentes no congresso para se aprofundarem no campo da mediação. “Estamos sempre buscando antecipar a judicialização. Não é necessário ajuizar uma demanda, é necessário sim que um profissional do Direito tenha essa noção do sistema multiportas que o Poder Judiciário oferece”, finalizou.
Presidente do Iman destaca visão diferenciada
A presidente do Instituto Mato-grossense de Advocacia Network, Tatiane Barros Ramalho, que também atua há mais de 10 anos na Comissão de Infância e Juventude da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Mato Grosso (OAB-MT), explicou os motivos do convite à presidente do TJMT para palestrar sobre o tema “Mediação e os direitos das crianças e dos adolescentes”. “A presidente Clarice tem uma visão muito diferenciada, com muito carinho para a questão da mediação. E o Iman, tendo essa consciência, convidou a desembargadora Clarice para fazer a palestra sobre mediação e os direitos das crianças e dos adolescentes, como nós podemos tratar com a mediação esses conflitos na área de infância e juventude, porque nós sabemos que tudo o que mexe com criança, com adolescente, com família é realmente delicado. São temas desafiadores e a desembargadora tem um olhar muito carinhoso para essa mediação. Nós sabemos que está ali no coração dela e, por isso, a convidamos para participar. É uma honra tê-la aqui conosco para participar desse painel de mediação”, disse.
Tatiane Barros Ramalho ressaltou ainda o pioneirismo e o objetivo do 1º Congresso Estadual de Networking Jurídico. “É um congresso pioneiro no país, assim como o Iman é um instituto pioneiro e inédito no país, e visa debater a questão do network, a rede de contatos, agregar os advogados associados e advogados do estado de Mato Grosso em uma grande e forte rede de contatos e parcerias. O network jurídico é uma ferramenta muito importante não somente na vida profissional, mas na pessoal. Então, com os pilares da empatia, do profissionalismo e da união, o instituto vem com essa grande missão de agregar os associados em uma forte rede de colaboração, de network, de contatos, de parcerias”, explicou.