Todos, amigos ou inimigos, acompanhamos a divulgação do famoso vídeo da reunião ministerial de 22 de abril. Para uns a confirmação das acusações do ex-ministro Sérgio Moro sobre a tentativa de interferência do Presidente Bolsonaro na Polícia Federal; para outros, não. Uma “bala de prata” ou, um “tiro de festim”?
Depende da leitura do que foi divulgado. Preliminares: 1- uma reunião das mais altas autoridades da República, num nível de BBB de segunda categoria, recheado de palavrões, a começar do chefe maior: 2- acusações graves contra governadores e prefeitos- “prisão”; contra os Ministros do STF- “vagabundos”- País que prende ministros do Supremo por cumprirem seus deveres constituicionais, definitivamente, não é democracia; talvez, sonham com uma venezuelização ou cubanização do Brasil; há até faixas em manifestações que pedem uma “ditadura” com ele no poder; “passar a boiada” em cima da legislação ambiental; calar a imprensa (“não falem com a imprensa”); 3- revelações de um sistema particular de informações do presidente (ABIN “paralela”?) Ou, como disse depois o presidente, policiais e amigos que o mantêm informados sobre possíveis investigações contra os filhos e “amigos”.
Ou seja, informações, no mínimo, ilegais “Sistemas de informações, o meu funciona. O meu particular funciona”.
Aliás, o ex-ministro Gustavo Bebiano já dizia que no início do governo, o filho do presidente Carlos Bolsonaro queria criar uma Abin paralela, formada por policiais federais. “E me desculpe o serviço de informação nosso – todos- é uma vergonha, uma vergonha, que eu não sou informado, e não dá para trabalhar assim, fica difícil. Por isso, vou interferir. Ponto final.”... “Pô, eu tenho a PF que não me dá informações”; Além, da perigosa fala de armar a população para defender a “democracia”, ou seja, desobediência civil e grupos armados proibidos por lei; “é fácil fazer ditadura no Brasil”.
Pode ser, mas as consequências são desastrosas, disto temos experiência recente. Enfim, um show de horrores. Democracia, cremos, se defende com o voto consciente, não com armas, milícias ou grupos paramilitares.
Salta aos olhos, que Bolsonaro está, sim, muito preocupado com o risco de interrupção do seu mandato. Esse é o pano de fundo de toda a sua irritação e seus xingamentos. Ele sabe que, ao trafegar na contramão do mundo no que diz respeito à pandemia do novo coronavírus, ignorando a ciência e a OMS, foi o caminho errado na busca do milagre da cloroquina, reprovada por cientistas e médicos do mundo todo, mas recomendada por seu ministro interino da saúde- (general), e ele próprio, ambos incompetentes para tal; não são médicos.
Daí, talvez, preventivamente, a MP- já alterada pelo STF- que editou para livrar os agentes públicos de erros “grosseiros”. O vídeo pode não ser a “bala de prata”, mas, corrobora para ratificar o relato do ex-ministro, inclusive os atos subsequentes de exoneração do Diretor Geral da PF e a mudança na PF do Rio de Janeiro e mensagens que continuam aparecendo.
Para completar o espetáculo, a nota do ministro Heleno alertando a “nação brasileira” dos riscos incalculáveis de uma possível busca do celular do Presidente, nota, aliás, e o que é mais grave, ratificada pelo Ministro da Defesa.Ou seja, uma ameaça velada de possível intervenção militar, o que contradiz este ministro, pois dizia, dias atrás, que as forças armadas eram obedientes à constituição e ao Estado democrático de Direito.
Os ventos estão mudando? O ministro Celso de Melo, já alertara em seu despacho, após afirmar a entrega do vídeo, “cabendo observar, neste ponto, por relevante, que eventual inconformismo com ordens judiciais confere a seus destinatários o direito de impugná-las mediante recursos pertinentes, jamais se legitimando, contudo, a sua transgressão, especialmente em face do que prevê o art. 85, inciso VII, da Constituição Federal, que define como crime de responsabilidade o ato presidencial que atentar contra ‘o cumprimento das leis e das decisões judiciais.
”Jamais eu entregaria um telefone meu”, afirmou. “Só se fosse um rato para entregar o telefone.” Desrespeito a uma possível determinação judicial nesse sentido?. Celso de Mello afirmou que cabe contestar decisões por meio de recursos, mas “jamais desrespeitá-las por ato de puro arbítrio ou de expedientes marginais”.
Mais cedo, o ministro Celso de Mello, encaminhara à PGR pedidos de partidos e parlamentares de oposição para que o telefone do presidente seja apreendido e periciado, bem como o de seu filho e da deputada já famosa Carla Zambelli, da tropa de choque bolsonarista.
O vídeo, por fim, revela o nível de desconhecimento e desprezo das normas e legislação nacional, inclusive da CF, por parte de quase todos os ministros e presidente.Também, o desprezo ou a pouca importância a grave crise do coronavirus, em nenhum momento analisada com seriedade; o que é lamentável. Quanto a uma possível intervenção na PF, matéria publicada recentemente, mostra fato que pode corroborar a tese, ao noticiar mudança no gabinete da segurança no RJ 28 dias antes da reunião, em que o presidente tinha promovido o responsável pela segurança, em vez de demiti-lo.
E ainda colocou em seu lugar, o número dois. E, mesmo no Rio de Janeiro, houve outras trocas na chefia do escritório do GSI que cuida de sua segurança e de seus familiares, isto cerca de dois meses antes da reunião ministerial. O alvo da fala na reunião, parece ser, de fato, a PF.
A conferir, com o andamento da carruagem. Assim, é discutível a versão propalada de que “a montanha pariu um rato”. A divulgação do vídeo pode ter dado ensejo a outros “bichos”, como calunia, difamação; improbidade administrativa do presidente e alguns ministros, crime de responsabilidade e outros pecados menores.
Dependerá do olhar da PGR, que, como disse o procurador, vai assistir o vídeo. Esperamos todos, que com olhar na lei e na CF, e não, como já se alardeia, “in off” pela mídia, na vaga no STF.
A impressão é que o ministro quer encerrar o assunto antes da sua aposentadoria em novembro, o que dá tempo de sobra, a não ser que novas diligencias ou pedidos ‘extra inquérito” surjam, o que já está ocorrendo, com o medo de alguns, da decisão final. "A fraude é o braço esquerdo do homem: o braço direito é a força. Muitos homens são canhotos, eis tudo." Machado de Assis.
(*) Auremácio Carvalho é advogado.